Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, de Giovana Girardi, que está em Belém cobrindo a COP30. Durante o evento, as edições serão enviadas ao longo da semana, conforme as atualizações da conferência climática — e não mais fixamente às quintas-feiras. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.
O tão esperado “mapa do caminho” com sugestões de como o mundo pode escalonar o financiamento climático para países em desenvolvimento foi divulgado nesta quarta-feira (5), às vésperas do início da COP30, com uma notícia boa, porém com ressalvas. A análise considerou que, sim, existem recursos disponíveis no mundo que podem ser mobilizados para se chegar à necessária cifra de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. Mas vai depender de um bocado de vontade política para que isso de fato ocorra.
O relatório foi encomendado no ano passado ao final da 29ª Conferência do Clima da ONU, realizada em Baku, no Azerbaijão, depois que um acordo fechado lá ficou muito aquém das expectativas e da necessidade dos países mais pobres para implementarem suas ações climáticas.
Na COP de Baku os países precisavam definir uma nova meta financeira, o chamado novo objetivo coletivo quantificado (NCQG, na sigla em inglês), para substituir o compromisso até então em vigor, por parte dos países desenvolvidos, de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento. Ao final da conferência, concordou-se em triplicar isso até 2035. Praticamente uma ninharia perto da demanda feita principalmente pelos países mais vulneráveis à crise climática de que o valor fosse na faixa do trilhão.
Como não se chegou ao valor desejado, e para não pegar mal demais por entregarem um resultado tão fraco diante das urgentes necessidades de um planeta em franco aquecimento, os países encomendaram a elaboração de um relatório, um “mapa do caminho”, que mostrasse formas de saltar dos US$ 300 bilhões para o US$ 1,3 trilhão. A tarefa coube aos presidentes da COP29, Mukhtar Babayev, e da COP30, André Corrêa do Lago. E é isso que acabou de ser entregue.
Dinheiro é o grande nó das conferências do clima basicamente desde sua origem. A falta dele, em boa medida, é o que faz com que muitos países mantenham a dependência de combustíveis fósseis ou não consigam se adaptar aos danos já causados pelas mudanças climáticas. Alguns países não querem nem ouvir falar em serem mais ambiciosos em suas metas de redução de emissões se não houver dinheiro na mesa.
“Financiamento é essencial para entregar ação climática e este roteiro surge quando estamos pedindo para os países submeterem a próxima geração de planos climáticos com a maior ambição possível. Estes planos requerem investimentos recordes, mas até agora o financiamento climático tem falhado em alcançar o mundo em desenvolvimento na velocidade e escala necessárias. Os países simplesmente não têm como cortar emissões ou se adaptar ao aumento da temperatura se eles não podem contar com capital”, disse Babayev na coletiva de imprensa.
Trata-se, acima de tudo, de uma questão de justiça, afinal, os países desenvolvidos enriqueceram queimando uma quantidade insana de combustíveis fósseis – cujas emissões são as responsáveis pelo aquecimento global que vivemos hoje. Países pequenos, pobres, vulneráveis estão sofrendo com eventos extremos impulsionados por um problema que não foram eles que criaram. E essa conta está cada vez mais alta. No entendimento dessas nações, é um recurso que tem de vir dos países desenvolvidos, de fonte pública e, de preferência, de forma concessional (como doação ou a juros bem mais baixos que os de mercado).
Os desenvolvidos, por sua vez, não têm mostrado disposição para aumentarem em muito mais os seus aportes – muitos deles estão mais preocupados em aumentar seus gastos com defesas, como o caso da União Europeia. E eles têm demandado que outros países também entrem na chamada base de doadores, argumentando que China ou mesmo o Brasil poderiam contribuir com os recursos.
Para evitar cascas de banana, o mapa do caminho não aponta o dedo para quem deve pagar a conta ou quem deveria fazer uma coisa ou outra. E também não considera apenas o papel de governos, mas de todos os atores do sistema financeiro.
Há sugestão de ações de curto e de longo prazo, para o período de dez anos, e recomendações sobre possíveis fontes que podem ser mobilizadas, readequadas, impulsionadas – considerando tanto fontes tradicionais quanto a criação de mecanismos financeiros novos. E também ajustes que podem ser feitos nos países que vão receber os recursos para garantir que, efetivamente, o dinheiro chegue até eles.
“Os recursos existem, a ciência é clara e o imperativo moral é inegável. O que resta é a determinação de agir – de transformar o inimaginável em inevitável e de fazer desta década de implementação acelerada aquela em que a resposta da humanidade finalmente corresponda à dimensão da sua responsabilidade”, aponta o documento.
Também afirma que o “financiamento climático é tanto um seguro planetário quanto um investimento sólido em um futuro compartilhado, seguro e sustentável – um futuro que retribui às sociedades por meio de melhores empregos, inovação, resiliência, estabilidade e confiança renovada no multilateralismo.”
A análise parte de cinco frentes de ação chaves, mais voltadas para o sistema financeiro, pensadas para alavancar os recursos, que eles chamaram de 5Rs: reabastecer, reequilibrar, redirecionar, reestruturar e reformular.
O primeiro R, reabastecer, se refere a aumentar os subsídios, financiamento concessional e capital de baixo custo – os modelos mais tradicionais de financiamento climático. O reequilíbrio é do espaço fiscal de modo a tentar resolver o endividamento estrutural dos países em desenvolvimento. O relatório destaca que 3,4 bilhões de pessoas vivem em países que gastam mais hoje em pagamento de juros de dívida, do que em saúde e educação. Que dirá em ação climática. O documento traz sugestões para tentar reequilibrar as contas dessas nações para que elas consigam atrair financiamento e capital.
O redirecionamento tem como foco que o financiamento privado seja transformador e permita uma redução do custo de capital. Como criar mecanismos, instrumentos financeiros, para atrair mais financiamento privado para os países em desenvolvimento.
O 4º R é de reestruturação da capacidade e da coordenação para portfólios climáticos em escala, saindo de uma abordagem de financiamento em projetos para investimentos mais estruturais. E o 5º visa reformular os sistemas e estruturas para fluxos de capital equitativos, como incorporar cenários climáticos em regras prudenciais.
O documento aponta também como essa nova arquitetura se cruza com áreas que precisam de investimento, como adaptação, energia, natureza, agricultura e transição justa. Além de várias ações de curtíssimo prazo que já poderiam ser implementadas rapidamente.
O destaque dado ao financiamento privado não foi bem recebido por organizações não governamentais. “As desigualdades deixadas pela meta inadequada de financiamento climático acordada na COP29 não foram resolvidas no roteiro Baku a Belém. Embora reconheça corretamente a falta de financiamento a juros baixos e doações para países em desenvolvimento, o documento não destaca o papel do financiamento público proveniente de países desenvolvidos como principal condição para que países do sul global implementem ações de mitigação, adaptação e perdas e danos, sem ampliar o seu endividamento”, comentou a diretora executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali.
O pessoal do Política por Inteiro, do Instituto Talanoa, fez uma análise bem interessante do relatório – recomendo a leitura. E eles destacam que “grande parte do contexto e das oportunidades apresentadas já era conhecida. O teste real do roteiro será sua capacidade de gerar ação concreta: se ele vai além do diagnóstico e oferece um plano crível de implementação e acompanhamento”.
Os caminhos estão lá, mas será que os países, os bancos multilaterais de desenvolvimento, as instituições financeiras internacionais e o setor privado e filantrópico vão dar algum encaminhamento para essas medidas? Apesar de o mapa do caminho ter sido demandado pelos países membros da Convenção do Clima da ONU, não há previsão de que isso seja incorporado em alguma decisão da COP, por exemplo. A análise feita pelo Política por Inteiro destaca que o documento deveria ser acolhido na COP30, com compromissos claros de implementação e acompanhamento.
Nessa mesma linha foi o comentário de Karen Silverwood-Cope, diretora de Clima, Economia e Finanças do WRI Brasil. “O grande desafio após o lançamento do Roteiro Baku–Belém será verificar se ele será efetivamente endossado pelos países na COP30 e como será construído um mecanismo robusto de monitoramento e implementação. O plano estabelece ações e responsabilidades não apenas para os países, mas também para instituições financeiras internacionais, o G20, os Brics e todo o sistema multilateral, reconhecendo que a transformação exigida é sistêmica. O sucesso dependerá da capacidade de converter compromissos em mecanismos concretos de governança e prestação de contas.”
Na entrevista coletiva, o embaixador Corrêa Lago buscou contemporizar a necessidade de uma incorporação do documento pela COP. “Precisamos de uma mudança de conceito quando falamos de negociação. Existe uma lógica à qual estamos acostumados, mas agora estamos passando para a lógica da implementação. É implementação é algo que segue as regras do Acordo de Paris. Cada país escolhe seu próprio caminho. Portanto, não precisamos de aprovação para que as pessoas façam o que querem fazer. É preciso ter essa aprovação para documentos que alteram algumas regras, o que não é o caso. Então, acho que este relatório pode desencadear uma série de coalizões, uma série de uniões de países em uma direção ou outra. Obviamente, em um mundo ideal, adoraríamos que tudo fosse aprovado por todos. Mas acho que uma das ideias que considero muito fortes é a necessidade de incorporar urgência à implementação.”
Pois é. Senso de urgência é o que tem faltado nas COPs até agora.
