A analista de sistemas Yoko Farias Sugimoto, de 41 anos, ficou tetraplégica aos 20 anos ao ser vítima de um acidente em uma cama elástica. O momento mudou todos os aspectos de sua vida e segue ressoando agora que ela enfrenta uma luta contra o câncer de mama, diagnosticado em abril.
Yoko descobriu o tumor durante uma bateria de exames que fez no dia de seu aniversário. Ela havia suspeitado do câncer de mama ao ser alertada por sua ginecologista sobre uma mudança no aspecto de seu seio que ela não tinha dado atenção.
“Eu tinha percebido que meu mamilo estava retraído, mas achei que fosse algo passageiro. Minha ginecologista perguntou se aquele aspecto era normal. Foi ali que meu coração parou por segundos. Ela me encaminhou imediatamente ao mastologista”, lembra a moradora de Jaboatão dos Guararapes (PE).
Além do impacto do diagnóstico, Yoko se deparou com uma estrutura de saúde pouco preparada para acolher mulheres com deficiência. “Tanto quanto o desafio de lidar com a doença em si, é devastador precisar de um sistema que ainda não enxerga o corpo da pessoa com deficiência como um que também adoece e que também precisa ser tocado, examinado e acolhido. Encontrar um mamógrafo acessível, por exemplo, é quase tão raro quanto ganhar na loteria”, afirma ela.
Principais sintomas do câncer de mama
- Aparecimento de nódulo, geralmente indolor, duro e irregular, nas mamas.
- Edema na pele, que fica com aparência de casca de laranja.
- Retração da pele.
- Dor.
- Inversão do mamilo.
- Descamação ou ulceração do mamilo.
- Secreção transparente, rosada ou avermelhada que sai do mamilo.
- Linfonodos palpáveis na axila.
Para Yoko, se ela não tivesse amigos presentes para ajudá-la a lutar, talvez o diagnóstico ainda nem tivesse sido feito. “Diariamente conto com a boa vontade de profissionais e, muitas vezes, me exponho a constrangimentos para conseguir ser examinada de forma digna”, diz.
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Entre barreiras
Yoko usa cadeira de rodas e depende de um plano de saúde pago com a ajuda de amigos, já que não possui mais familiares vivos. O hospital onde faz quimioterapia é acessível, mas as clínicas conveniadas que podem recebê-la nem sempre estão preparadas. A analista de sistemas já teve que esperar no carro por não haver macas para transportá-la e também já foi carregada nos braços por desconhecidos por falta de estrutura.
A cadeira dela é antiga e não desmonta, o que a impede de embarcar na maioria dos carros de aplicativo, que não têm onde levar a cadeira.
O desafio não é só chegar ao hospital: ser uma paciente oncológica com deficiência também acarreta em dificuldades para ser atendida nos sistemas de saúde. Yoko afirma que muitos profissionais ainda não sabem lidar com corpos como o dela.
“A sensação que fica é de invisibilidade, como se meu corpo fosse em enigma que nunca será desvendado”, relata. Apesar disso, ela encontrou uma equipe oncológica que a acolheu com respeito e que ela chama de anjos. “Me tratam como mulher, não como estatística.”
Tratamento com esperança
Desde julho, Yoko fez duas de duas sessões de quimioterapia e já está na metade do tratamento incialmente planejado. Em breve, ela fará novos exames para avaliar a resposta do tumor. A mastologista dela acredita, porém, que será necessária a retirada da mama.
No domingo (3/8), a mulher precisou raspar os cabelos. “Não adiantava, já estava caindo muito. Ainda estou me adaptando emocionalmente, mas por sorte estou entre pessoas que curam e tenho esperanças que me sustentam. O câncer não é minha identidade, é apenas uma travessia e a fé tem sido meu combustível”, diz.
Acidente que a deixou tetraplégica
A história de Yoko com a dor e o câncer vem de anos. Aos 20 anos, ela fazia bico como animadora de festas infantis e sofreu uma lesão cervical que a deixou tetraplégica ao brincar com crianças em um pula-pula.
Quando ela tinha 14 anos, já tinha perdido a mãe, que morreu de câncer. A avó cuidou dela até falecer. Foi então que o pai, que morava no Japão com outra família, largou tudo para voltar ao Brasil e cuidar da filha. Em 2015, porém, ele foi vítima de um infarto. Desde então, Yoko não tem mais familiares próximos.
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Yoko raspou os cabelos por conta do tratamento quimioterápico
Reprodução/Acervo pessoal
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As amigas de Yoko são sua principal rede de apoio
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A analista de sistemas de 41 anos é tetraplégica desde os 20
Reprodução/Acervo pessoal
Yoko vive com um salário mínimo do benefício de prestação continuada (BPC) por sua incapacidade de trabalhar. Ela concluiu a faculdade de análise de sistemas em fevereiro deste ano, apesar das dificuldades que tem para escrever, já que seus braços não têm força.
Além dos amigos, a resilência vem de seus contatos na internet. Ela compartilha sua rotina e fala da luta de pessoas com deficiência nas redes sociais. “Sei como é a trajetória de ser ignorada e considerada uma incapaz, por isso decidi me dedicar a mostrar que as adversidades existem, mas que elas não me paralisam”, conta.
Políticas públicas ainda são falhas
A falta de estrutura acessível no sistema de saúde é uma das maiores barreiras para mulheres com deficiência em tratamento oncológico. Para a mastologista Maira Caleffi, presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde de Mama (Femama), é urgente fortalecer políticas públicas de saúde para melhorar a qualidade de vida das mulheres com deficiência que necessitam de tratamento.
“São muitas as dificuldades de uma pessoa com deficiência na questão do controle e tratamento do câncer de mama, a começar pela mamografia de rotina: são raros ou quase inexistentes os locais onde o mamógrafo abaixa até a altura de uma pessoa sentada ou que tenham uma plataforma móvel para a pessoa sentada subir até a altura do aparelho! Para pessoas que não se deslocam até as clínicas ou serviços de imagem, não há a disponibilização de aparelhos móveis ou equipamentos que possam ir até o domicílio da mulher”, afirma a médica.
Para Maira, somente através de um esforço conjunto, que envolva o governo, a sociedade civil e os profissionais de saúde, será possível mitigar os impactos do câncer de mama entre essas mulheres. “Não é só sobre o tumor. Um diagnóstico desse atravessa a vida da mulher e muitas vezes pode acabar potencializando dificuldades com as quais a pessoa já lutava”, completa.
Yoko afirma que sonha com políticas públicas que a incluam e que as clinicas vejam que saber atender uma pessoa com deficiência é mais do que apenas ofertar uma cadeira de rodas. “Gostaria que meu corpo fosse incluído como corpo que também precisa ser prevenido, diagnosticado e tratado”, conclui.
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