Condenado a seis anos de prisão, em 2024, pelo estupro de uma influencer dentro do próprio consultório, Gustavo Chiovatto Najjar (foto em destaque) segue com o registro ativo no Conselho Regional de Odontologia do Distrito Federal (CRO-DF). Mesmo após ser denunciado por ao menos outras sete mulheres que o acusaram de importunação sexual, o cirurgião-dentista continua atendendo na mesma clínica das ocorrências, localizada em um shopping na área central de Brasília.
A 3ª Vara Criminal de Brasília, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), condenou o especialista em harmonização facial a cumprir a pena inicialmente em regime semiaberto. A defesa do réu recorreu da sentença, mas o recurso ainda não foi julgado. O processo tramita em sigilo.
Fontes do próprio CRO-DF ouvidas pelo Metrópoles afirmam que, apesar das graves denúncias e da condenação de Gustavo por abuso sexual, a autarquia não instaurou qualquer apuração interna com base no código de ética da profissão. Também não foram aplicadas medidas como a suspensão do registro profissional ou restrições ao exercício da atividade.
A omissão do conselho contraria diretamente as próprias atribuições legais do órgão, que incluem “fiscalizar o exercício da odontologia no Distrito Federal; deliberar sobre questões éticas, aplicando as penalidades cabíveis em casos de infração; e promover, por todos os meios ao seu alcance, o pleno desempenho técnico e moral da profissão e dos profissionais que a exercem”.
De acordo com os servidores do CRO-DF, que terão a identidade preservada, o motivo para o cirurgião-dentista ser resguardado de qualquer processo ético-disciplinar está diretamente relacionado ao poder que pai dele, Samir Najjar, exercia dentro da autarquia.
“A influência política do pai dele comprometeu a imparcialidade do órgão. O fato de Samir ter presidido o CRO-DF por três mandatos e ser membro do Conselho Federal de Odontologia interferiu diretamente nas decisões internas. Houve, inclusive, orientação expressa para que nenhuma apuração fosse instaurada contra o filho dele”, relatam os servidores.
A reportagem também apurou que as vítimas de Gustavo não denunciaram a conduta dele diretamente ao Conselho Regional de Odontologia, assim como o Ministério Público não enviou ofício, e a autarquia também optou não fiscalizar por conta própria — embora tivesse prerrogativa para agir de ofício.
“As denúncias estão em segredo de Justiça e aqui não estamos fazendo qualquer julgamento de valor, mas pugnamos pela manutenção da imagem do CRO-DF. O exercício profissional encontra-se prejudicado e a classe de dentistas também sofre máculas em seu exercício diante da repercussão do caso envolvendo Gustavo”, alegam os denunciantes.
Os profissionais ouvidos também acreditam que a manutenção do registro ativo de Gustavo pode ensejar em novas vítimas. “Se fosse qualquer outro profissional, já teria sido instaurado processo ético. No momento, não existe nenhuma decisão que impeça ele de atuar”, afirmam.
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Dr. Gustavo Najjar, dentista de Brasília acusado de estuprar influencer
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O dentista foi preso em 12 de setembro, no DF
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Gustavo Najjar tem 37 anos
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O especialista é acusado de estuprar uma influenciadora digital
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Ele foi preso preventivamente pela PCDF
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O dentista teria estuprado a influenciadora no consultório dele
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Em suas redes, o dentista afirma que possui “mais de 11 mil atendimentos e zero intercorrência, além de mais 1000 alunos no Brasil e exterior”
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O que diz o Código de Ética Odontológica:
- O Código de Ética Odontológica considera como infração aproveitar-se de situações resultantes da relação profissional/paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou política; desrespeitar ou permitir que o paciente seja desrespeitado, além de praticar ou permitir atividade que não resguarde o decoro profissional.
- A violação dos preceitos da norma pode levar a penalidades como advertência confidencial, censura confidencial ou pública, suspensão do exercício profissional por até 30 dias e cassação do exercício profissional.
- A gravidade da infração é avaliada pela extensão do dano e suas consequências. Um agravante para a pena é aproveitar-se da fragilidade do paciente.
- Além das penalidades disciplinares, também pode ser aplicada uma multa de 1 a 25 vezes o valor da anuidade. Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.
Estupro de influencer
Gustavo ficou conhecido em 2023. À época, a vítima havia conhecido o dentista por meio das redes sociais. A influencer teria ido ao consultório dele após ter sido convencida pelo profissional a realizar uma avaliação na intenção de ser submetida a um procedimento de harmonização facial.
Ao chegar ao consultório do dentista, já no fim do expediente, o homem pediu para que a vítima mostrasse os procedimentos que ela tinha feito em seu corpo, já que ela havia realizado diversas cirurgias estéticas após um grande processo de emagrecimento. Acreditando na boa-fé do dentista, a jovem deixou que ele analisasse o seu corpo. Porém, quando estava olhando os seus glúteos, o autor disse que precisava testar a sua sensibilidade e lhe desferiu um tapa em suas nádegas.
Áudio. Nova vítima denuncia dentista: “Pediu para morder minha bunda”
Constrangida, a vítima disse que precisava ir embora, mas o dentista a agarrou e passou a estuprar a vítima. A mulher tentou se desvencilhar, dizendo que queria ir embora e passou a gritar que queria sair. O dentista puxou a vítima novamente, ato que fez um rasgo em sua calça, e afirmou que ninguém a escutaria, pois não havia mais ninguém no local.
Em pânico, a influenciadora não conseguiu mais resistir, e o autor consumou o ato sexual. Após concluir o crime, o autor voltou a conversar com a vítima sobre os procedimentos estéticos que faria, como se nada tivesse acontecido.
Ainda em choque, a mulher foi embora e se encontrou com seu ex-marido e com sua filha, os quais a aguardavam passeando no shopping onde o autor atende. No caminho para casa, a vítima contou para o ex-marido o que tinha acontecido. Em seguida, o casal foi até uma delegacia e registrou a ocorrência policial.
O laudo de confronto de material genético realizado pelo Instituto de Pesquisa e DNA Forense da Polícia Civil do Distrito Federal (IPDNA/PCDF) atestou que o material biológico coletado na vítima de estupro possuía DNA idêntico ao do dentista. Um outro laudo elaborado pelo IML já havia confirmado que a mulher apresentava lesão corporal compatível com abuso sexual.
Em setembro de 2023, Najjar foi alvo de mandado de prisão temporária. Ele permaneceu preso por 16 dias e, posteriormente, foi posto em liberdade. A defesa dele refutou a prática de qualquer crime.
O juiz Omar Dantas Lima do TJDFT entendeu que a autoria do crime ficou comprovada através de depoimentos e documentos. O magistrado apontou que a aflição da mulher após o abuso sexual foi captada por uma câmera de segurança do lado de fora da clínica.
Depois que a primeira vítima denunciou, outras sete procuraram a polícia. Quatro delas acionaram a PCDF de forma anônima.
Resposta do CRO-DF
Por meio de nota, o CRO-DF informou que, até o momento, não foi formalmente provocado pela vítima, pelo Ministério Público ou por autoridade judicial, nem recebeu qualquer determinação para suspensão ou cancelamento do registro do profissional mencionado.
“Diante disso, e considerando que os fatos estão sendo apurados pelo Poder Judiciário, em processo criminal que tramita sob sigilo, o CRO-DF aguarda a conclusão dessa ação para, com base nos elementos apurados e na decisão definitiva, adotar as medidas cabíveis no âmbito ético-disciplinar”, esclareceu.
“Informa-se, ainda, que, nos termos da Lei e do Código de Processo Ético Odontológico, eventual procedimento tramitará sob sigilo até decisão final administrativa”, pontuou a autarquia.