Adultos descompensados

O pai entrou esbaforido no quarto, cara de feliz, papéis nas mãos:

– Vamos para a Bahia! Aqui estão as passagens.

Era fevereiro, férias da escola, anos 1980. E lá fomos nós – pai, mãe e eu – trio do sul, conhecer um pouquinho do nordeste brasileiro.

Acarajé, jenipapo, água de coco e suco de caju. Lagoa do Abaeté, Igreja Nosso Senhor do Bonfim, Elevador Lacerda e Casa Jorge Amado. No Mercado Modelo, depois de três doses de Capeta, o pai declamou trechos do poema Navio Negreiro, errando todos os versos. Na saída, elogiou e cumprimentou um turista egípcio, achando que fosse Dorival Caymmi.

No Pelourinho, em um cortejo carnavalesco, conhecemos os Filhos de Gandhy, com suas vestes e turbantes brancos, colares de miçangas, tocando instrumentos de madeira, de onde saía uma música bonita e contagiante.

– Viajar é uma grande escola – disse o pai. – Cedo ou tarde, vais usar estes aprendizados na tua vida.

Foi cedo, numa questão da prova de História que valia três pontos: “Qual o maior legado deixado por Mahatma Gandhi?” Envaidecido de cultura, enchi o peito e escrevi: “O maior legado de Gandhi foi a família amorosa e alegre que ele constituiu na Bahia. Eu conheci pessoalmente os filhos dele no verão passado. Todos tocam instrumentos, cantam e dançam. Pensa numa família simpática. Se os filhos homenageiam o pai todos os anos, com tanta alegria, é porque Gandhi foi uma pessoa maravilhosa, um ótimo pai. Ele cumpriu o seu papel na Terra e merece toda a nossa admiração.”

Minha resposta irritou o professor, convencido de que era deboche. Na esperança de apoio, levei a prova, com a bronca registrada, para o pai. Ele riu tanto, mas tanto, que até chorou. Fiquei indignadíssimo.

– Não tô entendendo esse excesso de riso.

Aí ele riu mais ainda.

– Não é excesso, menino, é acesso.

– Claro que não! Quando a pessoa faz algo de forma exagerada é excesso.

– Sim, sim, tens razão – ele disse – Gandhi teve um excesso de filhos.

Naquele dia, percebi que todos os adultos ao meu redor eram, sem exceção, descompensados, em especial os que não entendem o legado de Gandhi e os que não controlam seus excessos de riso.

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