Por Neirevane Nunes (Bióloga, doutoranda do SOTEPP/UNIMA)
A recente divulgação de um estudo realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), que aponta a Bacia Sedimentar de Alagoas como a nova fronteira mineral do país, acende um alerta para todos nós. Sob o discurso da transição energética, da inovação tecnológica e da diversificação econômica, abre-se caminho para o avanço da mineração em territórios ambientalmente sensíveis, envolvendo regiões de restinga e manguezais, que já são pressionados pela especulação imobiliária, pela expansão urbana desordenada e pela ausência de políticas públicas de ordenamento do território. O problema é que esse avanço ocorre sem que o estado possua o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), que é um instrumento fundamental para garantir que qualquer atividade econômica, especialmente de alto impacto, como a mineração, aconteça de forma planejada, considerando os limites ecológicos, as fragilidades ambientais e as necessidades das populações. Sem esse planejamento, a expansão da mineração representa uma ameaça direta.
A área da Bacia Sedimentar de Alagoas envolve um conjunto de mais de 20 municípios: Maceió, Rio Largo, Satuba, Santa Luzia do Norte, Coqueiro Seco, Pilar, Marechal Deodoro, Barra de São Miguel, São Miguel dos Campos, Roteiro, Jequiá da Praia, Coruripe, Feliz Deserto, Piaçabuçu, Penedo, Igreja Nova e parte de outros municípios da região litorânea e da região do Baixo São Francisco. Desses, destes apenas oito possuem Plano Diretor. A maioria dos municípios, especialmente aqueles inseridos na faixa costeira, onde estão os ecossistemas mais sensíveis, como a APA Costa dos Corais, simplesmente não possui qualquer instrumento de planejamento urbano e ambiental vigente. A APA Costa dos Corais é considerada a maior unidade de conservação marinha do Brasil, além de manguezais, estuários, restingas e reservas de biodiversidade que são fundamentais para o equilíbrio do clima e para a economia local.
Some-se a isso a já enorme pressão da especulação imobiliária no litoral norte e sul do estado, que há décadas compromete a qualidade de vida das populações tradicionais e degrada os ecossistemas costeiros. Diante desse cenário, cabe o questionamento: como permitir a expansão da mineração em uma região sem qualquer planejamento territorial efetivo?
É preciso romper com o mito de que a atividade minerária representa desenvolvimento. A história da mineração em Alagoas, no Brasil e no mundo, mostra que os grandes lucros ficam concentrados nas mãos das grandes corporações e de seus acionistas, enquanto para a população local ficam os danos ambientais e sociais. Basta olhar para os municípios minerados, como Craíbas e Maceió, onde a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) não se reflete em melhoria da qualidade de vida, nem na elevação dos índices de desenvolvimento social. Não há melhorias reais na saúde, na educação, na habitação, no saneamento básico ou na geração de emprego. Ao contrário, o que se observa é que os territórios ficam mais vulneráveis e dependentes da mineração. Pior ainda, a população sequer tem acesso à transparência sobre como os gestores municipais estão aplicando os recursos oriundos da CFEM. O dinheiro entra e a população ermanece sem saber onde, como e com que critérios esses recursos são gastos.
Por isso, é urgente que o Governo do Estado de Alagoas priorize imediatamente a elaboração, aprovação e implementação do Zoneamento Ecológico-Econômico, com ampla participação da sociedade civil, das comunidades diretamente afetadas, dos especialistas, das universidades públicas e dos órgãos de controle. A história recente de Alagoas já carrega marcas profundas das consequências da mineração sem planejamento, a exemplo do crime da Braskem em Maceió. É inaceitável que esse modelo de destruição e sofrimento seja replicado agora sob o pretexto da exploração de minerais estratégicos.
Não é possível naturalizar esse processo sem discutir seus riscos e sem exigir planejamento. O desenvolvimento econômico não pode mais acontecer como no passado, a qualquer custo, ignorando os limites dos ecossistemas e violando os direitos das populações. Este debate, inclusive, não é novo. Em 2008, as pesquisadoras e Professoras da UFAL, Dra Mônica Dorigo Correia e Dra Hilda Helena Sovierzoski, na Revista de Gestão Costeira Integrada, já defendiam que qualquer proposta de desenvolvimento para Alagoas, especialmente na zona costeira, deveria estar ancorada em um modelo de gestão territorial que articulasse conhecimento técnico, participação social e respeito aos limites ecológicos. Naquele momento, as pesquisadoras já alertavam para a necessidade urgente da elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do estado, como instrumento capaz de orientar o uso sustentável dos territórios e garantir que os interesses econômicos não se sobrepusessem aos direitos sociais, culturais e ambientais.
O problema é que, passados mais de quinze anos, o cenário permanece praticamente o mesmo ou pior. Alagoas segue sem ZEE, e agora vê surgir uma nova ameaça: a possibilidade de uma expansão acelerada da mineração sobre territórios completamente desprotegidos.
O Zoneamento Ecológico-Econômico é uma obrigação legal, e é uma demanda da sociedade. Ele é o instrumento capaz de orientar onde e como as atividades econômicas podem ser desenvolvidas, respeitando os limites dos ecossistemas, a proteção dos bens comuns e os direitos da população. O governo de Alagoas tem uma responsabilidade histórica. Não é mais possível adiar. O estado precisa, urgentemente, elaborar e implementar seu ZEE, de forma pública, transparente e democrática, com ampla participação das universidades, dos órgãos ambientais, das comunidades tradicionais, dos movimentos sociais e de toda a sociedade civil. Sem ZEE, qualquer discurso de desenvolvimento sustentável é uma farsa. Sem ZEE, o que teremos será: mais degradação, mais violação de direitos e mais tragédias. O desenvolvimento que queremos para Alagoas precisa ser pensado a partir dos territórios, das pessoas e dos ecossistemas e não apenas dos interesses econômicos de grandes empreendimentos, sejam eles da mineração, da especulação imobiliária ou do turismo predatório.