As mulheres são maioria no Brasil, mas ocupam apenas 18% das cadeiras na Câmara e 19% no Senado. Agora, o novo Código Eleitoral (PLP 112/2021), que está em votação no Senado, com expectativas de que seja aprovado ainda este ano, ameaça reduzir ainda mais o espaço para mulheres na política. Uma das propostas do novo código é flexibilizar a cota obrigatória para as candidaturas femininas, de 30% para 20%.
Para analisar esse retrocesso contra a participação das mulheres na política, no Pauta Pública desta semana, Andrea Dip conversa com a jornalista e cientista política Helena Salvador, coordenadora de mobilização e campanhas do Pacto pela Democracia. Ela lembra o longo caminho até a conquista da cota de 30% e critica a proposta em discussão: “O que temos hoje é a retirada de um direito adquirido desde 1995, em nome do interesse dos partidos que alegam dificuldade em preencher vagas femininas. Isso é um retrocesso e um risco para a democracia brasileira”.
Salvador também destaca que essa mudança não pode ser naturalizada e que a retirada da baixa porcentagem que existe hoje é “por si só, uma violência política contra as mulheres”.
Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.
EP 181
A ameaça silenciosa à participação das mulheres na política
15 de agosto de 2025
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Coordenadora de mobilização e campanhas do Pacto pela Democracia expõe os riscos do novo Código Eleitoral
Helena, de modo geral, a política das cotas de fato garantiu avanços para mulheres na política ou foi mais simbólica?
Essa é uma questão delicada de se olhar para o Brasil, até porque os especialistas que estudam esse tema colocam uma questão importante: que o Brasil não tem um cenário favorável para que as cotas políticas de gênero operem na sua plenitude. Isso porque a gente tem um sistema de listas abertas, o nosso sistema político apresenta alguns entraves para que esses mecanismos funcionem realmente.
Apesar disso, não é possível afirmar que as cotas não tiveram impacto. No Senado, por exemplo, saltamos de 6% de mulheres em 1995 para quase 20% hoje. Não foi apenas o desenvolvimento da nossa democracia ou o desenvolvimento do nosso país, enfim, os tempos modernos que trouxeram esse aumento, houve sim uma funcionalidade. O mecanismo foi exitoso na sua possibilidade, ele tem entraves e obstáculos para operar do próprio sistema político.
E é muito interessante ver as discussões que estão sendo feitas agora na Comissão de Constituição e Justiça do Senado entre as senadoras e os senadores reconhecendo que só estão onde estão por causa dos mecanismos de reserva de candidaturas nos partidos, que não teria outra forma delas terem acesso tanto à entrada no partido, que por si só já é muito difícil, quanto aos recursos. Então, quem usufruiu dessas cotas políticas de gênero, reconhece que elas, independente dos partidos, reconhecem a validade e a importância delas para a pouca representatividade que temos hoje.
E quem está pedindo a mudança no Código Eleitoral? O que isso traria em termos de retrocesso político e riscos à democracia?
Essa pauta tem avançado de forma silenciosa, quase nos bastidores. Enquanto outras discussões mais visíveis ganham espaço no Congresso, a reforma do Código Eleitoral vem sendo articulada sem grandes debates públicos. O Congresso parou diversas vezes ao longo desse ano e outras pautas mais importantes se sobrepõem a essa.
É importante lembrar que a última grande reforma do Código aconteceu nos anos 1960. Desde então, tivemos apenas minirreformas. E agora, essas alterações vêm sendo costuradas nos bastidores, com o interesse em que se passe especificamente essa questão de ser retirada os 30% de reservas de candidaturas dos partidos, é um interesse partidário. Em 2024, quando aprovaram a chamada PEC da Anistia, alguns partidos conseguiram driblar as questões de cotas obrigatórias de gênero e aprovando uma anistia para os próprios partidos políticos, e agora arriscam tentar tirar também um direito adquirido.
Desde 1995, as mudanças foram sempre no sentido de ampliar direitos: primeiro 20% de candidaturas, depois 30%, depois a garantia de recursos proporcionais e tempo de propaganda. De repente, estamos diante de uma proposta que subtrai direitos. O argumento dos partidos é que seria difícil preencher 30% das candidaturas com mulheres. Mas as senadoras têm respondido: a dificuldade está em entrar nos partidos. Se houvesse mais abertura, preencher as vagas não seria problema.
Hoje, o texto que chegou da Câmara ao Senado elimina a cota de 30%. O relator, senador Marcelo Castro, propôs incluir no lugar uma reserva de 20% das cadeiras nos parlamentos para mulheres. Mas isso representa um falso ganho. Primeiro, porque ainda não está aprovado. O que temos, de fato, é a retirada do direito já garantido. Segundo, porque reservar apenas 20% das cadeiras é, na prática, reservar 80% para os homens. Além disso, o texto prevê rever esse índice apenas daqui a 20 anos, sem perspectiva de avanço até a paridade.
A expressão “até a paridade” poderia mudar completamente o sentido da proposta. Se fosse incorporada, essa reserva poderia significar um avanço real, especialmente em um país em que milhares de câmaras municipais não têm nenhuma mulher eleita. Mas, da forma como está, consolida um teto baixo e mantém o retrocesso.
Outro problema é a falta de mecanismos legais para garantir que essa reserva de cadeiras seja aplicada sem questionamentos sobre votos e representatividade. Isso reforça a necessidade de um debate mais amplo com a sociedade e com os partidos.
Existe também uma grave questão de violência política de gênero no Brasil. Isso entra nessas discussões?
Sim e temos uma notícia otimista. O texto em tramitação no Senado traz um avanço ao tratar da violência política de gênero. Especialistas, especialmente do Observatório de Violência Política contra a Mulher, enxergam que o novo código eleitoral tem um parágrafo bem escrito e que avança na questão da violência política contra a mulher. Coloca algumas questões que antes não eram colocadas, como a violência simbólica contra a mulher no âmbito da política e também coloca atenção à palavra da vítima, isso era algo que antes não estava disposto na lei 14.192, que é a lei de violência política de gênero no Brasil, que completou quatro anos, no dia 4 de agosto.
Então, há um avanço nesse sentido também por muita pressão e por um trabalho em conjunto das parlamentares com especialistas da sociedade civil, do Ministério Público, que acompanham esse tema muito de perto. Ainda há, em termos de violência política contra as mulheres negras, uma falta de uma redação que qualifique esse crime. E era possível que isso fosse colocado no novo código, mas não houve uma disposição do relator para que se acrescentasse isso, essa qualificação do crime quando cometido contra mulheres negras.
Porém, o que a gente tem que considerar é que a própria retirada de direitos, a retirada do direito de 30% da reserva de candidaturas é uma violência política contra a mulher. Temos um parágrafo que realmente trabalha melhor essa questão que foi construída a duras penas pelas especialistas, mas o tamanho e o retrocesso que acompanha esse texto por si só é uma violência política contra a mulher que está acontecendo, já que a própria definição da violência política contra a mulher é colocar-se obstáculos aos direitos das mulheres.
E é isso que está acontecendo nesse texto em tramitação, que está sendo pouco falado, que tem a perspectiva de que o projeto seja votado de forma acelerada, sem debate público, consolidando a perda de direitos. Precisamos garantir que cada reforma do Código Eleitoral sirva para ampliar direitos, e não para reduzi-los, como está acontecendo neste momento.