Contra “racismo estrutural” na mídia e mirando COP30, quilombolas e indígenas lançam rádio

“As mídias tradicionais continuam operando com quadros marcadamente homogêneos, muitas vezes tratando a diversidade como uma concessão, num gesto simbólico que beira o racismo estrutural. A nossa rádio nasce negra, quilombola, indígena”, resumiu a coordenadora da Rádio Nacional dos Povos (RNP) Letícia Leite, lançada na sexta-feira (1º) para discutir justiça climática, saberes ancestrais e cobertura popular. A RNP tem transmissão às sextas, das 14h às 17h, no site radionacionaldospovos.com.br e aplicativo.

A iniciativa se apresenta na esteira da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em novembro, em Belém. “A COP30 é uma oportunidade não apenas de sermos ouvidos, mas de colocarmos os povos originários e as comunidades tradicionais no centro da conversa sobre o futuro do planeta. […] Nosso objetivo é ocupar esses espaços [midiáticos] com uma narrativa coletiva, viva, e feita por quem está na linha de frente da defesa dos territórios”, complementou Leite.

A RNP reúne comunicadores de diferentes regiões do Brasil e será operada a partir do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB). “É a primeira vez que a gente une o movimento social com a iniciativa da academia, com o programa de mestrado de sustentabilidade, que foi feito por nós, que é feito pra nós”, afirma a jornalista quilombola de Bom Jesus da Lapa (BA) Nathalia Purificação, uma das apresentadoras da iniciativa. 

“[A rádio nasce de] uma agonia, de saber que o nosso povo, quem a gente convive, não conseguia ter acesso a informação da forma que temos por ocuparmos posições importantes dentro dos movimentos sociais”, completa Purificação.

Para um dos articuladores da RNP Valber da Gama, a força da Rádio Nacional dos Povos está na autenticidade. “Não é alguém falando sobre nós. Somos nós falando por nós”, diz Gama, que é afro-indígena de Jacobina (BA), e completa: “Eu enxergo essa rádio como uma maneira de praticar e aplicar a sustentabilidade, que é sustentar os antigos saberes”.

Também apresentador e indígena da Terra Indígena Coroa Vermelha (BA), Tukumã Pataxó vê na iniciativa a possibilidade de conectar gerações, já que podcast, mídia recente, seria distante da realidade das lideranças mais velhas. “A grande maioria dos territórios que estão mais distantes da cidade ainda escutam a rádio para que os parentes consigam ter as notícias da cidade. […] Posso falar de esporte, de ataque ao território ou de um evento na aldeia. É uma conversa aberta com quem tá na linha de frente”, diz o diretor de comunicação da Associação de Jovens Indígenas Pataxó. 

Outra proposta do projeto é desmistificar preconceitos sobre as vivências indígenas. O quadro “Tibira” homenageia o indígena Tupinambá assassinado em 1616 e reconhecido como a primeira vítima de homofobia registrada no Brasil. Nele, o jornalista Fulni-ô da Terra Indígena Apucaraninha (PR) Yago Kaingang trata das próprias experiências. “Sou LGBT e sou indígena. Eu vivi essa realidade de como é ser LGBT dentro do território, movimento e da sociedade não indígena. A gente precisa dessa visibilidade para a nossa causa”, afirmou.

A RNP é fruto de uma parceria entre a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

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