Jair Messias Bolsonaro foi condenado por todos os crimes da trama golpista nesta quinta-feira, 11 de setembro de 2025, segundo decisão da maioria dos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O voto que formou a maioria foi de Cármen Lúcia, a única mulher da turma composta por cinco membros. O placar pela condenação de Bolsonaro e de todos os 7 réus da trama golpista, chamado de núcleo 1 ou crucial, está em 3 x 1.
No início do seu voto, Cármen fez declarações como: “Nessa ação penal pulsa o Brasil que me dói”; “O 8 de janeiro não foi um acontecimento banal”; “Somente com democracia o país vale a pena”; “Arou-se um terreno social e político para semear o grão maligno da antidemocracia.” Além dela, que afirmou existir “prova cabal” de que Bolsonaro liderou a trama golpista, já haviam votado pela condenação de Bolsonaro por todos os crimes imputados os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que durante o voto da ministra fizeram apartes com exibição de vídeos dos atos golpistas e invasão à sede dos Três Poderes.
Ontem, Luiz Fux foi o voto mais longo — mais de onze horas — e, até o momento, o único divergente entre os demais, absolvendo o ex-presidente de todos os crimes. A definição da pena (a dosimetria) ainda será definida após o voto total de Cármem Lúcia e o voto final de Cristiano Zanin, presidente da turma. As condenações e absolvições também abarcam os demais réus do núcleo 1 da trama golpista, chamado de crucial.
Mas para entender como chegamos até aqui, é preciso voltar no tempo. Em 2021, a condenação que agora se confirma foi refutada pelo ex-presidente Bolsonaro com uma certeza quase inabalável durante um evento em Goiânia com lideranças evangélicas. À época, Bolsonaro ergueu a voz para anunciar visões de seu futuro: “Estar preso, estar morto, ou a vitória”. Com uma convicção quase palpável, Bolsonaro descartou a primeira opção. “Pode ter certeza de que a primeira alternativa não existe.” E então, como um ato de desafio ao destino, declarou: “Deus me colocou aqui, e somente Deus me tira daqui.”
Agora, esse mesmo destino ignorou as certezas retóricas do ex-capitão do exército e sua profecia se materializa de maneira irônica, com a condenação se afirmando como mais um capítulo fundamental da história brasileira recente.
A carreira política de Bolsonaro começou efetivamente em 1988, quando conseguiu uma vaga na Câmara do Rio. Depois, vieram sete mandatos consecutivos como deputado federal.
Em 2014, ele foi o mais votado no Rio de Janeiro na disputa pela Câmara Federal, com mais de 460 mil votos. Em seus mandatos parlamentares, era tratado como um personagem do baixo clero, sem grande expressão — e baseou sua atividade parlamentar na defesa dos direitos dos militares ativos, inativos e pensionistas.
Ao longo de sua carreira política, defendeu a redução da maioridade penal, o direito à legítima defesa e a posse de arma de fogo para cidadãos sem antecedentes criminais. Também atuou em favor de medidas para garantir a segurança jurídica das ações policiais. Árduo defensor da ditadura militar (1964-1985), exaltou ao longo da carreira torturadores como Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel que chefiou o DOI-Codi de São Paulo durante o período de exceção.
Ao votar a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, no plenário da Câmara em 2016, Bolsonaro disse que votava pela memória do coronel, que afirmou ser “o terror de Dilma”. A fala teve enorme repercussão negativa. O deputado foi denunciado ao Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade.
Além disso, Bolsonaro idealizou propostas para tornar obrigatório o voto impresso no Brasil, uma falsa medida que, segundo ele, tornaria a realização de eleições mais confiáveis e passíveis de auditagem. Ao destacar a sua defesa conservadora de valores cristãos e da família, fez diversas declarações misóginas, preconceituosas e homofóbicas.
Nascido em Campinas (SP), em 21 de março de 1955, Jair Bolsonaro é descendente de imigrantes italianos, que chegaram ao Brasil depois da Segunda Guerra Mundial. Filho de Percy Geraldo Bolsonaro e de Olinda Bonturi Bolsonaro, Jair é atualmente casado com Michelle. Ele é pai de cinco filhos. Flávio, Carlos e Eduardo, que foram, respectivamente, eleitos como senador pelo estado do Rio de Janeiro, vereador do município do Rio de Janeiro e deputado federal pelo estado de São Paulo. É pai também de Renan e Laura.
Quando Bolsonaro venceu a eleição presidencial de 2018, valeu-se de uma plataforma conservadora de extrema-direita, flertes com o fundamentalismo religioso, discursos contra o status quo político e uma facada que quase o matou. Sua presidência ficou marcada por controvérsias, retrocessos e uma pandemia — que ele tratou com postura negacionista, distribuindo remédios ineficazes contra a doença, incentivando aglomerações, atuando contra a compra de vacinas e espalhando informações falsas sobre a Covid-19 com campanhas de desobediência a medidas de proteção, como o uso de máscaras.
Por fim, ao perder a reeleição em 2022, tramou um golpe de estado envolvendo civis e militares da ativa e da reserva, culminando no fatídico ataque golpista do 8 de janeiro, quando uma série de vandalismos, invasões e depredações do patrimônio público em Brasília foram cometidos por uma multidão de bolsonaristas extremistas.
A seguir, a Agência Pública faz uma retrospectiva dos fatos e imagens que descortinam de 2018 em diante o caminho político que levou à condenação o quarto ex-presidente do Brasil desde a redemocratização.
Deputado federal pelo Rio de Janeiro desde 1991, Jair Bolsonaro era cotado como pré-candidato ao cargo mais alto da República desde 2016. Em 22 de julho de 2018, sua candidatura foi oficializada em convenção nacional do Partido Social Liberal (PSL). Também militar, Hamilton Mourão, do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) compôs a vice na chapa, em uma coligação batizada de Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos. O apelo popular foi grande, sobretudo junto aos setores mais conservadores. A candidatura de Bolsonaro foi a primeira da história a conseguir arrecadar mais de R$ 1 milhão em doações, por meio de financiamento coletivo — em dois meses, foram angariados cerca de R$ 17 mil por dia.
Convenção do Partido Social Liberal (PSL), no Rio de Janeiro, que oficializou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República
A facada em Jair Bolsonaro
Se no palanque seu discurso era agressivo contra petistas, defensores dos direitos humanos e todos os que o assombravam como “fantasmas do comunismo”, proporcionalmente eram grandes suas preocupações com segurança. Quando a campanha foi iniciada oficialmente, em 23 de agosto, ele passou a circular sob proteção policial e usando colete à prova de balas. Para o partido de Bolsonaro, a percepção era de risco constante, conforme declarou na época o então presidente do PSL, Gustavo Bebianno (1964-2020). No dia 6 de setembro, em evento de campanha ocorrido em Juiz de Fora, Minas Gerais, o candidato foi vítima de um ataque a faca. Acertado no abdômen, Bolsonaro passou por uma cirurgia no mesmo dia. Um homem chamado Adélio Bispo de Oliveira foi identificado como o autor do crime. Ele declarou que agiu “a mando de Deus” e, depois de preso, investigado e julgado, Adélio foi considerado inimputável — a pena foi substituída por internação por tempo indeterminado.
Em Juíz de Fora, Minas Gerais, Bolsonaro sofreu um atentado em 6 de setembro de 2018 e foi operado às pressas
#EleNão
Com adesão principalmente de mulheres contrárias às propostas do candidato Bolsonaro, o movimento #EleNão cresceu nas redes sociais na reta final da campanha e ganhou as ruas no dia 29 de setembro. Bolsonaro liderava as pesquisas de opinião e, em recuperação do atentado, deixou de participar de debates eleitorais e outros eventos de campanha que o deixassem em situação de confronto de ideias. De seu lado, movimentos conservadores como Brasil Livre e Vem Pra Rua também organizaram atos pelo país, com manifestações principalmente contra o PT, principal adversário eleitoral de Bolsonaro, com a chapa encabeçada por Fernando Haddad.
O movimento #EleNão: manifestação de mulheres contra Bolsonaro no Largo da Batata, região oeste de São Paulo, em 2018
Nas urnas eletrônicas
Nas eleições de 2018, as emissoras de TV cancelaram os debates planejados para o 2º turno, já que a candidatura de Bolsonaro, ainda em virtude de sua recuperação após o atentado sofrido, declinou da participação desses eventos.
No dia 28 de outubro, as urnas eletrônicas (que foram questionadas por Bolsonaro) sacramentaram sua vitória: Jair Messias Bolsonaro se tornou o 38º presidente da República do Brasil, quebrando um ciclo de quatro vitórias consecutivas do PT. Bolsonaro obteve a maioria dos votos em 15 estados e no Distrito Federal e se tornou o décimo militar a ocupar a presidência do país, o primeiro após a ditadura militar.
Jair Bolsonaro durante votação na Escola na Municipal Rosa da Fonseca, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, em 2018: ele venceria as eleições
Jair Bolsonaro: Transição e posse
O fim do ano de 2018 foi marcado pelos anúncios de nomes que integrariam o governo Bolsonaro. Conhecido nacionalmente pela Operação Lava Jato, que levaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão — em processo posteriormente anulado na justiça —, o juiz Sergio Moro aceitou abandonar a magistratura para se tornar ministro da Justiça e da Segurança Pública. Outros anunciados nesse período foram o economista Paulo Guedes, ministro da Economia, e o astronauta Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia. O general da reserva Augusto Heleno havia sido aventado inicialmente para o Ministério da Defesa — mas acabaria chefiando o Gabinete de Segurança Institucional. O alto escalão do governo foi montado com absoluta predominância masculina e um número de militares maior do que no período da ditadura: levantamento de 2020 mostrou que eram 6157 oficiais ocupando cargos comissionados civis. Bolsonaro tomaria posse em 1º de janeiro de 2019 na cerimônia que contou com maior aparato de segurança da história: mais de 2,5 mil policiais militares e 6 mil agentes.
Jair Bolsonaro: 2019
Estrutura do governo Jair Bolsonaro
A Medida Provisória 870, editada em 1º de janeiro de 2019, reestruturou a administração federal no início do governo Jair Bolsonaro. Reduziu de 29 para 22 o número de ministérios, extinguindo pastas como Trabalho, Cultura e Esporte. Transferiu a demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura e atribuiu ao Ministério da Justiça a coordenação da política indigenista, mudanças que geraram forte reação de organizações sociais e indígenas. Também criou a Secretaria de Governo com novas atribuições e reorganizou órgãos de fiscalização ambiental e de políticas de direitos humanos. A MP simbolizou a agenda de enxugamento da máquina pública e de alinhamento com setores do agronegócio, tornando-se um dos primeiros embates políticos do novo governo no Congresso.
Foto oficial do então presidente Jair Bolsonaro e sua equipe de ministros, formada por maioria de homens brancos, muitos deles militares
Laranjas
Em fevereiro de 2019, o governo Jair Bolsonaro enfrentou sua primeira grande crise política envolvendo o PSL, partido pelo qual o presidente havia sido eleito. A crise teve origem nas denúncias de uso de candidaturas laranjas para desviar recursos do fundo eleitoral, prática investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. O então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, ex-presidente do PSL e figura-chave na campanha de Bolsonaro, foi acusado de ter conhecimento do esquema e de não ter tomado providências. O caso ganhou contornos ainda mais tensos quando Carlos Bolsonaro, filho do presidente e vereador no Rio de Janeiro, passou a atacá-lo publicamente nas redes sociais, chamando-o de mentiroso. O embate expôs fissuras internas no governo e no partido, levando à demissão de Bebianno em 18 de fevereiro. O episódio marcou o início de uma série de rachas políticos no PSL e mostrou que as disputas de bastidores teriam forte impacto na base governista ao longo do mandato. Bebianno morreu em 2020, aos 56 anos, após sofrer infarto.
Cortes na educação
Em 2019, o Ministério da Educação anunciou o contingenciamento de até 30% das verbas destinadas às universidades e institutos federais, justificando a medida como um ajuste fiscal. A decisão gerou forte reação social e mobilizou estudantes, professores e trabalhadores da educação em todo o país. Em maio, ocorreram manifestações massivas em diversas capitais e cidades do interior, no que ficou conhecido como “tsunami da educação”, um dos maiores protestos do primeiro ano do governo Bolsonaro. As ruas foram tomadas por cartazes e palavras de ordem contra os cortes, defendendo a educação pública e gratuita. O movimento ganhou apoio de diferentes setores da sociedade e pressionou o governo, que passou a recuar em parte do bloqueio. Em outubro, o MEC anunciou o desbloqueio dos recursos contingenciados, alegando melhora na arrecadação. O episódio consolidou a pauta da educação como um dos principais focos de resistência política ao governo e revelou a capacidade de articulação do movimento estudantil.
Amazônia
No segundo semestre de 2019, a Amazônia registrou um aumento expressivo nas queimadas, provocando crise ambiental e intensa repercussão internacional. Dados do Inpe apontaram índices recordes de focos de incêndio, o que levou o presidente Jair Bolsonaro a questionar publicamente as informações e acusar o então diretor do instituto, Ricardo Galvão, de agir de forma “mentirosa”. Galvão reagiu, defendendo a autonomia científica, e acabou demitido em agosto. A crise gerou críticas de líderes estrangeiros e pressão de ONGs ambientais. Em meio à repercussão, Bolsonaro insinuou, sem apresentar provas, que organizações não governamentais estariam por trás dos incêndios para prejudicar sua imagem, citando até o ator Leonardo DiCaprio como suposto financiador — o que foi negado pelo artista. O episódio ampliou o desgaste do governo na área ambiental e colocou o Brasil no centro do debate global sobre preservação da floresta.
Jair Bolsonaro e o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que ficou conhecido entre os criticos como “ministro motossera”
Golden shower
Em março de 2019, durante o carnaval, o presidente Jair Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter um vídeo obsceno gravado em um bloco de rua em São Paulo. As imagens mostravam dois homens realizando um ato sexual conhecido como “golden shower” — prática de urinar em outra pessoa — em meio aos foliões. Ao postar o vídeo, Bolsonaro escreveu a pergunta: “O que é golden shower?”. A publicação gerou ampla repercussão e indignação, tanto no Brasil quanto no exterior, sendo vista como inadequada para um chefe de Estado e incompatível com a liturgia do cargo. Parlamentares, entidades civis e usuários das redes criticaram o gesto, apontando exposição de conteúdo sexual explícito a um público geral, incluindo menores. A polêmica ganhou destaque na imprensa internacional e intensificou o debate sobre a postura e o uso das redes sociais pelo presidente.
Saída de Lula da prisão
Após 580 dias preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, Lula foi solto no dia 8 de novembro de 2019, um dia após o STF ter considerado a prisão em segunda instância inconstitucional. Ao deixar a sede da PF em Curitiba, Lula fez um discurso político e atacou diretamente Bolsonaro, a quem chamou de mentiroso. Por sua vez, Bolsonaro comentou na rede social Twitter – atual X – pedindo a seus aliados que cuidem para não “cometer erros” que deem munição “ao canalha, que momentaneamente está livre, mas carregado de culpa”. Eles se enfrentariam nas eleições presidenciais três anos depois.
Ato em Curitiba, Paraná, após a saída de Lula da prisão após 580 dias: ele enfrentaria Bolsonaro nas eleições seguintes
Jair Bolsonaro: 2020
Estética nazista e a namoradinha do Brasil
Em janeiro de 2020, o governo Jair Bolsonaro enfrentou sua primeira crise no setor cultural com a demissão do secretário especial de Cultura, Roberto Alvim. O episódio ocorreu após Alvim divulgar um vídeo oficial no qual usava trechos quase idênticos de um discurso do ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, além de elementos cênicos como música de Wagner, compositor associado ao regime de Hitler. A repercussão foi imediata: artistas, políticos e entidades condenaram a mensagem, acusando o governo de flertar com o nazismo. Sob forte pressão pública e internacional, Bolsonaro exonerou Alvim no dia seguinte. Para o cargo, nomeou a atriz Regina Duarte, que assumiu com a promessa de pacificar a relação com o meio cultural, mas logo enfrentou resistências internas e críticas de setores bolsonaristas. O episódio expôs tensões sobre a condução da política cultural no governo e marcou o tom de embates ideológicos que se repetiriam ao longo do mandato.
Covid-19
Em 2020, a pandemia de Covid-19 marcou profundamente o governo Jair Bolsonaro, que adotou postura contrária às orientações da OMS, minimizando a gravidade da doença. Criticou medidas de isolamento, defendendo a reabertura do comércio e uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina. Em abril, demitiu o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta por divergências na condução da crise; o sucessor, Nelson Teich, deixou o cargo menos de um mês depois, também por discordar das pressões. O general Eduardo Pazuello assumiu e militarizou a pasta, mas sua gestão foi marcada pelo apagão de dados de casos e mortes, revertido após reação do STF. Frases como “E daí? Não sou coveiro” e “Todos vamos morrer um dia” tornaram-se símbolos de seu desprezo percebido diante do avanço da pandemia.
Em maio, o Brasil se tornou o epicentro global da Covid-19, e a condução da crise levou a denúncias na Corte Penal Internacional, acusando o presidente de crimes contra a humanidade, um julgamento que Bolsonaro não enfrentou.
Moro fora
Em abril, o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, anunciou sua saída do governo Bolsonaro, alegando interferência política do presidente na Polícia Federal. O episódio teve como ápice a fatídica reunião ministerial de 22 de abril, gravada e divulgada posteriormente pelo STF, na qual Bolsonaro teria pressionado Moro a substituir dirigentes da PF para proteger aliados e familiares. A gravação revelou o tom agressivo do presidente, com uso constante de palavrões e ataques a autoridades, o que reforçou a percepção de tentativa de controle sobre órgãos de investigação. Moro afirmou que a interferência política comprometia a autonomia da PF e a credibilidade das investigações, incluindo casos envolvendo a família presidencial. A saída de Moro gerou grande repercussão, incluindo abertura de inquérito no STF, críticas de parlamentares e juristas, além de debates sobre os limites da atuação presidencial e a independência das instituições, consolidando-se como um dos principais abalos institucionais do governo em 2020.
Passando a boiada
Na mesma reunião de 22 de abril, outras falas do presidente e dos ministros no encontro tiveram enorme repercussão e inflamaram a base de apoio de Bolsonaro, gerando críticas de diversos setores da sociedade. Uma delas foi do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, que disse que, por ele, “botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. Mas a fala mais marcante daquela reunião seria do ministro Ricardo Salles, que afirmou que era preciso aproveitar a atenção gerada pela pandemia e “ir passando a boiada” de reformas de desregulamentação na área de meio ambiente. Desde então, o governo modificou centenas de normas e portarias em diversas instâncias — do Ministério do Meio Ambiente a decretos da Presidência — com efeito direto no meio ambiente.
Jair Bolsonaro e o Caso Queiroz
Em junho, Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, foi preso em Atibaia (SP) sob suspeita de envolvimento em um esquema de “rachadinha”, no qual parte dos salários de servidores do gabinete era desviada para políticos. O caso, que remonta à gestão de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, ganhou repercussão nacional e reacendeu críticas à família Bolsonaro. A investigação indicava movimentações financeiras atípicas de Queiroz, incluindo depósitos em contas de familiares, levantando suspeitas de lavagem de dinheiro e corrupção. A prisão ocorreu após determinação do Ministério Público e da Justiça do Rio, e Queiroz passou a cumprir prisão domiciliar em São Paulo por questões de saúde. O episódio impactou politicamente o governo, provocando debates sobre moralidade, nepotismo e impunidade, e consolidou a atenção da mídia e do Congresso sobre a atuação da família Bolsonaro, mantendo o caso como um dos escândalos mais sensíveis de 2020.
Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, foi preso em Atibaia (SP) na casa de Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro
Rio de Janeiro
Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro eleito em 2018, chegou a ser aliado do presidente Jair Bolsonaro, alinhando-se inicialmente às pautas da direita e apoiando propostas de segurança pública do governo federal. No entanto, em 2020, sua relação com Bolsonaro se deteriorou rapidamente. Witzel enfrentou investigação por suspeita de desvios de recursos destinados ao combate à Covid-19, incluindo contratos superfaturados e irregularidades em hospitais de campanha. Em agosto, o Superior Tribunal de Justiça determinou seu afastamento do cargo por 180 dias, e ele passou a ser alvo de processos de impeachment e de investigação criminal. O caso evidenciou a fragilidade das alianças políticas entre Bolsonaro e governadores, mesmo de aliados eleitos sob bandeiras semelhantes, e gerou ampla repercussão na mídia e entre o público, sendo considerado um dos maiores escândalos do governo federal em 2020, além de reforçar críticas sobre a gestão de recursos públicos durante a pandemia.
Jair Bolsonaro: 2021
Motociatas
Bolsonaro participou em 2021 e 2022 de mais de 30 motociatas em praticamente todos os estados do país. A primeira motociata ocorreu em Brasília, no dia 9 de maio. Outras a sucederam em quase todas as regiões do país: Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco e Paraná. Os eventos serviram como palco para os arroubos autoritários de Bolsonaro, que buscou uma demonstração de força em meio à queda de popularidade impulsionada pelo avanço da inflação e pela exposição do governo federal na CPI da Covid. Nessas ocasiões, ele reforçou, por exemplo, que não aceitaria os resultados das eleições de 2022 caso fosse derrotado e repetiu sua rotina pró-Covid, gerando aglomerações e abraçando apoiadores sem máscara.
Jair Bolsonaro durante motociata com apoiadores: mais de 30 motociatas foram realizadas em praticamente todos os estados do país
Atraso na vacinação
O governo Bolsonaro seguiu enfrentando críticas pela condução da pandemia de Covid-19. Houve atrasos na compra de vacinas, resistência à vacinação em massa e promoção de tratamentos precoces sem comprovação científica. Medidas não farmacológicas, como uso de máscaras e distanciamento social, foram desestimuladas pelo presidente, que chegou a minimizar a gravidade da doença. Especialistas e autoridades sanitárias alertaram que essas atitudes contribuíram para altas taxas de contágio e mortes. O Ministério da Saúde buscou coordenar a vacinação, mas conflitos com governadores e prefeitos marcaram a política federal. A CPI da Pandemia em 2021 investigou possíveis omissões e responsabilidades do governo, incluindo atrasos na compra de imunizantes e desorganização logística. A condução da crise sanitária tornou-se um dos principais pontos de controvérsia do governo.
Amazonas sufocado
No início de 2021, Manaus enfrentou uma grave crise sanitária devido à escassez de oxigênio nos hospitais, expondo fragilidades do sistema de saúde pública. Pacientes com Covid-19 sofreram com falta de leitos e insumos médicos, provocando mortes evitáveis. O episódio gerou repercussão nacional e internacional, apontando falhas na coordenação do governo federal com estados e municípios. A crise evidenciou problemas estruturais do SUS, como distribuição desigual de recursos e dificuldade logística em regiões remotas. Autoridades locais e nacionais foram responsabilizadas por atraso na prevenção, aquisição de insumos e planejamento estratégico. A situação levou à mobilização de forças federais para enviar oxigênio e reforçar o atendimento, mas o episódio marcou negativamente a gestão sanitária do governo Bolsonaro e alimentou investigações na CPI da Pandemia.
Valas coletivas com os mortos pela Covid-19 em Manaus, que sofreu um crise mortal por falta de oxigêncio nos hospitais
CPI da Pandemia
Após seis meses, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou à CPI da Pandemia seu relatório final, com 1.180 páginas. O documento propôs o indiciamento de 66 pessoas, incluindo Eduardo Pazuello, Marcelo Queiroga e o presidente Jair Bolsonaro, acusado de nove crimes, como prevaricação, charlatanismo e crimes contra a humanidade. Três filhos do presidente também aparecem no relatório por incitação ao crime. Renan destacou omissão e descaso do governo federal no combate à pandemia, com atraso na compra de vacinas e promoção de tratamentos sem comprovação científica. Senadores governistas defenderam que a CPI teve caráter político e questionaram o indiciamento do presidente. Demandas regionais, como a crise no Amazonas, foram apresentadas em adendos, e propostas legislativas de cidadãos foram incluídas antes da votação final em 26 de outubro.
Com 1.180 páginas, relatório recomendou o indiciamento de 66 pessoas físicas e duas pessoas jurídicas
Jair Bolsonaro e as joias sauditas
Entre 2019 e 2021, Bolsonaro recebeu três pacotes de presentes de luxo da Arábia Saudita, com relógios, aneis e colares avaliados em até R$ 16 milhões. Parte das joias foi retida em 2021 pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos por não serem declaradas, e o governo alegou que seriam destinadas ao acervo presidencial. Em 2023, investigações apontaram que Bolsonaro e aliados tentaram vender ilegalmente os itens nos Estados Unidos, resultando no indiciamento do ex-presidente e 11 pessoas por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O Tribunal de Contas da União determinou que as joias fossem devolvidas à União. O caso gerou ampla polêmica política, com críticas à condução da investigação e alegações de perseguição judicial.
Joias, relógios, esculturas e outros itens de luxo recebidos pelo ex-presidente Bolsonaro durante visita na Arábia Saudita
Jair Bolsonaro e a imprensa
Em 2021, o governo Bolsonaro manteve uma postura crítica em relação à imprensa e à liberdade de expressão. O presidente e aliados atacaram veículos de comunicação, jornalistas (principalmente mulheres) e influenciadores, alegando viés político e disseminação de notícias falsas contra o governo. Declarações públicas, postagens em redes sociais e entrevistas geraram tensões com órgãos de mídia, provocando debates sobre censura e limites do discurso presidencial. Casos de desinformação sobre a pandemia e críticas à cobertura jornalística ampliaram a polarização política. Parlamentares e entidades de defesa da liberdade de imprensa condenaram ataques e alertaram para os riscos à democracia. O tema tornou-se central em discussões sobre responsabilidade do poder executivo, ética na comunicação pública e proteção de jornalistas frente a ameaças, revelando a fragilidade do diálogo entre governo, imprensa e sociedade civil.
Cercadinho no Alvorada
Durante o governo de Bolsonaro, a hostilidade contra jornalistas aumentou significativamente. Em situações onde perguntas incômodas eram feitas, o presidente frequentemente respondia com insultos, chamando os jornalistas de “mentirosos” e “canalhas”. Além disso, seguidores do presidente também confrontavam os jornalistas, rotulando-os de manipuladores. No “Cercadinho”, próximo ao Palácio da Alvorada em Brasília, a cena se repetiu diversas vezes: jornalistas aguardavam o presidente, apenas para serem alvos de ataques verbais enquanto seus apoiadores o aplaudiam.
Bolsonaro a Moraes: “Canalha”
Em 7 de setembro de 2021, Bolsonaro incitou apoiadores contra o STF na Av. Paulista, em São Paulo. “Ou esse ministro se enquadra, ou pede para sair. […] Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos”, afirmou a apoiadores. “Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. […] Ele, para nós, não existe mais”, continuou. Após forte reação institucional, o ex-presidente posteriormente contemporizou seu discurso e disse que foi afetado “pelo calor do momento”. Ele havia dito: “Só saio preso, morto ou com a vitória. Quero dizer aos canalhas que nunca serei preso”, disse o ex-mandatário em 2021.
Jair Bolsonaro discursou para apoiadores na Avenida Paulista em 7 de setembro de 2021, elevando o tom contra o STF
2022
Bolsolão no MEC
Em março de 2022, um áudio do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, revelou que ele priorizava repasses para prefeituras cujos pedidos eram intermediados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que cobravam propinas sem ocupar cargos formais. Prefeitos confirmaram pedidos de dinheiro e até ouro em troca de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Em junho, Ribeiro e os pastores foram presos, acusados de corrupção passiva, tráfico de influência e advocacia administrativa. Investigações mostraram que os pastores influenciavam decisões no MEC e no Planalto, direcionando recursos para aliados políticos. O caso evidenciou a atuação de um “gabinete paralelo” e reforçou a percepção de corrupção e clientelismo no governo, embora não tenha havido comprovação de envolvimento direto de Bolsonaro.
Voto eletrônico
Em 18 de julho de 2022, o presidente Jair Bolsonaro convocou embaixadores estrangeiros para uma reunião no Palácio da Alvorada, fora da agenda oficial, com o objetivo de questionar a segurança das urnas eletrônicas brasileiras. Durante o encontro, Bolsonaro apresentou um PowerPoint com alegações infundadas sobre o sistema eleitoral, incluindo vídeos descontextualizados e informações já desmentidas pela Justiça Eleitoral. Ele também fez críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sugerindo que estariam alinhados com o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. A reunião foi interpretada por muitos como uma tentativa de minar a confiança nas eleições e preparar o terreno para uma possível contestação dos resultados. A Procuradoria-Geral da República (PGR) posteriormente considerou o evento como parte de um plano para permanecer no poder, independentemente do resultado das urnas. Internacionalmente, o episódio gerou preocupação sobre a estabilidade democrática no Brasil.
Durante encontro com embaixadores em julho de 2022 para falar das urnas eletrônicas: encontro se tornaria prova contra presidente
Uso eleitoral da PRF
Em outubro, durante o segundo turno das eleições, o então diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e apoiador de Bolsonaro, Silvinei Vasques, comandou operações de fiscalização do transporte público, estabelecendo blitzes nas vias e atrasando o transporte de eleitores em redutos eleitorais do PT. Posteriormente ele foi preso e é investigado por tentar interferir no resultado das urnas.
Acampamentos nos quartéis
Milhares de apoiadores de Bolsonaro começam a se posicionar na porta de quarteis entre novembro e dezembro em diversas cidades brasileiras. Aos gritos de “intervenção armada”, os manifestantes rejeitavam o resultado da eleição presidencial, que deu vitória a Luiz Inácio Lula da Silva. Caminhoneiros também passaram a bloquear rodovias federais por todo o país. Mais tarde, a investigação da PF revelou que o mês foi decisivo para os desdobramentos da operação batizada de Punhal Verde e Amarelo.
Manifestação em frente ao Quartel General do Exército em Brasília em 2022: manifestantes pediam intervenção militar e armada
Eleição: Lula x Jair Bolsonaro
Em outubro, Jair Bolsonaro se tornou o primeiro presidente a não conseguir se reeleger desde que o instrumento existe no no Brasil. Em campanha marcada por intensa polarização, Bolsonaro perdeu por uma diferença de 2,1 milhões de votos, escancarando em números um país que visivelmente estava dividido.
O pleito foi acompanhado de perto pela imprensa e organismos internacionais, em meio a questionamentos do presidente sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas e tensão política acentuada antes e depois da votação.
Pronunciamento do presidente eleito Lula após resultado das eleições, fato inédito, Lula assumiria pela terceira vez a condução do país
Punhal Verde e Amarelo
A Operação Punhal Verde e Amarelo, que viria à tona a opinião pública meses depois, revelou um plano golpista de militares ligados ao governo Bolsonaro para impedir a posse de Lula e Alckmin, eleitos em 2022. O esquema previa assassinatos de autoridades, fechamento de instituições e instalação de um gabinete paralelo de crise. Documentos indicam que o plano foi impresso no Palácio do Planalto e discutido em reuniões com oficiais e empresários. Entre os envolvidos estavam o general Mário Fernandes, ex-secretário da Presidência, e o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro de 2024, a Polícia Federal deflagrou a Operação Contragolpe, prendendo militares das Forças Especiais e um policial federal. Fernandes admitiu ter elaborado o plano, alegando que se tratava apenas de uma análise pessoal do cenário pós-eleitoral, não de uma execução prática. O episódio expôs tentativas de subversão democrática, envolvendo oficiais militares e setores ligados ao governo anterior, e reforçou a gravidade das investigações sobre ameaças à ordem constitucional no país.
No resort de Trump nos EUA
Em 30 de dezembro de 2022, dois dias antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, o então presidente Jair Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos, rompendo a tradição democrática de passagem simbólica da faixa presidencial. Bolsonaro viajou acompanhado da esposa Michelle e assessores, com destino a um resort em Palm Beach, na Flórida, de propriedade do ex-presidente Donald Trump. O presidente eleito, Lula, recebeu a faixa das mãos de lideranças políticas e sociais durante a cerimônia de posse em 1º de janeiro de 2023. Em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro justificou sua ausência alegando que não queria se submeter a vaias, referindo-se ao clima de hostilidade que acreditava que enfrentaria. Sua decisão gerou críticas e foi vista como uma afronta ao rito democrático.
2023
A tentativa de golpe
Em 8 de janeiro de 2023, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal em Brasília. O ataque, ocorrido pouco após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, teve como motivação alegações falsas de fraude eleitoral nas eleições de 2022 e foi considerado uma tentativa de intimidação das instituições democráticas. Manifestantes picharam paredes, destruíram móveis e equipamentos, e forçaram a evacuação de servidores e autoridades. A violência deixou o país em estado de alerta, provocou prisões imediatas de líderes do movimento e mobilizou forças federais e policiais para retomar a segurança. O episódio gerou repercussão internacional, sendo comparado à invasão do Capitólio nos Estados Unidos, em 2021. Autoridades condenaram a ação como ataque à democracia, destacando a necessidade de investigação completa e responsabilização dos envolvidos. O 8 de janeiro marcou um dos momentos mais graves de crise institucional da história recente do Brasil.
Bolsonaristas durante invasão do 8 de janeiro: o dia em que golpistas criminosos depredaram Planalto, Congresso e STF
3 meses nos EUA
Após deixar a presidência, Jair Bolsonaro permaneceu nos Estados Unidos por cerca de três meses, até março de 2023. Durante esse período, ele se envolveu em atividades políticas e participou de eventos voltados a públicos conservadores, reforçando sua presença internacional e buscando apoio de aliados estratégicos. Bolsonaro participou da CPAC 2023, a principal conferência conservadora dos EUA, onde discursou sobre pautas como defesa de valores tradicionais, críticas à esquerda e à política brasileira pós-eleição. Além disso, manteve reuniões com líderes políticos, empresários e grupos que compartilham sua visão ideológica, consolidando contatos e influência fora do Brasil. A estada também incluiu aparições midiáticas e entrevistas, ampliando sua visibilidade internacional. Bolsonaro retornou ao país em março de 2023, sendo recebido por apoiadores, já com foco em manter presença política ativa e preparar futuras articulações no cenário nacional, mesmo fora do cargo presidencial.
Jair Bolsonaro inelegível
Em 30 de junho de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, com base em dois episódios: a reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, e o uso da cerimônia do Bicentenário da Independência para promoção eleitoral. Por 5 votos a 2, o TSE entendeu que Bolsonaro cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, violando a legislação eleitoral. A inelegibilidade impede sua candidatura até 2030. A defesa de Bolsonaro recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas o recurso foi rejeitado. Além disso, o ex-presidente enfrenta outras acusações, incluindo tentativa de golpe de Estado, apropriação indevida de joias e fraude em certificados de vacinação. Bolsonaro nega todas as acusações e alega perseguição política.
Gabinete do Ódio
Bolsonaro foi investigado no chamado inquérito das milícias digitais, conduzido pela Polícia Federal. A investigação apurou o suposto envolvimento do ex-presidente e de aliados na criação e financiamento de grupos digitais que disseminavam desinformação e ataques contra adversários políticos, veículos de imprensa e instituições democráticas. Os investigadores levantaram indícios de que recursos públicos e privados teriam sido utilizados para custear a manutenção dessas milícias, que atuavam de forma organizada nas redes sociais, manipulando narrativas políticas e promovendo campanhas de ódio. O inquérito buscou identificar os responsáveis pela coordenação, execução e financiamento dessas operações, além de mapear a rede de apoiadores e agentes digitais. O caso reforçou o debate sobre os limites da atuação política online e levantou preocupações quanto à integridade do processo democrático, colocando Bolsonaro no centro de questionamentos legais e políticos sobre a propagação de fake news e ataques à democracia.
Última Milha
A Operação Última Milha, deflagrada em 2023, investigou o uso indevido de recursos públicos e tecnologia durante o governo Bolsonaro. A Polícia Federal apurou a utilização de sistemas de vigilância e monitoramento digital para espionagem e controle político, suspeitando que dados de cidadãos e adversários fossem coletados de forma irregular. Organizações da sociedade civil e especialistas em direitos digitais denunciaram o caso à ONU, classificando o uso das ferramentas como ameaça à privacidade e à liberdade de expressão. A operação buscou identificar agentes públicos e privados envolvidos, rastrear fluxos financeiros suspeitos e compreender a extensão do monitoramento. O episódio expôs práticas de abuso de poder e gerou debates sobre a necessidade de mecanismos legais mais rigorosos para impedir que tecnologias de controle sejam usadas para fins políticos.
PF investigou o uso indevido de recursos públicos e tecnologia com uso irregular de dados de cidadãos e adversários
2024
Jair Bolsonaro indiciado
Em novembro de 2024, a Polícia Federal indiciou Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, um dos episódios mais graves envolvendo o ex-presidente após deixar o cargo. As investigações apontaram que Bolsonaro teria articulado planos para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente em 2022, incluindo a conspiração para assassinar o próprio presidente e o ministro do STF Alexandre de Moraes. O inquérito detalhou a existência de documentos, reuniões e contatos entre militares e civis com intenção de subverter a ordem democrática, revelando o planejamento de ações violentas e a instalação de um “gabinete paralelo”. O indiciamento reforçou a gravidade das investigações sobre ameaças à democracia no Brasil, colocando Bolsonaro em conflito direto com as instituições, e gerou repercussão internacional, sendo comparado a tentativas de golpe em outros países. O caso segue sendo analisado judicialmente, com risco de novas medidas legais contra o ex-presidente.
O ex-presidente Jair Bolsonaro fala com jornalistas na sede da Polícia Federal em Brasília após ser indiciado por tentativa de golpe de estado
Cabo eleitoral
Mesmo já inelegível, entre fevereiro e outubro de 2024, Jair Bolsonaro percorreu ao menos 143 cidades brasileiras, atuando como cabo eleitoral de candidatos do Partido Liberal (PL) nas eleições municipais. Nessas viagens, ele participou de comícios, encontros políticos e eventos de campanha, fortalecendo sua base de apoio e mobilizando seguidores. Paralelamente, Bolsonaro participou de manifestações em diversas capitais, criticando decisões do STF e expressando oposição ao governo Lula, reforçando sua presença política no cenário nacional. Em suas aparições públicas, combinou discurso ideológico com mobilização popular, atraindo apoiadores e promovendo candidatos alinhados. O ex-presidente mantém influência política significativa, utilizando viagens e manifestações como estratégia para consolidar sua base, preparar futuros movimentos eleitorais e impactar diretamente o cenário político brasileiro.
Embaixada da Hungria
Em fevereiro de 2024, Jair Bolsonaro passou dois dias na Embaixada da Hungria em Brasília, após ter seu passaporte apreendido pela Polícia Federal. A estadia ocorreu entre os dias 12 e 14 de fevereiro, durante o Carnaval, e foi registrada por câmeras de segurança, cujas imagens foram divulgadas pelo jornal The New York Times. Segundo a publicação, Bolsonaro chegou à embaixada acompanhado de dois seguranças e foi recebido pelo embaixador Miklós Halmai. Durante sua permanência, ele recebeu itens como pizza e uma cafeteira, conforme imagens registradas. Por estar em território diplomático estrangeiro, Bolsonaro não poderia ser preso por autoridades brasileiras, o que gerou especulações sobre uma possível tentativa de asilo. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) não encontrou evidências de que ele tenha buscado asilo político. A situação gerou repercussão internacional e levou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil a convocar o embaixador húngaro para esclarecimentos. Bolsonaro, por sua vez, afirmou que não houve irregularidades em sua estadia e que estava em contato com autoridades estrangeiras para discutir interesses do Brasil.
Jair Bolsonaro pediria asilo ao permanecer por dois dias na Embaixada da Hungria, em Brasília
Bolsonarismo se fortalece
Nas eleições municipais de 2024, o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, consolidou-se como uma das principais forças políticas do país. O partido e seus aliados elegeram 516 prefeitos, incluindo capitais como Aracaju, Cuiabá, Maceió e Rio Branco, além de um vice-prefeito na maior cidade do país, São Paulo. Foram eleitos ainda 4.957 vereadores, um crescimento de 43,1% em relação ao pleito anterior. Além dos candidatos diretamente filiados ao PL, outras siglas abrigaram postulantes que defenderam agendas próximas às pautas bolsonaristas, ampliando a influência do grupo. O resultado evidencia que o bolsonarismo, mesmo fora da presidência, manteve forte penetração no cenário local, fortalecendo sua base de apoio e consolidando redes políticas que podem ser estratégicas para eleições futuras. A vitória do PL reflete não apenas capacidade eleitoral, mas também organização e mobilização em nível municipal, consolidando o legado político de Bolsonaro no país.
Trump lá
A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2024 teve repercussões significativas no cenário político brasileiro, especialmente entre os apoiadores do ex-presidente Bolsonaro. A volta de Trump à Casa Branca foi vista como um fortalecimento da direita populista global, inspirando movimentos semelhantes no Brasil. Bolsonaristas interpretaram o retorno de Trump como um sinal de que a oposição a instituições democráticas poderia ser bem-sucedida, alimentando a esperança de reverter a inelegibilidade de Bolsonaro. O ex-presidente brasileiro expressou apoio a Trump, destacando a importância de sua vitória para a luta pela “liberdade, soberania e autêntica democracia”. A volta do ex-presidente americano ao poder funcionou como impulso simbólico para o bolsonarismo, reforçando sua agenda e estratégias políticas.
A volta de Trump à Casa Branca foi vista como um fortalecimento da direita populista global, incluindo a extrema-direita no Brasil
2025
Jair Bolsonaro é réu
Em fevereiro de 2025, a Procuradoria-Geral da República (PGR) formalizou denúncia contra Jair Bolsonaro e 33 outros envolvidos em uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. A acusação inclui crimes como organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito. Segundo a PGR, o grupo teria planejado ações para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, incluindo a elaboração de um decreto para anular as eleições e a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A denúncia também aponta para o envolvimento de Bolsonaro em discussões sobre o uso das Forças Armadas e da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) em apoio ao plano golpista. O caso está sendo analisado pelo STF, que decidirá sobre o prosseguimento do processo.
Ex-presidente Jair Bolsonaro durante declaração à imprensa após virar réu no STF
Eduardo trama nos EUA
Filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) intensificou suas articulações nos Estados Unidos para ampliar as sanções contra autoridades brasileiras, incluindo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e familiares, com base na Lei Magnitsky. Sua missão visava pressionar o governo brasileiro em meio ao julgamento de seu pai, Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe. Em Washington, Eduardo se reuniu com parlamentares republicanos e influenciadores de direita, caso de Paulo Figueiredo, buscando apoio para essas medidas. O ex-presidente Donald Trump, por sua vez, impôs uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, alegando “censura política” e “caça às bruxas” contra Bolsonaro. Em resposta, o governo brasileiro anunciou um pacote de apoio de R$ 30 bilhões para exportadores prejudicados.
O presidente dos EUA, Donald Trump, cumprimenta o deputado federal Eduardo Bolsonaro durante visita à Casa Branca
Frente a frente com Moraes
Em junho de 2025, Jair Bolsonaro prestou depoimento presencial no Supremo Tribunal Federal (STF) como parte da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, agendou o interrogatório, que ocorreu na sala de julgamentos da Primeira Turma da Corte. Bolsonaro, um crítico contumaz de Moraes, ficou frente a frente com o ministro e foi ouvido juntamente com outros sete réus envolvidos na trama golpista. Durante o depoimento, o ex-presidente negou as acusações e alegou falta de provas concretas que comprovassem sua participação nos eventos de 2023. A defesa de Bolsonaro argumentou que as alegações da PGR eram infundadas e que não havia elementos suficientes para sustentar a denúncia.
Diante de Moraes, Bolsonaro alega que falas golpistas eram retóricas e pede desculpas por acusações sem provas ao STF
Busca e apreensão
A Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão na residência de Jair Bolsonaro em Brasília, como parte das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado. A operação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, que também determinou a prisão domiciliar do ex-presidente. Durante a ação, foram apreendidos aparelhos celulares e outros dispositivos eletrônicos, visando coletar provas adicionais sobre o envolvimento de Bolsonaro nos eventos de 2023. A medida cautelar também incluiu o uso de tornozeleira eletrônica, restrições de comunicação e proibição de acesso a redes sociais, com o objetivo de evitar novas infrações e garantir a ordem pública.
Polícia Federal faz busca e apreensão na casa do ex-presidente Bolsonaro: foram apreendidos celulares e outros dispositivos eletrônicos
Tornozeleira eletrônica
Em 18 de julho de 2025, o ex-presidente passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF. A medida foi imposta no âmbito da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado, na qual Moraes apontou indícios de crimes como coação do processo, obstrução de investigação e atentado à soberania nacional, incluindo articulações internacionais para deslegitimar instituições brasileiras. Além do monitoramento eletrônico, Bolsonaro foi obrigado a cumprir recolhimento domiciliar noturno e está proibido de usar redes sociais. A tornozeleira é uma medida cautelar, adotada antes de qualquer condenação, com o objetivo de evitar que ele interfira nas investigações em andamento ou tente fugir do país.
Na saída da Câmara dos Deputados em Brasília, Bolsonaro mostrou à imprensa a tornozeleira eletrônica que carrega na perna
Prisão domiciliar
Em agosto de 2025, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, decretou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, após constatar violações de medidas cautelares anteriormente impostas. O ex-presidente teria descumprido restrições relacionadas ao uso de redes sociais e à comunicação com autoridades estrangeiras. A decisão judicial levou em consideração o risco de fuga e a necessidade de preservar a ordem pública durante o andamento das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado.
Fachada do condomínio Solar de Brasília, onde mora e cumpre prisão domiciliar o ex-presidente Jair Bolsonaro
Novo indiciamento da PF contra Jair Bolsonaro
A Polícia Federal indiciou o ex-presidente e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que vive nos Estados Unidos, por coação (intimidação) a autoridades que atuam no processo que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado na qual o ex-presidente é réu. O indiciamento significa que, para a PF, há elementos para crer que pai e filho atuaram para pressionar autoridades envolvidas no curso do processo. Para a PF, pai e filho atuaram de forma consciente para que o Brasil fosse alvo de sanções impostas pelo governo dos Estados Unidos, como a Lei Magnitsky aplicada ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, e as tarifas de 50% impostas pelo presidente norte-americano Donald Trump.
Os núcleos e seus crimes
Ao todo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou 33 pessoas, divididas em quatro núcleos. Clique sobre a imagem para mais informações sobre cada um.
Clique sobre a imagem para mais informações sobre cada um dos 33 denunciados, cujos processos foram divididos em quatro núcleos temáticos
Núcleo 1: liderança crucial
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Núcleo 2: gerenciamento
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Núcleo 3: ações táticas
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Núcleo 4: desinformação
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Enfim, o julgamentode Jair Bolsonaro
A Primeira Turma do STF definiu o dia 2 de setembro para o início do julgamento da Ação Penal (AP) 2668. O julgamento presencial ocorreu em cinco datas: 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro, datas definidas após a apresentação das alegações finais pelas defesas. Antes disso, realizou-se a instrução processual, com produção de provas — incluindo oitiva de testemunhas de acusação e defesa, interrogatórios dos réus e a realização das diligências requeridas pelas partes e autorizadas pelo relator, ministro Alexandre de Moraes. Apesar do julgamento ainda não ter acabado, a decisão pela condenação já foi tomada por maioria de votos.
A condenação de Jair Bolsonaro
As sessões que levaram a condenação se iniciaram em 9 de setembro com a leitura do voto do ministro relator do caso, Alexandre de Moraes. Ao apresentar seu voto, Moraes trouxe sua análise dos fatos, das provas e dos argumentos, e se pronunciou pela condenação de todos réus do núcleo 1 da trama golpista. Os réus “praticaram todas as infrações penais imputadas pela Procuradoria-Geral da República”, disse Moraes, que afirmou ainda: “Jair Bolsonaro exerceu o papel de líder da organização criminosa, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação do projeto autoritário de poder”.
Durante o voto, Moraes disse que Bolsonaro foi “o líder do grupo criminoso” e que, “deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”.
Além de Moraes, a maioria se formou a partir dos votos dos ministros Flávio Dino, que seguiu o voto de Moraes no mérito, defendendo a condenação de todos os réus. Ao mesmo tempo, deu início à discussão sobre individualização das penas, o que interfere no tempo de eventuais prisões dos acusados.
Porém, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, amenizou o papel de três réus: o deputado federal e ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem (PL) e os ex-membros do Alto Comando do Exército, os generais da reserva Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, que foram ministros do executivo até o fim do governo Bolsonaro.
Já no dia 10 de setembro, o voto do ministro Luiz Fux Fux divergiu do relator e votou pela incompetência absoluta do STF para julgar o caso, o que anularia todo o processo se fosse a posição majoritária. Além disso, argumentou que o julgamento do ex-presidente deveria ser no plenário da Corte, por avaliar “incompetência absoluta da primeira turma” diante da jurisprudência da Corte em outros casos analisados pelo plenário. O seu voto, o mais longo até aqui, absolveu Bolsonaro por todos os cinco crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República.
O julgamento segue, neste 11 de setembro, com o voto de Cármem Lúcia, que votou pela condenação de Bolsonaro em todos os crimes da trama golpista, formando a maioria da turma. Ficam comprovadas pela PGR que “Jair Messias Bolsonaro praticou os crimes imputados a ele na condição de organização criminosa”, disse a ministra. “Até onde a gente tem conhecimento da história, passar recibo reconhecido em cartório não é bem o que acontece”. “Ele é o causador, ele é o líder da articulação de uma organização […] que visava a tomada do poder”, complementou a ministra.
O último voto cabe ao ministro Cristiano Zanin, presidente da turma. Segundo ele, a discussão da dosimetria das penas pode começar ainda nesta quinta-feira (11/9) em caso de condenação dos réus.
[O texto será atualizado conforme os fatos do julgamento acontecerem]