Fintech de André Valadão da igreja Lagoinha “sai do ar” e entra na mira da CPI do INSS

Desde pelo menos 21 de novembro, o site, o aplicativo e as redes sociais do Clava Forte Bank estão fora do ar. Os canais de comunicação da primeira fintech cristã do Brasil, fundada por André Valadão, líder da Lagoinha Global, e por sua esposa Cassiane Valadão, estariam “passando por manutenção programada”. A informação está disponível na página oficial da empresa em uma mensagem escrita sobre o fundo de um plácido lago cercado por árvores, nuvens e montanhas.

Para o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), integrante da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga o esquema de desvios de dinheiro dos aposentados do INSS, o motivo pode ser outro. É que o período da “manutenção programada” da fintech, afirmou o deputado na sessão do dia 18 de novembro da CPMI, coincide com um fato que abalou o mercado financeiro do país: a prisão preventiva de Daniel Vorcaro, dono do banco Master, que mantêm relações de longa data com André Valadão e com a Lagoinha (no dia 29 de novembro, o empresário foi solto pela Justiça, que determinou que ele passasse a usar tornozeleira eletrônica).

Em 2008, antes de fazer fortuna como banqueiro, Vorcaro foi apresentador de um programa voltado para a música gospel na Rede Super, a emissora televisiva da igreja de Valadão. Emissora que só foi viabilizada, segundo uma reportagem da revista piaui, pelas doações de Henrique Vorcaro, pai de Daniel. A amizade entre as famílias é tamanha, prossegue a piauí, que Henrique teria ajudado André Valadão a quitar as prestações de uma BMW que comprara antes ainda de ser elevado ao posto de líder da Lagoinha Global. Também a irmã caçula de Daniel Vorcaro, Natália Zettel, é pastora na Lagoinha Belvedere, um dos bairros mais abastados de Belo Horizonte.

Por que isso importa?

  • A CPMI do INSS investiga fraudes aos aposentados com prejuízo estimado de ao menos R$ 6 bilhões
  • A suspeita que recai sobre a fintech de André Valadão é que ela tenha sido usada como canal para “valores desviados” do INSS, segundo o deputado federal, Rogério Correia

Outro vínculo entre o líder da Lagoinha e pessoas investigadas pela CPMI chamou a atenção dos deputados: a suposta proximidade de Valadão com Felipe Macedo Gomes, ex-presidente da Amar Brasil Clube de Benefícios, uma das entidades suspeitas de roubar centenas de milhões de reais dos aposentados. Gomes é fiel da Lagoinha e teria patrocinado a festa de fim de ano da igreja no Allianz Parque em 2024, o que, em seu depoimento à CPMI, ele negou. Nesse mesmo depoimento, quando perguntado se já transferiu dinheiro para o Clava Forte, Gomes valeu-se do direito de permanecer calado.

O pastor e líder da igreja Lagoinha Global e sócio da fintech Clava Forte Bank 

Clientes não conseguem acessar valores depositados

O casal Samuel* e Sara* trabalha há anos numa das várias unidades da Igreja Batista da Lagoinha espalhadas por Minas Gerais. Nos primeiros meses de 2025, um evento na igreja reuniu pastores, funcionários e membros do setor financeiro. Foi quando conheceram o Clava Forte Bank, que lhes foi apresentada como “uma ferramenta espiritual com tecnologia de ponta, criada para destravar o propósito financeiro do Reino”. Convencidos pela proposta, resolveram abrir uma conta no banco da igreja.

No início de novembro, “por motivos pessoais”, o casal encerrou a conta. Já haviam retirado boa parte do dinheiro, mas um saldo de cerca de R$ 3 mil ainda constava em nome deles. Aí começaram os problemas: como o site e o aplicativo do banco estão fora do ar, Samuel tentou contato por WhatsApp, recebendo uma resposta automática informando que “essa central [de atendimento] será desativada”. Ele insistiu, e enfim conseguiu falar com uma funcionária, que pediu desculpas pelo inconveniente e o orientou a procurar a Dock Instituição de Pagamento.

“A gente achava que era tudo por conta do Clava Forte, mas tudo bem, procuramos a tal da Dock. O atendimento deles é horrível e até agora não conseguimos reaver o valor”, contou Samuel à Agência Pública. Só no “Reclame aqui”, site especializado em direito do consumidor, estão registradas mais de 18 mil reclamações contra a Dock, que presta serviço a diversas instituições financeiras. “Mas a gente confia em Deus que vai dar tudo certo”, conclui o fiel da Lagoinha, que pediu para não ter seu nome real divulgado, uma vez que ele e a esposa ainda trabalham na igreja.

Para o deputado federal Rogério Correia, é preciso investigar se o Clava Forte Bank “mantinha eventual atuação conjunta com o Banco Master”, servindo como “canal de circulação dos valores desviados” do INSS. Para esclarecer essas suspeitas, no dia 25 de novembro Correia pediu à CPMI a quebra do sigilo fiscal e bancário de André Valadão.

O que é o Clava Forte Bank

Fundada em março de 2024, a Fintech Clava Forte Bank era presidida até pouco tempo por André Valadão e Cassiane. Em outubro deste ano, a esposa de Valadão deixou a direção do banco e foi substituída por Eduardo Pentagna Pedras, especializado em reestruturação de empresas.

Pedras foi líder, também, de um ministério da Lagoinha que “conecta empresários e líderes ao propósito de usar os negócios como instrumento de impacto espiritual, social e econômico”. Em 2002, seu nome veio à tona por um motivo diferente: na madrugada do dia 15 de setembro, ele causou um acidente de trânsito enquanto dirigia na contramão numa rodovia de Belo Horizonte. Uma mulher morreu na batida e Pedras foi condenado por homicídio culposo. O empresário não chegou a ser preso porque, após sucessivos recursos judiciais, sua pena prescreveu em 2014.

Ao contrário do que imaginavam Samuel e Sara, nem todas as operações da instituição financeira de Valadão são “por conta do Clava Forte”. Apesar do nome, o Clava Forte Bank não é um banco e não consta na lista de instituições bancárias autorizadas pelo Banco Central (BC). A fintech da Lagoinha é, na verdade, um correspondente bancário de outras instituições – essas, sim, autorizadas pelo BC. Esse modelo de negócios é legalizado, mas convém que o correspondente seja claro sobre quais bancos estão por trás de sua estrutura.

Não é o caso do Clava Forte. Antes de sair do ar, seu site estava repleto de fraseados pentecostais – “empoderar igrejas com fé e finanças”, “investindo no futuro, fortalecendo o Reino” -, mas nenhuma informação sobre os bancos que representava. No início de 2025, quando a fundação do Clava Forte veio a público, o próprio BC, em resposta a jornalistas, disse que a financeira “nunca esteve na condição de instituição autorizada a funcionar”. Só então, em nota à imprensa, o Clava Forte revelou operar “amparado pela infraestrutura bancária e regulatória da CDC SCD S.A. (Banco n.º 470)”.

Com sede em Belo Horizonte, um dos principais serviços que a CDC oferecia aos seus clientes era o empréstimo consignado, em que os pagamentos são descontados diretamente pelo banco que deposita a aposentadoria. A fraude no INSS investigada pela CPMI diz respeito, justamente, a descontos indevidos nesta modalidade de empréstimo.

Em agosto deste ano, a CDC foi impedida pelo INSS de realizar operações do tipo. Em uma postagem em suas redes sociais, o banco garantiu “não possuir qualquer envolvimento com práticas fraudulentas relacionadas a empréstimos consignados. O recente desenquadramento da companhia pelo INSS ocorreu exclusivamente por questões técnicas relacionadas à ausência do ’não perturbe’, que permite aos clientes optarem por não receber ligações. A CDC já está adotando medidas necessárias para adequar os sistemas, restabelecer a autorização para operar nessa modalidade de crédito e se enquadrar nas plataformas exigidas”. Seis meses depois desse comunicado, a CDC ainda não estava apta a realizar empréstimos consignados. A Pública pediu esclarecimentos à CDC sobre a situação atual dos consignados, mas não obteve resposta. Caso o banco se manifeste, o texto será atualizado. 

Além da CDC, o Clava Forte vale-se também da estrutura da Dock Instituição de Pagamento, como Samuel e Sara descobriram ao tentar reaver parte de seu dinheiro depositado na fintech. Já a “eventual ação conjunta com o Banco Master” aventada pelo deputado Rogério Correia, por ora, está no campo da suposição, e deverá ser comprovada, ou rechaçada, pelos relatórios de inteligência financeira que o deputado requereu à CPI.

A reportagem também entrou em contato com o Clava Forte para saber se os serviços financeiros da instituição, além de seu site e aplicativos, também estão suspensos. Ainda foi questionado se a fintech têm ciência de valores de clientes retidos na instituição, se ela mantém relações com o banco Master e como avalia sua citação na CPI do INSS. Até o fechamento desta matéria, a empresa de André Valadão não respondeu aos nossos questionamentos e o espaço segue aberto para manifestações.

Não é a primeira vez que Valadão se aventura pelo setor financeiro. Em fevereiro de 2019, durante um culto em Belo Horizonte, o pastor anunciou o lançamento do cartão de crédito consignado “Fé”. “Não tem Serasa, não tem nada. Aleluia, dá um glória a Deus para isso aí, amém!”, exortou Valadão. A repercussão negativa foi tão grande que a própria Lagoinha, à época liderada por Márcio Valadão, pai de André, publicou um comunicado aos fiéis: “a Igreja Batista da Lagoinha não tem nenhum vínculo com o produto, bem como com a instituição financeira relacionada. Ressaltamos, também, que a marca Fé não pertence à Igreja Batista da Lagoinha. Ela foi criada pelo pastor André Valadão no ano 2000 e está presente em vários segmentos e produtos, como camisetas, calçados, cadernos, cosméticos, entre outros”.

A nota remetia a um vídeo em que André também busca explicar o empreendimento. “Tem muita gente revoltada com o cartão de crédito, pensando que a gente está comercializando a fé ou comercializando a igreja. Gente, deixa eu te falar, a marca Fé é uma marca como outra marca, é uma marca de um produto que você comercializa”, argumentou na época o pastor.

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