Foi dada a largada hoje no STF o início do julgamento histórico por tentativa de golpe do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados do núcleo 1, chamado de crucial, incluindo quatro militares da mais alta patente das Forças Armadas. A sessão começou às 9 horas, mas desde a madrugada já haviam jornalistas na Corte. O primeiro a falar, foi o relator da ação penal, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que defendeu a democracia, as instituições e a soberania do país em discurso proferido antes de começar a ler seu relatório, em que resumiu a tramitação da ação penal, desde a fase do inquérito, até o momento.
“Lamentavelmente, no curso dessa ação penal, se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de tentar coagir o poder judiciário, em especial esse Supremo Tribunal Federal, e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro estado estrangeiro”, ressaltou Moraes, alvo da Lei Magnitsky, uma das principais sanções aplicadas pelo governo dos Estados Unidos —, após articulação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL/SP) junto ao governo de Donald Trump.
“Essa coação, essa tentativa de obstrução, elas não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes desse Supremo Tribunal Federal, que darão, como estamos dando hoje, presidente, a normal sequência no devido processo legal, que é acompanhado por toda a sociedade e toda a imprensa brasileira”, acrescentou o ministro, que também mandou seu recado aos parlamentares bolsonaristas que articulam pela anistia e pelo fim da ação penal.
Depois de Moraes, foi a vez do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, ler o parecer em que pediu a condenação dos réus por participação no plano de golpe. Gonet ressaltou que “a denúncia não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis” e que os próprios “integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada”. Segundo ele, “crime de golpe de estado não exige ordem assinada”.
Morae e Gonet: sessão foi marcada pelo reforço às acusações feitas na denúncia do procurador-geral Paulo Gonet e pela transmissão de recados por parte do ministro Moraes
“A organização criminosa documentou, como dito, a quase totalidade das ações narradas na denúncia por meio de gravações, manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens eletrônicas, tornando ainda mais perceptível a materialidade delitiva”, ressaltou. “Não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem recrudesce ímpetos de autoritarismo e põe em risco um modelo de vida civilizado”, acrescentou.
Ao final da primeira parte da sessão, por volta das 12h, advogados de defesa dos réus se encontraram no hall de saída do prédio da primeira turma do STF e criticaram o parecer do procurador. Em tom de brincadeira, Eduardo Kunz, que representa o ex-assessor de Bolsonaro, Marcelo Câmara – que integra o núcleo 2 da trama golpista – disse à Agência Pública que não conseguiu prestar atenção na sustentação, sugerindo que foi cansativa, que Gonet “leu demais”, e que colocaria o texto no ChatGPT para resumir. Kuntz assistiu ao julgamento pela manhã na sala da Segunda Turma, junto aos alunos de direito, após ser barrado.
Voltando à sala da primeira turma, onde ocorre o julgamento ao vivo, apenas um réu acompanhou a reunião, o ex-ministro da Justiça Paulo Sérgio Nogueira. Na plateia, além de advogados e jornalistas, também estavam parlamentares do PSOL e do PT, incluindo o líder do PT na Câmara, deputado federal Lindbergh Faria (PT/RJ).
Ao contrário da sessão que analisou a denúncia da PGR, em março, a tropa de choque do ex-presidente não compareceu hoje. “Não vamos participar da farsa”, disse Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara, ao justificar a ausência no STF. O ex-presidente, que está em prisão domiciliar, também não compareceu. Ele assistiu ao julgamento de sua casa, acompanhado dos filhos Carlos Bolsonaro e Jair Renan.
Na sessão de hoje, advogados de quatro dos oito réus fizeram a sustentação oral, participação recheada de elogios e afagos aos ministros do STF
Elogios e afagos aos ministros
Na sessão de hoje, advogados de quatro dos oito réus fizeram a sustentação oral. Representando o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, Jair Alves Ferreira e Cezar Bittencourt, foram os primeiros a falar. Após apresentar Cid como um “jovem militar” e pai de família, eles reforçaram a validade da delação premiada e negaram a coação da PF e de Moraes para fechar o acordo – argumento que tem sido usado pela defesa dos outros acusados para anular a delação.
Já o defensor do ex-diretor da Abin, o deputado Alexandre Ramagem, iniciou sua sustentação distribuindo afagos ao ministro Luiz Fux: “Ministro Fux, sempre saudoso, sempre presente, sempre amoroso, sempre simpático, sempre atraente, como são os cariocas. Uma honra muito grande, uma satisfação imensa, ministro”, afirmou Paulo Renato Garcia Cintra. Em outro momento, ele foi interrompido pela ministra Carmem Lúcia, que fez questão de alertar que há uma distinção entre “processo eleitoral auditável” e “voto impresso”, citados pelo advogado. A magistrada reforçou que o processo eleitoral no Brasil é “totalmente auditável”.
Já o advogado do ex-ministro Anderson Torres, que ocupava o cargo de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal no dia dos ataques do 8 de janeiro, mas estava nos Estados Unidos na ocasião, foi interrompido pelo subprocurador Paulo Jacobina, ao citar um documento da companhia aérea GOL, que comprovaria que a passagem do então secretário para o exterior foi comprada com antecedência. Jacobina destacou que a companhia aérea não reconheceu o documento.
Seguindo a linha de afagos aos ministros da Suprema Corte, o advogado do almirante Almir Garnier, Demóstenes Torres, usou vinte minutos de uma hora de sustentação para elogiar todos os magistrados presentes, e disse ser a única pessoa no Brasil que ‘gosta de Bolsonaro e Moraes’. Demóstenes afirmou ainda que se o ex-presidente precisar, ele leva “cigarro para ele em qualquer lugar”. “Conte comigo, ele é uma pessoa que eu gosto”, acrescentou. O julgamento continua amanhã, 3 de setembro, a partir das 9 horas, com a sustentação oral da defesa dos outros oito réus, a começar pela defesa do general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI.