Na mira de Trump: ninguém quer mais mortes, nem mais repressão, diz jornalista venezuelana

Na última terça-feira, 11 de novembro, a Marinha norte-americana anunciou que o porta-aviões enviado para a Venezuela com o argumento de combater o que Trump chama de narcoterrorismo, chegou ao Caribe. Para a defesa do território, Nicolás Maduro anunciou uma mobilização geral das Forças Armadas, intensificando a tensão entre os dois países.

Desde setembro deste ano, os Estados Unidos intensificaram as operações militares no Caribe e anunciaram a autorização de uma operação secreta da CIA para derrubar Nicolás Maduro. Além de viver sob bloqueio naval, atualmente a Venezuela também está enfrentando uma crise econômica e a repressão crescente contra oposições internas que não reconhecem a legitimidade do atual governo.

Em entrevista ao Pauta Pública, a jornalista venezuelana Lorena Meléndez fala sobre o impacto deste cenário sobre a vida real dos venezuelanos. A entrevista foi feita em espanhol e traduzida pela jornalista Andrea Dip.

“É a primeira vez que há uma ameaça real, e que todo um conjunto de armamento, navios e porta-aviões é enviado para o Caribe. Supostamente com o objetivo de eliminar o tráfico de drogas, ou atacar o tráfico de drogas, mas sabemos que o objetivo é outro, que o alvo é o governo de Nicolás Maduro”, afirma Meléndez.

A analista internacional, Rose Martins complementa o debate com uma leitura sobre as consequências regionais dessa escalada. Entre os temas, estão o papel do Brasil, os riscos de militarização e o impacto dessa nova disputa de poder na América Latina. “A minha visão é de que o Brasil deveria ser muito mais assertivo em defender a soberania de um país fronteiriço. Um país que foi parceiro do Brasil em diversas iniciativas e que não tem nenhum problema de segurança com o Brasil”, afirma Martins.

Leia os principais pontos e ouça o podcast completo abaixo:

EP 194
Venezuela na mira de Trump


Uma análise sobre a nova escalada militar dos EUA contra a Venezuela e seus impactos em meio à instabilidade do país

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As intenções de realizar uma intervenção militar estadunidense na Venezuela não são novas, mas  estão utilizando uma nova prerrogativa com esses ataques a embarcações, supostamente envolvidos no tráfico de drogas. Como vocês avaliam  esse momento?

Lorena MeléndezBem, para a Venezuela, esse é um momento inédito. Mesmo que os Estados Unidos, desde a época de Chávez, estejam em constante conflito com aqueles que governaram a Venezuela, com o chavismo, é a primeira vez que há uma ameaça real, e que todo um conjunto de armamento, navios e porta-aviões é enviado para o Caribe.Supostamente com o objetivo de eliminar o tráfico de drogas, ou atacar o tráfico de drogas, mas sabemos que o objetivo é outro, que o alvo é o governo de Nicolás Maduro.

Estamos na expectativa, a Venezuela está na expectativa. Quem disser que sabe o que vai acontecer está mentindo. É por isso que há tanta tensão, não só por causa do destacamento que houve no mar, que dizem ser caro, ou seja, que custa dinheiro aos EUA. Isso já é motivo suficiente para que haja algo mais do que apenas ataques a barcos. Há também essa ordem que foi dada à CIA para realizar operações dentro da Venezuela.

Espera-se que tudo isso chegue a uma solução pacífica, porque realmente ninguém quer que haja ainda mais mortes do que já houve, nem mais repressão. O que menos se quer é que haja mais vítimas.

Rose MartinsO que nós temos de setembro, até o início dessa semana, são ataques a 18 embarcações com pelo menos 70 pessoas mortas sob uma justificativa muito controversa, de que os Estados Unidos estão combatendo o narcoterrorismo e o tráfico internacional de drogas, que são prejudiciais à saúde pública dos Estados Unidos e à sua segurança nacional.

No contexto desses ataques, dessas execuções extrajudiciais, uma vez que essas pessoas mortas não tiveram o direito ao devido processo legal, os Estados Unidos enviaram porta-aviões para Trinidad e Tobago e realizaram exercícios militares conjuntos próximos à costa da Venezuela.

Os Estados Unidos também mantêm um submarino nuclear no Caribe e estão reativando uma base militar em Porto Rico, que foi construída nos anos de 1940 e que estava desativada desde 2004. No meio desse contexto, de uma tensão militar, o Senado dos Estados Unidos, por 51 votos a 49, barrou uma resolução que impediria o Donald Trump de atacar a Venezuela e de lançar um ataque mais direto à Venezuela.

Há informação sobre essas embarcações que foram atacadas? Como quem estava, quem morreu?

Lorena Meléndez – Lamentavelmente, a informação que veio dos Estados Unidos é muito hermética e o que o jornalismo venezuelano tem tentado fazer é descobrir os pontos de partida dessas embarcações, se é que elas realmente partiram da Venezuela. Lembro que, na primeira ocasião, graças ao esforço de alguns jornalistas venezuelanos foi possível descobrir o local de onde a embarcação havia partido, que era San Juan Unares, no estado de Sucre [na Venezuela]. Tentou-se falar com os familiares das vítimas lá, mas só se conseguiu saber o nome de uma vítima, pois o estado de Sucre não fez maiores esforços para dialogar.

É preciso lembrar também que há um momento de forte repressão, as pessoas têm medo de falar, especialmente quando o governo venezuelano negou que esse primeiro barco fosse da Venezuela. Se os familiares das vítimas começassem a falar, o mínimo que iria acontecer no povoado eram detenções.

Esse medo, infelizmente, impediu que familiares falassem, se é que existem. Sabe-se apenas essa informação, sobre o primeiro barco, mas não foi possível descobrir os locais de onde eles partem. Isso torna tudo mais difícil em termos de reportagem e das coisas que podemos investigar como jornalistas na Venezuela.

Por outro lado, o governo dos Estados Unidos também não fornece nem mesmo as coordenadas de onde ocorreram essas explosões, então, temos ainda menos informações. Por isso tem sido extremamente difícil rastrear as vítimas.

Como o governo de Nicolás Maduro lidou com essas operações dos Estados Unidos?

Rose Martins – Segundo o próprio relatório das Nações Unidas sobre o tráfico de drogas deste ano de 2025, a Venezuela não representa nenhuma ameaça ou não tem um papel relevante para as atividades de tráfico de drogas, de narcoterrorismo, para os Estados Unidos, ou para o mundo. A Venezuela não é um país que tenha relevância na produção, no comércio, como rota do tráfico de drogas. Isso consta num relatório da própria [Organização das] Nações Unidas. É importante sempre sublinhar como o Donald Trump, quando ele acusa a Venezuela, ou quando ele acusa o Maduro de ser chefe de um cartel de drogas, de como isso é falso.

O cenário é ainda de muita tensão, principalmente por esse último acontecimento, do Senado norte-americano ter barrado essa resolução. Donald Trump se mostra disposto todo tempo a exercitar, a ser uma influência muito grande na América do Sul, contando com o apoio de alguns países como o Equador, como a Argentina. [Também]  que eles querem que os Estados Unidos sejam novamente um país que tenha muita importância na região e que possa fazer frente à competição com a presença de outros países, como a China e como a Rússia.

Lorena Meléndez – No princípio, o governo tentou difundir imagens dos milicianos, essas pessoas que são civis, que foram convertidas em uma espécie de força aliada ao governo, em tarefas de vigilância. Passaram a ser pessoas armadas, que manejam arma, que manejam um fuzil.

Então, é claro, as imagens que se difundiam eram de mulheres ou de idosos, que não se vê nessas tarefas normalmente. O governo montou um aparato de propaganda para mostrar que se houver algum ataque contra a Venezuela, são esses venezuelanos que vão ser mortos, que vão ser atacados, e são os venezuelanos que estão, no final, dispostos a defender a revolução.

Embora você encontre muitos deles que sim, estão de acordo em defender o chavismo, há outros que estão fazendo isso por mera obrigação, para talvez não perder seu trabalho, para não perder os benefícios que obtiveram graças à revolução, ao chavismo. Então, por um lado está essa propaganda, e por outro, também, a ideia de que a Venezuela pode enfrentar qualquer ameaça, quando a verdade é que não.

A Venezuela não está preparada. Da mesma forma, duvido muito que haverá uma invasão. Quer dizer, parece-me que esse nunca foi o objetivo dos Estados Unidos, e eles próprios já o disseram. Mas é um discurso constante.

Rose Meléndez – Não é uma situação de curto prazo, a Venezuela é assediada há décadas, a Venezuela vive sob sanções e embargos econômicos desde a época de Chávez, né, passando por Maduro. Isso criou muitas dificuldades para o povo venezuelano, para acessar itens básicos, desde alimentos até insulina. Houve uma saída em massa de venezuelanos do país, justamente,porque não quiseram, ou não conseguiram, estar ali naquela realidade muito difícil. A Venezuela tem tentado, dentro dos seus limites, contornar todas essas situações.

Então, não se trata da fabricação de um inimigo externo. Esse inimigo está presente, ameaçando a Venezuela, hoje militarmente, mas há décadas impondo uma política econômica de embargos e de sanções que prejudica a vida do povo venezuelano.

Rose, como você avalia o impacto dessas iniciativas dos Estados Unidos sobre a posição dos países vizinhos na América Latina, incluindo o Brasil?

Rose Martins Bom, além das ameaças à Venezuela e dos ataques a essas embarcações, os Estados Unidos estão também lançando ameaças sobre a Colômbia, também com essa justificativa de combate ao narcoterrorismo, ao tráfico internacional de drogas.

É claro, a Colômbia está situada em outra posição quando a gente está falando de produção de drogas, de comércio de drogas. Mas não é verdade que o Gustavo Petro seja chefe de um cartel de drogas colombiano e que o governo colombiano auxilie o tráfico de drogas ou que não faça o combate correto.

Inclusive, o governo do Gustavo Petro tem batido recordes na apreensão de cocaína. O presidente colombiano, já expressou de forma aberta a sua solidariedade à Venezuela, além de compreender quais são as ameaças que nesse momento pairam sobre a Colômbia.

O caso do Brasil é um caso mais delicado. O Brasil e a Venezuela não estão com relações diplomáticas regulares. O Brasil não reconheceu as eleições da Venezuela de julho do ano passado, que elegeu o presidente Nicolás Maduro. O Brasil vetou a entrada da Venezuela nos BRICS. Também não convidou a Venezuela para participar da cúpula dos BRICS que ocorreu no Brasil em julho deste ano.

Uma intervenção na Venezuela, um aumento das tensões nessa região, vira automaticamente um problema para o Brasil. Um problema porque nós temos fronteira com a Venezuela, e isso pode trazer um grande número de refugiados e levar a uma desestabilização de toda a nossa região.

A minha visão é de que o Brasil deveria ser muito mais assertivo em defender a soberania de um país fronteiriço. Um país que foi parceiro do Brasil em diversas iniciativas e que não tem nenhum problema de segurança com o Brasil. Então, acho que a visão, a posição do Brasil, neste momento, não é tão assertiva como deveria ser. Porque no final das contas, um problema em território venezuelano vira um problema para o Brasil e para os demais países da região.

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