O ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin ordenou, na noite desta terça-feira (5/8), que seja suspensa a ordem de desocupação das casas da fazenda Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto (GO). A decisão vem dois dias após o Metrópoles noticiar, com exlusividade, as derrubadas no local.
A medida, portanto, proíbe novos despejos na comunidade rural do município goiano. Cerca de 1,6 mil pessoas corriam o risco de ficar sem ter onde morar após o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) determinar cumprimento de sentença que dava as terras a apenas três pessoas: Luiz Soares de Araújo, Raul Alves de Andrade Coelho e Maria Paulina Boss, esses dois últimos já falecidos.
Maria Paulina Boss era tia do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Um dos filhos dela, o hoje desembargador do TJGO Breno Caiado, já atuou no processo judicial e seria herdeiro do espaço. Outro herdeiro, o empresário Murilo Caiado, acompanhou de perto as desocupações no início da semana.
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Região da fazenda Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto (GO), é alvo de disputa judicial
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TJGO remeteu a disputa à Justiça Federal
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Região pode ter sido habitada por quilombolas em séculos passados
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Agora, a Justiça Federal decidirá o futuro da região
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Murilo Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é um dos herdeiros, de acordo com o TJGO
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Moradores da Antinha de Baixo
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Comunidade quilombola
Em agravo regimental, o ministro Edson Fachin levou em conta que, em 26 de junho deste ano, moradores da Antinha de Baixo fizeram pedido de reconhecimento étnico e territorial junto à Fundação Cultural Palmares para que a região seja classificada como comunidade quilombola. A população aponta que cidadãos escravizados ocupavam aquelas terras cerca de 400 anos atrás.
O pedido de reconhecimento foi publicado pela Fundação Palmares no Diário Oficial da União (DOU) nessa segunda-feira (4/8), fator levado em conta por Fachin na decisão. “Entendo prudente a imediata suspensão da ordem de desocupação proferida”, escreveu. Na publicação, o ministro ressaltou que a autoidentificação é elemento suficiente para reconhecer a identidade como quilombola.
Mais cedo, a juíza Ailime Virgínia Martins, da 1ª Vara Cível de Santo Antônio do Descoberto (GO), já havia decidido remeter à Justiça Federal a competência sobre a Antinha de Baixo. Essa medida já impedia o TJGO de autorizar novas desocupações no povoado.
A decisão da juíza veio após o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pedir à Advocacia-Geral da União (AGU) para atuar no processo como assistente devido à autodeclaração dos moradores como comunidade quilombola.
“Em um primeiro momento, entendi que tal fato, por si só, não seria suficiente para atrair a competência da Justiça Federal. Ocorre, entretanto, que houve recente intervenção do Incra”, pondera a juíza Ailime Martins. “A manifestação formal da autarquia federal […] impõe, como medida de prudência e regularidade processual, a remessa dos autos à Justiça Federal”, prosseguiu a magistrada.
Caso fique comprovado que a região foi habitada por cidadãos escravizados em séculos passados, cabe somente à Justiça Federal definições jurídicas sobre a área, como estabeleceu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2014.
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Desocupação e derrubada
Apesar da decisão favorável aos moradores nesta terça-feira (5/8), várias famílias já perderam suas casas, uma vez que a ordem para desocupar os imóveis na Antinha de Baixo começou a ser cumprida na segunda-feira. 32 imóveis foram desocupados nos últimos dois dias.
A mando de Murilo Caiado, tratores chegaram a derrubar algumas das casas após o cumprimento da ordem de despejo. A decisão do STF não faz menção a essas residências.
Respostas
O empresário Murilo Caiado, que seria um dos herdeiros das terras em questão, afirmou ao Metrópoles nessa segunda-feira (4/8) que os atuais moradores teriam sido enganados por antigos proprietários que venderam imóveis sem documentação. Murilo declarou ainda que a situação estaria sendo politizada.
Em nota enviada após a publicação da primeira reportagem do Metrópoles sobre o caso, a Secretaria de Comunicação (Secom) do Governo de Goiás alegou que “o governador Ronaldo Caiado não é parte do processo”. “Não cabe, portanto, comentário do governador sobre a decisão judicial”, afirmou.
“O eventual parentesco de 4º grau com uma das partes do processo não implica envolvimento do governador em qualquer ato, e por isso a citação do seu nome em reportagem sobre o assunto causa estranheza”, completou a Secom.