O voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux proferido nesta quarta-feira, 10 de setembro, no julgamento da trama golpista em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é réu, divergiu significativamente dos dois primeiros, feitos, ontem, pelos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino.
Fux iniciou seu voto já defendendo a incompetência da Suprema Corte para julgar o caso e defendeu o cancelamento total do processo. A fala animou bolsonaristas. O próprio advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, disse no local que o voto pela nulidade “lavou a alma” das defesas. Nas redes, Paulo Figueiredo, que atua nos Estados Unidos para que o governo Donald Trump aplique sanções contra o Brasil, elogiou Fux e disse que ele não seria afetado pelas mesmas punições aplicadas contra Moraes e os demais ministros.
Para o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, ex-secretário Nacional de Justiça do governo Lula e fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), há uma incoerência na posição de Fux. Ele acredita que essa falta de coerência pode deixá-lo isolado na 1ª turma, responsável por julgar o processo.
“Da forma como ele está dando o voto, acho que ele dificulta que outros ministros o acompanhem, porque ele está contrariando uma jurisprudência muito pacífica do próprio tribunal. Ele ‘esticou demais a corda’ para ter alguém que o acompanha, vamos falar dessa forma”, avalia o advogado.
Botelho avalia que o ministro Fux foi “incoerente com o histórico de decisões do próprio ministro e do Supremo. É completamente contraditório com as decisões, sobre temas processuais”, diz
Ele explica que uma defesa processual inclui incompetência do juiz, suspeição do juiz, nulidade da prova. Portanto, não dizem respeito ao acusado, ou ao mérito. “Todas essas preliminares que o ministro Luiz Fux julgou agora, são questões processuais. Em outros processos que julgou, ele não teve o entendimento de agora. Então, ele é contraditório, teve entendimentos processuais divergentes do que ele teve agora”.
Leia trechos da entrevista realizada pela Agência Pública com o advogado.
Augusto Botelho, advogado criminalista e ex-secretário Nacional de Justiça de Lula
O senhor comentou em suas redes sociais sobre uma posição contraditória do ministro Fux no voto dele desta quarta-feira. Poderia explicar um pouco o porquê dessa incoerência?
Primeiro, é incoerente com o histórico de decisões do próprio ministro Luiz Fux. É completamente contraditório com as decisões sobre temas processuais. A gente tem dois tipos de defesa. Uma defesa de mérito, que a gente chama, e uma defesa processual. Em linhas gerais, na defesa do mérito, às vezes a pessoa é condenada ou inocentada.
Uma defesa processual, são teses processuais: incompetência do juiz, suspeição do juiz, nulidade da prova, tudo isso são teses processuais. Elas não dizem respeito ao acusado A ou ao acusado B, mas dizem respeito ao regramento que os códigos preveem para alguém ser processado.
Todas essas preliminares que o ministro Luiz Fux julgou agora, são questões processuais, e ele já, em outros processos que ele julgou, não teve o entendimento que teve agora. Então, ele é contraditório. O ministro Luiz Fux, para começar, já teve entendimentos processuais divergentes do que ele teve agora.
Ele deveria ter apresentado esse ponto de vista antes? Seria isso?
Juízes mudam de ideia, é normal mudar de opinião. O direito está sempre em evolução, pode causar algum estranhamento, mas não seria algo atípico. O que chama bastante atenção, por enquanto… vou dar um exemplo bem prático.
A tese de incompetência do Supremo foi levantada pelas defesas, quando apresentaram a primeira manifestação que eles fizeram nos autos. Lembrando, é oferecida uma denúncia, as defesas apresentam uma peça que chama Resposta à Acusação, que você contesta essa denúncia, aí depois vai lá ao tribunal e faz uma sessão para julgar o recebimento ou não da denúncia, isso já aconteceu, lá atrás.
As defesas, várias defesas, apresentaram essa tese de incompetência do Supremo, em razão da falta de prerrogativa de foro, neste caso. Ou seja, já era uma tese conhecida, e que ela foi rejeitada. O ministro Fux, já sabendo dessas teses de incompetência do Supremo, optou, e é uma opção dele, por participar das audiências.
Ele foi o único ministro que participou das audiências. Ele optou por fazer perguntas durante as audiências. E agora, ele está dizendo que é incompetente. Se o Supremo é incompetente [para julgar], ele, ministro Luiz Fux, era incompetente para participar da audiência.
Não é uma tese nova, muito pelo contrário, incompetência do Supremo em prerrogativa de foro, é uma tese discutida sempre no Supremo. Todo mundo tem posição. É absolutamente incoerente uma tese que já tinha sido apresentada e rechaçada, [que] o ministro vai lá, participa da audiência, faz perguntas, num processo que ele está anulando? Não tem sentido isso.
Mas, claro, ele pode mudar de ideia. Mas ele vai ficar isolado, [por causa do] entendimento do Supremo, atualmente. Isso foi julgado há pouco tempo atrás, o Supremo mudou três ou quatro vezes ao longo da última década sobre o entendimento de prerrogativa de foro.
A decisão que hoje está aplicada no Supremo é a de competência do Supremo para julgar, por exemplo, ex-presidentes, ex-governadores ou ex-senadores que cometeram crime durante o exercício do cargo e em razão dele.
Esse é o caso específico. Por isso que esse é o entendimento atual do Supremo, e por isso que o Bolsonaro e os outros estão sendo julgados pelo Supremo. O Fux pode mudar de ideia? É evidente que ele pode mudar de ideia. Mas se essa tese já foi apresentada lá no passado, por que ele participa na audiência? Aí que está a maior incoerência.
Mudar de ideia não é incoerência. Mudar de ideia acontece. Agora, ele participou das audiências, ele fez perguntas. Ele não pode ser convencido da incompetência agora. Não faz o menor sentido. Por que ele participou das audiências? Ele deu causa à nulidade.
Se o Supremo é incompetente, ele, o Fux, está dando causa à própria nulidade. Ele participou da audiência. Eu nunca vi isso acontecer. O próprio ministro, lá no processo, ele próprio deu causa a essa nulidade, porque ele convalidou, ele participou da audiência.
Falta de coerência em voto de Fux pode deixá-lo isolado na 1ª turma do STF, avalia Augusto Botelho
E esse voto, neste momento, tem algum impacto jurídico? E aí eu aproveito para pedir uma avaliação política também, já que estamos falando de um processo que tem um papel político muito grande, histórico.
Vamos dar um passo para trás daqui. Se nenhum outro ministro acompanhar essas teses, ou algumas das teses do ministro Fux, o impacto do voto dele, processualmente, juridicamente, é zero. Ele vai ficar como um voto vencido.
O julgamento não vai ser dado por unanimidade.
E 5 a 0 e 4 a 1 para o STF é a mesma coisa, correto?
Exatamente a mesma coisa. Para você abrir a possibilidade de ter embargos infringentes na turma, você precisaria ter pelo menos um [juiz] presente para abrir a possibilidade disso. No placar atual, da forma como está, não muda absolutamente nada.
Do ponto de vista político, é óbvio, ele se alinha à defesa, mais do que à defesa técnica, porque o voto, apesar de ter uma roupagem técnica, não é um voto técnico. Por ser tão incoerente, ele acaba se tornando um voto político. Por ser tecnicamente tão incoerente com o próprio ministro Fux, e com a jurisprudência do Supremo, ele acaba tendo um contorno de voto político. Justo ele que, no começo do voto, falou que o voto não pode ser político.
O voto, a partir do momento que você julga, na contramão de jurisprudência pacificada e na contramão do que você decidiu no passado, você está fazendo um posicionamento político. O que ele está fazendo? Está se alinhando, obviamente, aos apoiadores do Bolsonaro e ao bolsonarismo.
Não vejo outra leitura que não essa. E eu acho que, do ponto de vista político, ele vai se isolar dentro do Supremo. Porque o voto dele, tecnicamente, está tão equivocado, tão equivocado, que ele vai se isolar.
O senhor acha que esse voto também pode aumentar a possibilidade desse julgamento ser levado para o plenário?
Não tem como. Não tem como, juridicamente. Se não houver mais nenhum voto acompanhando essa linha dele, não tem um recurso possível para levar esse julgamento para o plenário.
E se houver pelo menos mais um voto?
Depende em que extensão da divergência dos vencedores. Aqui não é uma ciência exata. Não dá para eu cravar o que vai acontecer sem antes terminar o voto dos outros. Abre-se a possibilidade, não é certeza, de um embargo infringente a partir – aí sim o embargo infringente seria levado para o plenário – a partir de dois votos divergentes, a depender da extensão da divergência.
Mas quando a gente olha para a divergência do ministro Fux, ela é suficiente aí para seguir esse caminho? Ele abre um caminho novo, que não parecia muito possível até ontem?
Eu acho que não, eu acho que é o contrário. Se ele simplesmente absolvesse no mérito, vamos imaginar, se ele, ao julgar o mérito, absolvesse uma ou outra pessoa, de um ou outro crime, aí pode ser que algum ministro acompanhasse, por ausência de prova, o que é normal.
É uma análise jurídico-política. Se ele absolvesse alguém, [dizendo] ‘acho que não tem prova’, pode ser que outro ministro se convença e também absorva. Aí você teria dois votos pela absolvição, você abriria espaço para embargos infringentes, sim. Da forma como ele está dando o voto dele, rompendo com jurisprudência pacificada, acho muito pouco provável que qualquer outro ministro acompanhe isso. Acho que ele vai ficar um voto isolado.
Da forma como ele está dando o voto vencido, eu acho que ele dificulta que outros ministros o acompanhem, porque ele está contrariando jurisprudência muito pacífica do próprio tribunal. Ele esticou ‘demais a corda’ para ter alguém que o acompanha, vamos falar dessa forma. Esticou demais.