Um pedido para “verificar a ficha corrida” de três servidores do Ibama, feito à chamada ‘Abin paralela’ em 2022, partiu do gabinete do ex-ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, que substituiu o atual deputado Ricardo Salles (PL-SP) durante o governo Bolsonaro.
Pelo menos três agentes do Ibama estiveram na mira da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) de 2020 a 2022. As suspeitas de uso ilegal da agência estão em um relatório da Polícia Federal revelado no último dia 11, na segunda fase da Operação Última Milha. O documento cita três tentativas do governo de obter dados pessoais de servidores do órgão ambiental.
Um destes pedidos de informação foi feito pelo delegado Rodrigo Augusto de Carvalho Costa, da PF. Ele foi assessor do ex-ministro Joaquim Leite, de setembro de 2021 a maio de 2022, e se comunicava com Giancarlo Rodrigues, sargento do Exército apontado pela PF como membro da Abin paralela. Rodrigues foi um dos 5 presos pela operação Última Milha.
Em 28 de março de 2022, Costa pediu a Rodrigues para “verificar a ficha corrida” de três agentes do Ibama, porque eles estariam “dando trabalho à gestão”. No relatório sobre a Abin paralela, a PF afirma que o “trabalho” dado pelos fiscais ao governo Bolsonaro “seria o cumprimento de seus deveres funcionais no combate aos crimes ambientais”.
Segundo a PF, a espionagem começou durante a gestão de Salles. O relatório afirma que Hugo Loss, um dos agentes do Ibama citados pela investigação, foi monitorado pela Abin paralela em 27 de maio de 2020 por meio do sistema First Mile, uma ferramenta que fornece a localização do alvo a partir do celular da vítima.
Loss foi monitorado um mês após ter sido removido do cargo de coordenador de fiscalização do Ibama. O agente e seu superior à época foram exonerados devido a uma operação contra o garimpo na terra indígena Apyterewa, no sul do Pará, no final de abril de 2020. Naquela ocasião, Bolsonaro cobrou explicações do então ministro da Justiça e hoje senador Sergio Moro (União-PR), devido à queima de equipamentos de garimpeiros pelo Ibama.
Os outros dois agentes monitorados, além de Loss, também sofreram represálias. Os servidores Roberto Cabral e Hugo Leonardo Mota Ferreira afirmam que foram removidos de funções que ocupavam ou viraram alvos de processos disciplinares por terem participado de fiscalizações que, na visão deles, contrariaram interesses do governo à época.
Todos os três tomaram medidas que teriam incomodado o governo. Ferreira auxiliou a operação Akuanduba, que investigou exportação ilegal de madeira e levou à queda de Salles em 2021. Já Cabral apontou irregularidade em uma norma assinada pelo então presidente do Ibama, Eduardo Bim, que teria facilitado a caça de javalis.
Um dos pedidos de informação foi feito à Abin paralela porque teria atingido Bolsonaro “diretamente”. Segundo mensagens apreendidas pela PF, o assunto foi discutido em 30 de outubro de 2021 pelo policial federal Marcelo Bormevet e o sargento Giancarlo Rodrigues, que era seu subordinado na Abin. Ambos foram presos no último dia 11.
O relatório não mostra quem cobrou providências da Abin paralela nesse caso. No diálogo exposto pela PF, Bormevet encaminhou a Giancarlo mensagens de uma terceira pessoa, cujo nome não aparece no documento. Este interlocutor enviou a Bormevet uma publicação do perfil “Fiscal do Ibama” e em seguida afirmou: “Atingiu agora o Presidente da República diretamente”.
O documento não mostra o conteúdo da publicação que teria atingido Bolsonaro. Uma das últimas postagens do perfil antes desse diálogo mostra que Bolsonaro foi a uma competição de criadores de pássaros em extinção com os ex-ministros Paulo Guedes e Anderson Torres, em Brasília. Não é possível saber, porém, se o interlocutor de Bormevet se referia a essa publicação.