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A luta para voltar para casa

por Redação Capital Brasília
27 de agosto de 2025
em Brasil, Política
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A luta para voltar para casa
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Neste episódio, viajamos para o outro lado da barragem, onde o rio Xingu foi transformado em um reservatório da hidrelétrica de Belo Monte, o que expulsou centenas de famílias ribeirinhas de suas casas em um processo traumático e repleto de violência. Se na Volta Grande a água falta, nessa região o excesso de água arrancou à força de suas terras nas ilhas e nas margens do Xingu os beiradeiros, que agora lutam para voltar para perto do seu rio – de onde preferiam nunca ter saído. A repórter Isabel Seta nos conduz por esta história de reação e conta como os beiradeiros se organizaram para reivindicar o direito de retornar para casa e, mais do que isso: definir como esse retorno deveria acontecer. Mas, quase sete anos depois de terem conquistado esse direito, dezenas de famílias ainda não foram reassentadas nas margens do Xingu. Vamos conhecer os beiradeiros envolvidos nesse processo e através deles entender por que voltar para o rio continua urgente.

Leia abaixo o roteiro do episódio na íntegra:

[Isabel Seta]

Eles apareceram de repente, no meio da água. Até ali, confesso que eu estava bem envolvida, até meio distraída por aquela paisagem amazônica. Eu sabia que aquele lugar tinha mudado muito e até perdido o brilho para quem sempre viveu ali. Mas para mim, recém-chegada, era difícil não achar bonitas as nuvens refletidas naquele mundo de água, a mata verde brilhando nas margens e aquela árvore bem mais alta que as outras, com o tronco espichado para o céu e a copa imensa olhando tudo como uma guardiã da floresta. Aquela era majestosa sumaúma, como eu ia aprender depois.

Mas daí, eu vi aqueles troncos saindo do meio da água. E eram muitos. Uns estavam mais esbranquiçados, outros quase cinza. Tinha uns ainda com os galhos retorcidos, totalmente secos, sem nenhuma folha. Outros eram só o tronco mesmo, nada das antigas copas. Uns palitos de madeira, vazios, meio mortos. Uma cena meio sinistra. Passar de barco do lado deles me deu calafrios. E me trouxe de volta para a realidade.

Eram os paliteiros, árvores que morreram afogadas quando o Estado brasileiro decidiu transformar o rio Xingu em um reservatório para gerar energia hidrelétrica. Essas árvores cobriam ilhas e pedaços da margem que foram parar debaixo d ‘água. Deviam ter sido removidas antes do enchimento do reservatório. Mas essa regra básica não foi totalmente respeitada. E elas ficaram apodrecendo devagar, soltando gases tóxicos no caminho.

Aqueles paliteiros me fizeram pensar no mundo afogado que antes estava ali. E me pareceram uma evidência inescapável da transformação violenta que a usina hidrelétrica de Belo Monte provocou na região de Altamira, no Pará.

Depois de passar por aquele cemitério de árvores outras vezes, eu comecei a perceber algo mais. Primeiro, vi uma bromélia solitária, pendurada entre os galhos mortos. Depois, um broto bem verde, lutando para crescer em cima de um tronco podre. Na hora, pensei como é impressionante a força da vida. Mesmo ali, no meio daqueles troncos tão tristes, ela estava dando um jeito, como costuma fazer. Mais um sinal de que o que também não falta em Altamira é resiliência. E essa que eu vou te contar agora é uma dessas histórias de reação.

Eu sou a Isabel Seta, e esse é o terceiro episódio de Xingu em Disputa, podcast da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. Nessa série de quatro episódios, contamos a história da transformação forçada do Xingu, de rio-fonte de vida para reservatório, fonte de energia. Aqui, a gente conta também, a história das consequências que a usina de Belo Monte, a segunda maior hidrelétrica do país, trouxe para o rio e para os seus habitantes.

Nos dois primeiros episódios, a gente mergulhou na asfixia da Volta Grande do Xingu, trecho do rio abaixo da barragem, que teve as suas águas desviadas para a geração de energia. Se você ainda não ouviu, recomendo voltar lá no começo, para tudo fazer mais sentido. Porque nesse episódio, a gente vai viajar para a parte acima da barragem, onde o que antes era rio, virou um grande lago. Aquele lago, cheio de paliteiros. Em comum, nos dois lugares, estão os beiradeiros, ribeirinhos que moravam nas ilhas e nas margens do Xingu, e que sempre se sentiram, e ainda se sentem, totalmente ligados ao rio. E por isso, se recusam a deixá-lo para trás. Pelo contrário, essa é a história de quem está brigando para voltar.

Episódio 3: A luta para voltar para casa

[Rita] 

Para mim, foi o pior momento, quando a empresa encostou lá e falou que a gente ia ter que sair, porque a licença tinha saído, né? Em 2010 saiu lá, né? O leilão aconteceu, e a Norte Energia tinha… O consórcio tinha ganhado, e a gente ia ter que sair.

[Isabel Seta] 

Essa é a Rita Cavalcante Silva. Ela é pescadora e beiradeira. Com 52 anos vivendo na beira do Xingu, o beiradão, ela ainda lembra, como se fosse hoje, do dia em que sua vida foi virada de cabeça para baixo, há quase 15 anos.

[Rita] 

Falei, “não, mas a gente não quer sair”. “Não, mas vocês têm que sair. Ou vocês saem, vocês permitem que a gente chegue na propriedade e faça o levantamento que vocês têm, ou então, se quiser, vocês podem já judicializar. Vai pra justiça. Mas daqui vocês tem que sair. “

[Isabel Seta]

Daqui era a Ilha Bacabal do Cotovelo, onde a família da Rita vivia há quase cinco décadas. Moravam ela, a mãe, o irmão e a irmã, cada um com a sua casa, vivendo de tudo que a floresta, o rio e a terra davam.

[Rita] 

Nós moramos 47 anos numa ilha, ela não foi derrubada toda. A gente botava aquela rocinha, né, para plantar, que nem a macaxeira, para tomar um café de manhã, fazer um bolo. Plantava banana, que é algo que você come direto, um pé de laranja, um pé de limão, coisas que você geralmente vai na feira comprar, né? Porque o peixe, tu já tinha na beira do rio.

[Isabel Seta]

A Norte Energia, o consórcio que opera a usina hidrelétrica de Belo Monte, passou avisando: todos os beiradeiros que moravam nas ilhas daquele trecho do Xingu iam ter que sair. A área ia virar um reservatório. Era início de 2012, e o governo federal já tinha autorizado a desapropriação de toda a área. Naquele momento, os beiradeiros só souberam que iam ter que sair. Mas ainda não estava claro quando isso ia acontecer. O presente e o futuro entraram em estado de suspensão. Os beiradeiros ficaram com medo de abrir a roça, por exemplo, e serem forçados a sair logo em seguida. Mas sabe o que acontece com obras, né? Elas demoram. E essa, uma obra imensa e caríssima, não ia ser diferente. Foram meses de abertura de estradas e canteiros de obras, depois de explosões que fizeram toda a região tremer para abrir o buraco das barragens que iam formar o complexo da hidrelétrica de Belo Monte. Lembra que a Sara contou no primeiro episódio?

[Sara] 

Começaram a fazer uma cratera de 100 metros para baixo do chão. Ali, naquele momento, os peixes já começaram a sentir o impacto. Começaram já a sentir, porque tremia, o chão tremia.

[Isabel Seta] 

Foi só em 2015 que tudo realmente começou a mudar para os beiradeiros dessa região. No trecho abaixo da barragem, na Volta Grande, as águas do Xingu começaram a ser desviadas. Enquanto isso, rio acima, o trecho onde ficava a Ilha da Rita começou a encher para virar o reservatório da hidrelétrica. E os beiradeiros passaram a ser retirados de suas ilhas. Mais de 300 famílias que viviam espalhadas pelas ilhas ou pelas margens do Xingu foram expulsas.

[Rita]

Eu fui uma que fiquei com a lona debaixo dos pau lá, num tempo desse de inverno.

[Isabel Seta] 

A Rita é uma mulher firme e muito corajosa. Ela não ia deixar a ilha da família assim, sem resistir. Depois de notificados, os beiradeiros tinham 30 dias para deixar suas casas. Mas foram vários os que denunciaram que a Norte Energia não respeitava esse prazo. Antes mesmo de dar os 30 dias, a “balsa do desmancha”, como o pessoal chamava, aparecia para demolir tudo o que encontrasse. A Rita botou tudo o que ela tinha debaixo de uma lona, para que as coisas não fossem destruídas caso a balsa do desmancha aparecesse de repente, sem que ela estivesse lá.

[Rita]

Botei cama, botei colchão, botei armário, tudo debaixo. Comprei duas lonas, uma grandona e eu botei as coisas. Molhou tudo, perdi colchão, muitas coisas que molhavam, que não tem jeito de proteger debaixo de uma lona. Mas mesmo assim… E a outra era mais pequena, onde a gente botava o fogão para fazer a comida lá no invernão desse. Quando a gente saiu de lá, foi dia 9 de abril, bem no tempo da chuva, de 2015. Então o dia que, com muita luta, a gente conseguiu que a empresa fizesse, tirasse nossas coisas de lá e levasse para outra ilha lá embaixo, no Kaituká, lá na vazão reduzida, lá embaixo.

[Isabel Seta] 

Tudo que Rita tinha foi levado para essa outra ilha, que não ia alagar, já que a dela, em pouco tempo, ia ser quase totalmente submersa. Só ia sobrar uma ponta da ilha para fora da água. É difícil explicar quão traumático foi todo esse processo de expulsão. Mas a violência chegou a níveis ainda piores, com casas de beiradeiros sendo incendiadas. Sim, houve caso em que a empresa queimou a casa das pessoas. Foi o que aconteceu com uma beiradeira chamada Dona Raimunda. Quem conta esse caso é a antropóloga Ana de Francesco, no livro Terror e Resistência no Xingu.

A Ana escreve que a Dona Raimunda estava chegando com um barco para poder tirar suas coisas da ilha em que ela morava. Mas assim que ela pôs o pé na terra, viu que tinham ateado fogo na casa dela, com tudo que ela tinha dentro. A brasa ainda estava quente. Mas o que foi pior mesmo para a Dona Raimunda é que botaram fogo até nas árvores e nas plantas que ela foi plantando ao longo dos anos. A Ana descreve assim no livro: “As plantas, para ela, tinham uma história e existência próprias. Na frente de sua casa, ela tinha plantado um pé de pinhão pajé. Ela o considerava um amigo, o pinhão pajé a protegia, toda manhã lhe dizia se algo ruim aconteceria naquele dia. Queimaram o pinhão pajé, assim como todas as bananeiras, as mangueiras e o pé de murici. Aquele pé de murici que ela trouxe da ilha de um amigo”. 

Não foi só com a Dona Raimunda. Há relatos de outras casas queimadas pela empresa. O horror foi tão grande que o Ibama chegou a suspender, ainda que só por um tempo, a remoção das famílias e a demolição de casas no beiradão. Foi um momento de muita desesperança. Mas alguns movimentos de reação já estavam acontecendo naqueles meses de 2015 e 2016. Os beiradeiros não iam perder seu rio calados. Mas alguns movimentos de reação já estavam acontecendo, mas ainda demoraria alguns anos para essa reação ganhar contornos concretos, que iam mudar o rumo dessa história de terror. A gente vai chegar lá.

Além das remoções violentas, tinha uma outra questão bem problemática: o pagamento de indenizações.

[Rita]

Daí surgiu essa movimentação entre os próprios ribeirinhos. Começaram a procurar o Ministério Público dizendo: “eu não ganhei nada de indenização”, indenização muito baixa que ela retirou.

[Isabel Seta]

Tinha gente que não tinha recebido nada. Tinha outras que tinham recebido alguma coisa, mas muito pouco. Algumas pessoas receberam casas que a Norte Energia construiu na periferia de Altamira. Outros estavam negociando com a empresa para serem realocados em outras ilhas que não tinham ficado totalmente embaixo da água.

O Ministério Público Federal, percebendo o tamanho da encrenca, começou a se mexer. Questionou o Ibama e organizou uma inspeção com vários órgãos do governo para ir até as áreas de remoção ouvir os beiradeiros e entender qual era a situação de cada um. Essa confusão toda era o ápice de um processo que para os beiradeiros já tinha começado todo errado. Porque a Norte Energia não reconhecia uma coisa fundamental do modo como eles viviam.

Os ribeirinhos da região de Altamira sempre circulavam entre dois ambientes: a rua, que é como eles chamam a cidade, e o beiradão, como chamam o conjunto de ilhas e as margens do Xingu. Em cada um desses lugares, a maioria das famílias mantinha uma casa, num sistema reconhecido como de dupla moradia. Veja, eu não estou falando aqui de ter uma casa na cidade e uma chácara ou uma casa de lazer, de veraneio, de férias, no litoral ou no interior. No caso dos beiradeiros, as duas casas eram fundamentais para o funcionamento da vida e para a organização das famílias.

Na casa das ilhas ou das margens, eles pescavam a proteína de todo dia no rio, cultivavam diferentes plantas, criavam animais, mantinham uma roça de mandioca, coletavam açaí, castanha, seringa e plantas medicinais. Já a casa da rua servia de abrigo quando eles precisavam ir para a cidade vender peixe ou algum excedente da roça ou produto coletado na floresta. Ou, quando os filhos iam para Altamira para estudar, alguém da família se mudava para a casa da rua para ficar com as crianças na cidade por um tempo. E mesmo quem não tinha uma casa construída no beiradão, sempre podia contar com a possibilidade de amarrar uma lona no terreno de um amigo ou em pontos já estabelecidos e conhecidos dos beiradeiros.

[Rita]

A gente, em todo lugar que tu chegasse, tu já tendo uma lona, tu já tinha um lugarzinho para tu ficar. Tu já armava a lona. Ali tu passava dois dias, três dias. Estou falando do pescador, assim, né?

[Isabel Seta]

Só que a Norte Energia não reconhecia esse jeito de viver. E não é muito difícil de entender por quê, mas a antropóloga Ana de Francesco deixou bem desenhadinho no livro dela. Vou ler aqui um trechinho: “O sistema de dupla moradia foi repetidamente negado pela Norte Energia, por desconhecimento do contexto onde atuava ou de forma deliberada para evitar uma dupla reparação, por um duplo dano”. Dupla reparação por um duplo dano. É que além de retirar os beiradeiros das ilhas, a empresa demoliu as casas do Baixão. O Baixão era um bairro de palafita, na margem do Xingu, em Altamira. Essa demolição era parte da reurbanização da orla da cidade, uma das medidas de compensação que a empresa tinha que fazer para obter a licença de operação da usina. Acontece que muitos dos beiradeiros que perderam suas ilhas tinham suas casas na rua justamente no Baixão. Então, eles perderam essas casas também. E tudo isso sem grandes avisos e sem uma negociação coletiva das compensações.

[Ana de Francesco]

Eles não explicavam nada.

[Isabel Seta] 

Essa é a antropóloga Ana de Francesco. Ela se mudou para Altamira ainda em 2014 e acompanhou de perto o processo de demolição do Baixão e a retirada forçada dos beiradeiros das ilhas. Aqui ela está falando da empresa e de como foi feito o cadastro para calcular as indenizações.

[Ana de Francesco] 

E ainda eles tinham que dizer onde eles moravam. Eles tinham que escolher entre morar na ilha ou morar na cidade. Porque eles só podiam ter direito a uma indenização, sabe? A uma reparação. Obrigando-os a se encaixar num funil da empresa.

[Isabel Seta] 

Claro, a empresa não queria pagar duas indenizações.

[Ana de Francesco] 

“Onde você mora? Aqui ou na cidade?” “Eu moro nos dois lugares.” Ela não pode. Ou você mora aqui ou você mora lá. Mas não tem explicação nenhuma. Era isso. Marque uma opção. Ah, não. Você tem que escolher uma.

[Isabel Seta] 

Alguns ribeirinhos que perderam as suas casas no Baixão receberam outra nos assentamentos urbanos que a Norte Energia construiu na periferia de Altamira. Outros foram para a casa de parentes ou para algum ponto que não tinha sido inundado. Teve gente que foi embora.

Semanas depois que a família da Rita foi obrigada a sair da sua ilha, o Ibama reconheceu que os ribeirinhos tinham, sim, dupla moradia. E determinou que a empresa precisava considerar isso nas negociações com os atingidos. Mas os beiradeiros não queriam só que o seu modo de vida entre a rua e o beiradão fosse reconhecido. O que eles queriam mesmo era voltar para a beira do Xingu, de onde eles nunca nem teriam saído se tivessem tido escolha. O governo só começou a entender isso depois de muita denúncia.

Naquele momento, em 2017, aquele trecho do Xingu já tinha sido transformado no reservatório da hidrelétrica. Lembra que no primeiro episódio eu contei como no projeto original o reservatório seria bem maior que o de outras hidrelétricas? Então, a área de inundação acabou reduzida em 60% na comparação com o plano antigo, herdado da ditadura. Ainda assim, como as proporções amazônicas costumam ser bem grandes, o Xingu virou um grande lago, de 359 quilômetros quadrados. Sendo que 288 quilômetros quadrados eram a calha natural do rio.

Se a Volta Grande, como a gente contou nos dois primeiros episódios, ficou praticamente sem água, barragem acima, pedaços das margens e ilhas inteiras foram inundadas com o represamento. O Xingu que os beiradeiros conheciam como a palma da mão, que enchia no inverno e secava no verão, que era cheio de corredeiras que serpenteavam entre dezenas de ilhas, era, agora, quase uma represa. Talvez você se pergunte, então, porque, mesmo assim, eles queriam voltar. Se você, como eu, nasceu e cresceu na cidade, pode ser ainda mais difícil de entender. Quando eu perguntei pra Rita se ela e a família tinham chegado aí pra algum assentamento urbano que a empresa construiu, ela me deu uma olhada como se aquela ideia fosse completamente absurda.

[Rita]

Não. Meu marido não, não morria logo. Ele era de beira de rio mesmo. Não tinha jeito pra ele. Ele passava dois dias na rua, já era agoniado, andando do quintal pra porta, dizendo: “não sei como é que a pessoa vive num lugar desse”, e pegava o barco dele e se mandava. Tinha que estar no rio.

[Isabel Seta]

E que rio. Naqueles dias, em fevereiro de 2025, quando eu estava lá em Altamira, eu ficava tentando imaginar que que devia ser aquele lugar antes da usina. Eu perguntei como era para todos os beiradeiros com quem conversei. E sabe qual palavra sempre aparecia? Paraíso.

[Isabel Seta]

É que nem a senhora falou, vocês não conheceram Xingu antes. É até difícil pra mim imaginar como é que era aqui.

[Rita]

Coisa mais linda, coisa mais linda.

[Isabel Seta] 

Comer acari, um tipo de peixe assado nas praias, era o rolê do final de semana. E as praias do Xingu eram uma beleza, de areias claras, perfeitas para entrar no rio e tomar banho.

[Rita]

Bora, bora pra praia comer acari assado, pronto, vinha uma galera, os vizinhos tudinho, ia pra praia, assava peixe, passava o fim de semana, voltava.

[Isabel Seta]

E a água vocês pegavam do rio que era limpa?

[Rita] 

Limpinha, corrente. Para consumir. Água limpa, tu pegava água limpinha ali…

[Isabel Seta]

Água para banhar, pra beber, pra cozinhar, pra lavar. E só de lavar a louça na beira, os peixes vinham tudo atrás dos restos de comida. E era só colocar uma rede que ela voltava cheia de pacu.

[Rita] 

Essa nossa região daqui de Altamira até lá onde eles fecharam o rio era uma região rica desse peixe de pacu, de piau, de acarí. O acari que é uma iguaria principal do ribeirinho. Não tem esse ribeirinho que não tá com prato de acari com a farinha, o pirão do lado. Era essa a tradicionalidade do beiradão inteiro. De um lado e do outro era aquilo. “Ó, hoje vamos pegar acari.

[Isabel Seta] 

Quem também se lembra bem disso é Lindolfo Aranha Neto, de 64 anos. Pescador e beiradeiro. Ele e a mulher, dona Joana Gomes da Silva, de 60 anos, me falaram bastante sobre o mundo de antes.

[Lindolfo] 

Onde a gente pegava, botava a malhadeira pra pegar o pacu, pegava o piau, pegava o cadete, pegava a matrinxã. Lá mesmo encostado de casa, a floresta que tinha em redor da casa que a gente usava, né?

[Isabel Seta]

A casa deles ficava na ilha de Samaúma. Samaúma é o outro nome de sumaúma, aquela árvore majestosa que eu falei no começo do episódio. Só naquele trecho do rio, um pouco antes e um pouco depois de Altamira, era coisa de umas 60 ilhas. Todas cobertas de floresta. Várias, inclusive, com grandes seringais. Imagino o que era vista para aquele rio de água cristalina, cheio de corredeiras cortadas por grandes pedras, os sarubais brotando do leito, com as árvores lotadas de frutas. E as várias ilhas formando um labirinto verde.

[Lindolfo] 

Tinha a ilha de Samaúma. Aí lá nós tinha seringueira, nós tinha cajazeira, tinha muita fruta dentro aí! E assim em redor o landi, né? Chegava a época, essa época era a época que eu tava ficando com caniço, pegando peixe.

[Isabel Seta] 

Como na Volta Grande era uma vida de fartura, de abundância, graças ao Xingu, como a dona Joana conta.

[Joana]

Eu mesmo cansei de chegar e dizer eu quero esse peixe, eu não quero aquele, eu quero esse. E eu escolhia o que eu queria comer. Se eu dissesse hoje eu quero comer pacu, eu ia comer o pacu. Se eu dissesse hoje eu vou comer cari assada nas praias, eu ia comer meu cari assado lá. Hoje eu vou comer uma curimatá assada, aí eu comia. Porque a gente ia atrás pegava, tinha e hoje em dia?

[Isabel Seta] 

Era uma vida também de riqueza.

[Rita] 

E as comidas, a alimentação dos peixes, que nem eu falei pra ti, de Altamira até lá, era uma região rica. A gente tinha, chamava Saroba. Aquelas ilhinhas no meio do rio, corredeira com praia, com pedra e com as frutas que eles se alimentavam. E daí inúmeros nomes de frutos, se a gente for falar que a gente passou um meio dia só falando o nome das comidas. Hoje, tá aí o paliteiro. Tá tudo morto.

[Isabel Seta] 

Hoje em dia, o rio é mais uma represa do que rio. E o paraíso dos beiradeiros tá debaixo d’água.

Quando a empresa passou perguntando pros beiradeiros onde eles moravam para fazer o cadastro dos impactados, ela também começou a levantar o que cada família tinha, para calcular quanto que elas iam receber de indenização. Era a tal da avaliação patrimonial. A questão é que o valor das coisas é relativo.

[Rita] 

Eles, às vezes, chegaram até a dizer que a casa de palha não tinha valor. Mas a gente não precisava de muita coisa, não. Entendeu?

[Isabel Seta]

Na visão da empresa, uma casa de palha não tinha valor. Também na visão da empresa, as áreas de floresta em pé, preservadas, que os beiradeiros usavam para caçar, para coletar castanha e seringa, não contavam como áreas ocupadas. Ou seja, também não tinham valor para indenização.

[Rita] 

Aí tem os pés de goiaba, tem os pés de murici, tem os pés de banana. É isso aqui que deu. E você tem 30 dias para desocupar o local.

[Isabel Seta] 

30 dias?

[Rita] 

30 dias. Depois que caísse o dinheiro, eram 30 dias.

[Isabel Seta]

O caderno de preços dessa avaliação, obtido pela Ana de Francesco, mostra como a empresa via o conhecimento local. Por exemplo, eles classificavam as seringueiras em produção de três formas. Nativa, tradicional ou tecnificada. Mas não tinha uma explicação sobre o significado dessas categorias. Só os preços. Nativa e tradicional valiam bem menos que a tecnificada. Sendo que é pelo conhecimento tradicional que os beiradeiros sangram seringas por anos, sem machucar ou matar a árvore. O que que vale mais? E as ilhas, mesmo com décadas de ocupação, estavam todas bem preservadas. Eles não destruíam a floresta. Esse é o modo beiradeiro.

[Joana] 

Só que a gente nunca foi uma pessoa destruidora. Assim, destruir a mata, acabar com tudo, não. A gente sempre está conservando a natureza, né? Só que nós trabalhávamos na beiradeira. Fazia roça, fazia aquelas coisas, mas nunca destruía nada.

[Isabel Seta] 

Essa, de novo, é a Dona Joana. Para a empresa, isso tinha menos valor. No caderno de preços, as áreas classificadas como de desmatamento mecanizado valiam mais que o dobro das áreas de desmatamento manual. Irônico, né? Mas nesse ponto, a Norte Energia seguiu bem a lógica fundiária na Amazônia: terra desmatada vale mais do que a floresta em pé. E esses valores não foram divulgados na época. Foi a Ana que descobriu depois o tal livro de preços. As famílias não sabiam quais eram os critérios de avaliação do seu patrimônio. E muitas acabaram recebendo só algumas centenas de reais por suas terras.

Depois de dois anos de expulsões, remoções e pagamentos injustos, em 2016, a mobilização dos beiradeiros começou a ganhar corpo. Os órgãos do governo obrigaram a Norte Energia a apresentar um plano para que os beiradeiros reocupassem as áreas que não foram inundadas na beira do Xingu. Isso acabou virando uma das medidas que condicionam a licença de operação. Ou seja, que a empresa precisa cumprir para conseguir renovar a licença e continuar funcionando.

Tá lá, na lista de condicionantes estabelecidas pelo Ibama: “executar a revisão do tratamento ofertado aos ribeirinhos e moradores de ilhas e beiradões do Xingu, garantindo o acesso à dupla moradia a todos os atingidos que tenham direito”.

Que tenham direito. Pois é, aí que estava o pulo do gato. Quem tinha direito? A Norte Energia apresentou um mapa com áreas que poderiam ser usadas para o reassentamento. E uma lista com 217 famílias que poderiam ser reassentadas. Uma lista bem arbitrária, sem muita conversa. Era a empresa querendo decidir quem era Ribeirinho, um povo tradicional e que, portanto, teria direito a ser reassentado, e quem não era. Muitos não encontraram seus nomes. E dessas pouco mais de 200, só 121 famílias foram reassentadas pela empresa num primeiro momento.

Em novembro de 2016, teve uma grande audiência em Altamira com a presença do Ministério Público Federal, do Ibama, da Defensoria Pública do Estado, da Defensoria Pública da União e da Norte Energia. Na mesa, uma grande faixa com os dizeres: o rio Xingu é das famílias ribeirinhas. Mais de 800 beiradeiros na plateia. E, pela primeira vez nesse longo processo, eles tiveram a chance de falar. Pela primeira vez, eles eram os protagonistas da sua própria história. Eu procurei registros em vídeo ou em áudio dessa audiência, mas não consegui encontrar nada. Felizmente, o livro Terror e Resistência no Xingu traz a transcrição de algumas das falas.

Eu vou ler aqui um trecho do que disse um beiradeiro chamado Gilmar: “A gente não queria a Norte Energia aqui na nossa região, fomos contra Belo Monte desde o começo. Hoje eu não consigo mais sobreviver da pesca. Estou mendigando o pão, antigamente eu não precisava, porque tinha açaí. A minha ilha tem cerca de dois metros de altura, segundo a empresa, a ilha seria impactada. A ilha do meu irmão, que é mais baixa do que a minha, não ia alagar, segundo a empresa. Como assim? Isso não é estudo. Somos ribeirinhos e exigimos ser reconhecidos. O rio Xingu representa pra gente o nosso banco, é a nossa vida. Senhores, tirar o pescador do rio hoje é matar. Vocês estão ganhando bilhões para estar aqui. Como tocaram fogo nas nossas casas sem nem ter pagado a indenização? Isso extrapola tudo que é direito do cidadão.”

Um mês depois, os representantes das famílias expulsas se organizaram no Conselho Ribeirinho, com o objetivo de lutar pelos seus direitos e mudar os rumos da reocupação do beiradão.

[Rita] 

Aí daí começou esse movimento, então os próprios ribeirinhos se organizaram e daí houve a necessidade de criar o Conselho Ribeirinho.

[Isabel Seta] 

Para começar, eram eles que iam dizer quem era ribeirinho e quem não era. Eles iam fazer o seu próprio cadastro. A Rita, que é uma das conselheiras, resumiu a ideia: você me conhece, eu te conheço, num auto reconhecimento. Ou seja, os conselheiros foram organizando quem morava em qual área e consultando as famílias sobre quem eram seus vizinhos, há quanto tempo eles moravam lá, qual era o núcleo familiar e que atividades faziam. Se pescavam, viviam do conhecimento tradicional. Eles chegaram a 322 famílias, 100 famílias a mais do que a Norte Energia tinha listado antes. Mas era preciso fazer ainda mais, porque as áreas que a empresa pretendia oferecer também não eram adequadas.

O Conselho Ribeirinho, então, organizou expedições a partir de 2018, para fazer o seu próprio mapa. Usando seus conhecimentos, eles demarcaram os locais de extrativismo, trechos que ainda dava para pescar, pontos adequados para moradia e para roça, áreas de floresta e de capoeira, que é uma vegetação que nasce depois que a vegetação primária, original, é derrubada. Marcaram até os lugares dos paliteiros. Com essas informações, os beiradeiros fizeram a sua proposta para a empresa e para o Ibama: a criação de um Território Ribeirinho, formado por três porções de terras não contínuas nas duas margens do rio.

O Ibama aprovou a ideia e determinou que a Norte Energia apresentasse a sua contra-proposta. Meses se passaram. A resposta só veio quase no fim de 2018. A empresa oferecia uma área menor do que a que o Conselho Ribeirinho tinha reivindicado. Mas voltar para o beiradão era fundamental, urgente. Com algumas ressalvas, os beiradeiros resolveram aceitar. Era uma vitória gigantesca. Os beiradeiros tinham conseguido virar o jogo e colocar as suas regras para retomar o seu modo de vida e voltar para perto do seu rio.

A história poderia acabar aqui, né? Mas já se passaram quase sete anos desde a aprovação da proposta do território ribeirinho. E até hoje, as famílias beiradeiras estão esperando para serem reassentadas. Em sete anos, a Norte Energia não cumpriu todas as etapas necessárias. E até hoje, o Estado brasileiro também não conseguiu garantir o direito de retorno.

A dona Joana também é conselheira do Conselho Ribeirinho. Ela e o seu Lindolfo foram reassentados naquela primeira leva, a das 121 famílias definidas pela Norte Energia, quando ainda era a empresa que estava definindo quem tinha o direito de ser considerado beiradeiro. Eles perderam a ilha de Samaúma, que foi afogada, e receberam um ponto na margem do reservatório, numa área que a empresa tinha usado durante a construção da cozinha, um pátio para máquinas.

[Joana] 

Era só o capim e espinho.

[Isabel Seta] 

Não dava para viver como antes. Mas a dona Joana e o seu Lindolfo são plantadores de floresta. Quando eu conversei com eles em fevereiro, sentada na varanda da casa que eles ergueram com as próprias mãos, eu não via nem sinal de capim ou de espinho. Pelo contrário, a primeira coisa que eu reparei, quando a gente encostou na margem, foi nas muitas árvores no entorno da casa.

[Joana] 

A gente não derrubou, a gente só matou o capim na enxada…

[Lindolfo]

Arranquei o capim e plantei.

[Isabel Seta] 

E vocês plantaram o quê?

[Lindolfo] 

Nós plantamos um pouco de cacau, tem mandioca.

[Joana] 

Nós tem mogno, nós tem teca, nós ingá, nós tem pequi, pé de pequi que não existia mais, tem seringueira, tem muita coisa que a gente plantou. 

[Lindolfo] 

Aí pequi nós plantamos, esses pés de pequi quando nós chegamos, já estamos colhendo pequi já. Já, esse ano já deu.

[Joana] 

Plantamos seringueira, plantamos um bocado de coisa já.

[Lindolfo]

Porque sabe, durante 10 anos, se você não mexer muito, as árvores crescem, né? A gente vai plantando, vai ajeitando. 

[Isabel Seta] 

Essas seringueiras, eles plantaram na esperança de agradar os pacus, que gostam muito do fruto da árvore. O problema é que desde que o rio virou um reservatório, os pacus sumiram. A dona Joana e o seu Lindolfo plantaram também uma nova sumaúma, para homenagear a sua antiga ilha. Mas apesar de tudo isso, eles não podem abrir roça pra plantar mandioca, que é a base da dieta ribeirinha. É que o reassentamento foi feito nas margens do reservatório. E a margem de reservatório é a área de proteção ambiental permanente, APP. E por isso, tem várias limitações de uso. Como, no geral, são áreas pequenas e protegidas, elas não podem ser desmatadas. Então, para abrir a roça, é preciso ter uma autorização do poder público.

A Rita foi reassentada com mais 46 famílias em 2023, também numa área considerada de APP. Ela recebeu um ponto na margem, dentro de uma das porções do território ribeirinho. Ela ergueu uma casa, que pintou de azul celeste, com a porta amarela e detalhes em rosa. No entorno, plantou algumas florzinhas e temperos em vasos. Não pode fazer muito mais.

Para resolver esse problema, a proposta do Território Ribeirinho inclui áreas que vão ser de uso coletivo para abertura de roça. Acontece que essas áreas, hoje, são em sua maioria particulares, de produtores rurais. Ou seja, elas precisam ser compradas pela Norte Energia. O que, nos últimos sete anos, não aconteceu. Já tem até os decretos de utilidade pública para isso. Mas, nesse caso, as coisas não andam rápido.

Eu perguntei especificamente para Norte Energia porque que, até agora, essas áreas não foram compradas. A empresa não me respondeu. Já o Ibama me diz que tem acompanhado e demandado o cumprimento integral e tempestivo dessas obrigações. Por meio de documentos e reuniões com a Norte Energia e com os demais órgãos envolvidos: “com o objetivo de garantir a recomposição dos modos de vida das famílias ribeirinhas e a continuidade do reassentamento”. O Ibama diz também que “requer da Norte Energia o cumprimento das etapas previstas para aquisição das áreas lindeiras à APP, cuja regularização está em andamento”.

[Rita]

Eu vivo aqui, eu não destruo, porque eu sei que a PP tem que ser preservada. E ela tá na nossa Constituição Federal, assim também como tá o meu direito de ribeirinho, de comunidade tradicional, de permanecer no Beiradão. Né? Então, um erro não justifica o outro. São duas leis.

[Isabel Seta] 

Enquanto isso, a Rita vai sobrevivendo como pode. Se virando. Resistindo. Como a bromélia no meio dos paliteiros.

[Rita]

Hoje eu tô com o cartão lá na boca do caixa, vendo se já caiu os 1300 reais. Que ela paga por mês. Então, fiquei dependente daquilo. E não é isso que o ribeirinho quer. O ribeirinho quer viver, ter sua vida.

[Isabel Seta] 

Os 1.300 reais que a Rita fala se referem ao pagamento de um benefício que a Norte Energia precisa pagar pras famílias. Depender desse valor era algo impensável para ela antes da barragem.

[Rita] 

Então, você tinha fartura de peixe, a gente pescava pra vender continuamente. Então, rapidinho a gente ia encher uma caixa, duas caixas de peixe na rua, vendia e comprava o que não tinha. Ainda guardava dinheiro. Eu guardei dinheiro. Eu tinha dinheiro guardado quando a Norte Energia chegou lá na minha porta pra dizer que eu ia sair de lá. Porque eu pescava e o que sobrava eu tinha uma poupança.

[Isabel Seta]

Mas como aconteceu na Volta Grande, a transformação do rio mudou tudo. Se lá é água de menos, na região do território ribeirinho é água de mais. Com isso, várias espécies de peixe ou diminuíram muito ou desapareceram, como o pacu e o acari, que eles comiam assado nas praias no final de semana. A pesca, base da alimentação e da renda, foi totalmente afetada. E até hoje, centenas de pescadores, tanto da Volta Grande quanto da área do reservatório, estão lutando para poder receber uma indenização da empresa pela enorme perda que tiveram. E assim como acontece lá na Volta Grande, os projetos para mitigar esses impactos e gerar alguma renda pros ribeirinhos ou não saem do papel ou não chegam perto do que as famílias tinham antes.

[Joana] 

Nós não sabíamos nem como plantar cacau, que nós não nunca mexemos com isso, né?

[Isabel Seta] 

E não teve assistência?

[Joana]

Não teve.

[Lindolfo]

E agora a gente é obrigado a plantar.

[Joana] 

Eles falam que tem assistência. Eles chegam aqui: “Oi, boa tarde, bom dia, como é que tá por aí, tá tudo bem, aí vou embora”. Aí isso é assistência? Eu não chamo isso aí não. Eu chamo de visita. Passar, dar tchau e tchau. 

[Isabel Seta] 

Recentemente, em abril deste ano, 2025, a Norte Energia informou pro Ibama que, pra ela comprar as áreas privadas, precisa que sejam realizadas algumas “etapas prévias”, como a definição jurídica do futuro território ribeirinho e a elaboração de um procedimento para confirmar o real interesse de todas as famílias pelo projeto. Palavras da empresa.

São dez anos desde que os beiradeiros foram expulsos das ilhas. Dez anos de espera para centenas de famílias que só querem voltar pro Xingu e viver o mais próximo possível de como viviam antes de seus mundos serem transformados à força. Só que o tempo não espera. O que pode acontecer em dez anos de vida? Em dez anos dá tempo de casar, de ter filhos. Dá tempo de se separar e casar de novo. Dá tempo de bebês virarem crianças e adolescentes virarem adultos. Dá tempo de entrar e sair de vários empregos. Dá tempo de adoecer, envelhecer, morrer.

[Rita] 

O que eu acho mais grave em toda essa expulsão do ribeirinho com toda a sua tradicionalidade do beiradão são essas crianças. Tem criança com oito anos, nove anos, que nasceu em Altamira, que foi retirada do beiradão. Será que quando o pai dela voltar vai ser reassentado, essa criança vai ser? Foi um rompimento de laços, porque era pra aquela criança nascer no beiradão. Então ela já nasceu na cidade. E o pai doido querendo voltar pro beiradão, porque ele é de lá. E aí quando ele vier, será que o menino já tá acostumado à internet? Vai, ele não tem mais o vínculo. Foi uma extinção da nossa tradicionalidade. Isso tá acontecendo. Isso pra mim é o mais grave possível.

[Isabel Seta] 

É ainda mais grave se a gente parar para pensar que o discurso da empresa e do Estado era bem diferente. A conversa era de que Belo Monte ia trazer desenvolvimento, que ia melhorar a vida.

[Lindolfo] 

É, falaram que iam construir a barragem, ia ter uma mudança, mas a vida da gente ia melhorar mais do que a gente já vivia antes.

[Isabel Seta] 

Falaram que ia melhorar?

[Lindolfo] 

Era.

[Isabel Seta]

Mas disseram que ia melhorar como?

[Lindolfo] 

O empreendimento ia dar suporte pra gente melhorar de vida, né? Ia ser melhor, ia ter muitas coisas que eles só vinham informar a parte boa. A parte ruim eles nunca falaram pra ninguém que ia acontecer.

[Isabel Seta] 

Mas eles explicaram que ia acontecer isso? Que as ilhas iam sumir?

[Lindolfo] 

Não.

[Isabel Seta] 

Que ia virar esse lago?

[Lindolfo] 

Nada disso. Falaram que ia encher, né? Falaram que ia encher. Mas a gente morava aqui. Nasceu esse clima aqui. A gente nunca pensou que esse rio ia ficar desse jeito.

[Joana] 

Mudou muito. A situação mudou demais mesmo. Nossas vidas aqui da beira do rio mudou. Eu não acho que melhorou nada. Porque a nossa casa era de palha assim. Eu adoro minha casinha aqui de…

[Isabel Seta] 

É lindo esse telhado!

[Joana]

…de palha.

[Lindolfo] 

A nossa casa lá era assim

[Joana]

A nossa casa a vida toda foi de palha, fechadinha, então eu não acho, porque de tauba, de telha. Agora eles falaram assim, que a gente ia ter outra vida, né, uma vida melhor do que antes, mas tá sendo pior. Porque a vida de antes ela era muito mais boa do que hoje.

[Isabel Seta] 

É, né?

[Joana] 

Para mim era, porque Deus o livre, para mim antigamente era muito melhor do que hoje nós tá aqui, porque nós estávamos no que era nosso. Ninguém perturbava a gente. Nós tínhamos o peixe, comíamos o peixe que a gente queria.

[Isabel Seta] 

Podia escolher, né?

[Joana] 

Podia escolher.

[Isabel Seta] 

Naqueles dias, conversando com os beiradeiros, eu toda vez ficava impressionada com o jeito que eles falavam dessa vida de antes. De antes da usina. Um passado recente, mas que hoje parece muito distante. Todo mundo ficava com os olhos brilhando quando falavam do Xingu. A voz carregada de saudade. Mas a saudade tem dessas, né? Faz muitas vezes as coisas parecerem melhores do que realmente eram. Queria entender se era esse o caso. E perguntei pra Rita quais eram as dificuldades e os problemas que eles tinham antes. Nunca vou esquecer essa resposta:

[Rita] 

Bom, eu não consigo descrever um problema pra ti. De quando antes da barragem. Porque eu comia o peixe que eu queria. Eu pescava o peixe que eu queria. Eu ia pra Altamira se eu quisesse passar dois meses, três meses, quatro meses lá. Eu passava. Ninguém estava indo lá dizer: “óh, a Rita não tá na casa dela. Tá abandonado lá”. Se eu precisasse no caso. Entendeu? Não tinha ninguém me vigiando. Entendeu? Nós vivíamos. Nós tínhamos a nossa vida.

[Isabel Seta]

Pro Território Ribeirinho sair do papel, todas as famílias precisam que as áreas coletivas sejam compradas pela empresa e disponibilizadas para que eles possam abrir roça. E pelo menos 155 famílias ainda precisam ser reassentadas nas margens do Xingu.

[Rita] 

A gente luta mesmo. Com as unhas e dente pra ver se as coisas melhoram. E aí, é por isso que a gente não consegue entender. Eu acho que a gente já fez tanto. O projeto, ele tá prontinho. Ele não precisa mais de nada. Só precisa ser executado.

[Isabel Seta]

Tanto o Conselho Ribeirinho, quanto o Território Ribeirinho são inovações. Pra mim, eles mostram como é sim possível ter um processo participativo, representativo, feito de baixo pra cima. Para que os próprios impactados decidam como querem e devem ser reparados. É uma alternativa ao modelo vigente, em que alguém lá longe, em Brasília ou em São Paulo, formula uma política de reparação ou projeto de compensação. Só que sem ouvir as reivindicações dos atingidos.

[Rita]

É um projeto maravilhoso, porque seria uma forma de exemplo pras outras barragens. Quando eles fossem fazer, já poderia fazer da mesma forma. Já não fazer como eles fizeram com as pessoas aqui. Que nem eles fazem. A barragem faz isso, né?

[Isabel Seta]

Faz isso: afoga mundos. Expulsa as pessoas de onde elas viviam e não deixa elas voltarem. Mas não dá pra ser pelo menos um pouco diferente?

No próximo episódio, o último dessa série, a gente vai continuar na trilha dessa pergunta: não dava pra ser diferente? Belo Monte fez sentido? Te espero lá.

Xingu em Disputa é uma produção original da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. Para fazer essa série, eu li centenas de páginas de documentos oficiais e entrevistei mais de 25 pessoas. Algumas que você ouviu aqui. Deixo meu agradecimento a todas elas.

Esse podcast foi produzido e escrito por mim, Isabel Seta, que viajei à Altamira com apoio do Instituto Socioambiental. A edição dos roteiros é da Giovana Girardi, com colaboração da Cláudia Jardim. Sofia Amaral faz a direção da locução e a coordenação geral da série. A pesquisa de arquivos é da Rafaela de Oliveira, da Stela Diogo e minha. A locução foi gravada no estúdio da Agência Pública, com trabalhos técnicos da Stela Diogo e do Ricardo Terto. O design de som, edição e finalização são do Pedro Pastoriz, com trilhas sonoras do Epidemic Sound. A identidade visual é do Matheus Pigozzi. A equipe de divulgação é formada por Marina Dias, Lorena Morgana, Renata Cons, Leticia Gouveia, Ethieny Karen, Ester Nascimento, Edgar Chulve e Vanice Christine. Os sons de ambiente gravados em Altamira são do Instituto Socioambiental e foram captados pela fotógrafa Jennifer Bandeira. Raimundo da Cruz e Silva gentilmente cedeu áudios gravados na sua comunidade no Xingu. Muito obrigada por acompanhar a gente até aqui. Até o próximo episódio.

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