A resposta inicial de Donald Trump à condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses por tentar dar um golpe de Estado foi tímida, e pareceu mais voltada para si mesmo do que para seu aliado. “Bem, eu assisti àquele julgamento. Eu o conheço bem – líder estrangeiro [sic.]. Achei que ele era um bom presidente do Brasil, e é muito surpreendente que isso tenha acontecido, assim como tentaram fazer comigo, mas não conseguiram escapar impunes”, disse Trump.
Já a reação imediata do Secretário de Estado dos EUA, Marcos Rubio, foi bem mais colérica – e um exercício de hipocrisia misturado à ironia. “As perseguições políticas do violador de direitos humanos Alexandre de Moraes continuam, já que ele e outros membros da Suprema Corte do Brasil decidiram injustamente pela prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro”, declarou ele no X. Em seguida, acrescentou: “Os Estados Unidos responderão de acordo com essa caça às bruxas.”
Rubio acaba repetindo a mesma narrativa que Trump usa para se defender de qualquer crítica: toda medida legal contra ele é uma perseguição pessoal. Além disso, o secretário também usa os direitos humanos para denunciar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que é no mínimo irônico, pelo fato de Bolsonaro ter feito carreira política descredibilizando justamente os defensores dos direitos humanos. Bolsonaro não apenas elogiou a tomada de poder em 1964 e a política estatal de tortura durante a ditadura em seu voto pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, como também, no início de sua carreira política, lamentou que as Forças Armadas não tivessem matado 30 mil opositores do regime.
É difícil imaginar que outras medidas o governo Trump podem impor para defender seu aliado, tendo já imposto tarifas de 50% sobre muitos produtos brasileiros como forma de pressionar o governo a interferir no julgamento, e tendo cancelado os vistos americanos de 8 dos 11 juízes da Suprema Corte. No entanto, Eduardo Bolsonaro, que parece ter uma ligação direta com pelo menos algumas autoridades que cercam Trump, promete que há mais por vir.
A afirmação de Rubio de que o Brasil está à beira de se tornar uma ditadura reflete uma superioridade que muitos formuladores de políticas dos EUA têm em relação ao Brasil, que remonta às ações conspiratórias do embaixador americano Lincoln Gordon, em apoio ao golpe militar de 1964 em nome da democracia.
Mas o Brasil não é o único alvo dos Estados Unidos. Infelizmente, em todo o mundo, há uma longa e sistemática história de autoridades acreditando que o sistema de governo americano é superior a todos os outros. Essa narrativa enfatiza que os Estados Unidos são o “líder do mundo livre” e concedem aos seus políticos o direito de interferir nos assuntos internos de outros países considerados antidemocráticos. Em parte, a justificativa para essa noção está enraizada no que é conhecido como “excepcionalismo americano”.
Pintura Progresso Americano (1872), de John Gast, é uma representação alegórica da modernização do novo oeste
O destino “divino” dos EUA
Desde o início do século 19, políticos, intelectuais, líderes religiosos e até mesmo observadores estrangeiros dos EUA têm argumentado que havia algo único ou “excepcional” nos Estados Unidos. As razões variaram. Para alguns, era devido aos vastos recursos naturais e à vasta extensão territorial. Outros argumentavam que a nação tinha uma bênção divina e, por isso, seu sistema político, valores democráticos e desenvolvimento histórico a destinavam a desempenhar um papel especial no mundo.
O filósofo político francês Alexis de Tocqueville foi talvez a primeira pessoa a articular sistematicamente essa visão em sua obra clássica, Democracia na América, que comparou a nação recém-formada às potências do Velho Mundo, como a Grã-Bretanha e a França: “A posição dos americanos é, portanto, bastante excepcional, e pode-se acreditar que nenhum povo democrático jamais será colocado em uma situação semelhante.”
Ao longo do século 19, os livros didáticos de história dos EUA elogiaram a singularidade do país como um exemplo para o mundo. A ideologia conhecida como Destino Manifesto justificou o movimento de colonos para o oeste para ocupar terras indígenas. Além disso, apesar das palavras ousadas e magnânimas da Declaração de Independência de que “todos os homens [sic.] são criados iguais”, a instituição da escravidão só foi abolida após uma sangrenta guerra civil.
A conquista de terras mexicanas e a crescente influência dos EUA na América Central e no Caribe coincidiram com essa ideia sobre a singularidade dos Estados Unidos como uma nação democrática única. Na virada do século 20, durante a era da expansão imperial, a ocupação de Cuba, Porto Rico, Filipinas e as ilhas havaianas, e posteriormente o envolvimento dos EUA na Primeira Guerra Mundial, reforçaram a crença nesse papel especial.
A ideologia do excepcionalismo americano foi especialmente fortalecida com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria. O hemisfério norte estava basicamente dividido em dois sistemas econômicos e políticos distintos, e a cultura política dominante nos Estados Unidos afirmava ser inequivocamente superior aos dois.
Os Estados Unidos, vitoriosos na derrota do fascismo na Europa Ocidental e no Japão, tornaram-se a principal potência industrial do Ocidente. Houve um aumento sem precedentes no padrão de vida das classes média e trabalhadora americanas, comprovando mais uma vez a posição especial dos Estados Unidos no mundo. Apesar do racismo institucional persistente que continuou a separar os cidadãos negros no sul em um sistema semelhante ao Apartheid, a prosperidade do país alimentou a expectativa de que o “sonho americano” oferecia consumo desenfreado, acessível a todos os que viviam lá.
A União Soviética, que derrotou o fascismo no Leste ao custo de 20 milhões de baixas civis e militares, consolidou a hegemonia na Europa Oriental em regimes socialistas centralizados sob o controle de partidos comunistas ou operários.
O sul global, conhecido como terceiro mundo na época, tornou-se o campo de batalha entre esses dois blocos de poder, no qual ambos os lados disputavam os corações e mentes das nações que buscavam alcançar o desenvolvimento econômico e social que admiravam no norte global.
Em 1964, o Brasil foi uma vítima trágica desse conflito mundial, pois os Estados Unidos optaram por apoiar um regime autoritário em nome da democracia para impedir uma possível mudança na lealdade da nação. Foi uma atitude cínica, imbuída de um feroz anticomunismo e do desejo de manter a hegemonia econômica dos EUA na região.
No final da década de 1960, poderosos interesses capitalistas perceberam que os altos salários concedidos aos trabalhadores industriais americanos reduziam suas margens de lucro e, por isso, aumentaram os investimentos no exterior. Em número crescente, fábricas americanas se mudaram para países estrangeiros, onde mão de obra mais barata poderia garantir lucratividade contínua e uma enxurrada de bens de consumo nos Estados Unidos.
Embora muitas pessoas pensem que o principal objetivo da iniciativa do presidente Richard Nixon para a China em 1972 era estabelecer novos mercados para produtos americanos, o processo acabou oferecendo mão de obra barata e uma força de trabalho rigidamente controlada, capaz de produzir produtos baratos para consumidores americanos e de outros países.
De muitas maneiras, a transferência do poderio industrial dos EUA para o exterior levou, em última análise, às vitórias eleitorais de Trump. Milhões de filhos e netos de trabalhadores sindicalizados, antes bem pagos, encontram-se atualmente em empregos de baixa remuneração no setor de serviços e se consideram menos abastados do que as gerações anteriores.
O movimento Make America Great Again (MAGA) lhes dá a esperança de que possam retornar a uma prosperidade há muito perdida. A retórica de Trump é apenas uma promessa nostálgica de retorno a um passado glorioso e excepcional.
Trump e outros políticos de direita culpam os negros pela decadência dos Estados Unidos, que, segundo eles, vivem do Estado de bem-estar social e dos impostos de cidadãos brancos. Além disso, o presidente prega que milhões de trabalhadores imigrantes que entram ilegalmente no país roubam os empregos daqueles que já vivenciam a mobilidade descendente.
Até mesmo os recentes ataques da Suprema Corte à ação afirmativa e o desmantelamento, por Trump, dos programas de “diversidade, igualdade e inclusão”, projetados para superar desigualdades raciais históricas, são instrumentalizados para culpar pessoas de cor pelo declínio do padrão de vida dos cidadãos brancos.
A solução mágica de Trump para reindustrializar, impondo altas tarifas aos parceiros comerciais para promover o retorno da produção aos Estados Unidos, é ilusória. Da mesma forma, a tentativa de expulsar um milhão de imigrantes indocumentados por ano para que cidadãos americanos possam assumir seus empregos de baixa remuneração é uma promessa que não trará nenhuma melhoria tangível em suas vidas. Se os apoiadores do MAGA aceitarem esses empregos, eles, assim como os trabalhadores latinos expulsos dos Estados Unidos, dificilmente ganharão o suficiente para sobreviver.
Protesto contra a guerra do Vietnã, nos EUA, Virginia, em 1967
O declínio do império americano
O consenso da Guerra Fria em apoio à política externa dos EUA, baseado em uma crença incondicional no excepcionalismo americano, começou a ruir na década de 1960. Dezenas de milhões de jovens protestaram contra a política externa dos EUA no sudeste asiático no final da década de 1960 e início da década de 1970. A oposição à intervenção americana na América Central na década de 1980 levou milhões às ruas. O presidente George W. Bush enfrentou uma oposição massiva à sua guerra no Iraque na década de 1990.
A virada autoritária sob Trump agora leva comentaristas políticos a argumentarem que os Estados Unidos não são diferentes de outros países liderados por ditadores. O termo pejorativo “República das Bananas”, antes usado apenas para descrever ditaduras na América Latina, agora é empregado para apontar a natureza autocrática do atual governo. Os críticos de Trump reconhecem, com razão, que a perseguição política aberta a políticos, juízes e funcionários do governo nos Estados Unidos não é diferente daquela que ocorre na Nicarágua, Hungria ou Rússia.
Nesse sentido, é digno de nota que líderes do Partido Democrata no Congresso, como Jim McGovern, da Comissão de Direitos Humanos Tom Lantos, e Sydney Kamlager-Dove, presidente da Bancada Brasileira da Câmara dos Deputados, tenham aplaudido a condenação de Bolsonaro. Um artigo de opinião recente do New York Times reconheceu que, diferentemente do Brasil, os Estados Unidos não conseguiram responsabilizar Trump por sua tentativa de anular os resultados das eleições americanas de 2022. Apresentadores de TV a cabo e jornalistas de esquerda de todo o país que comentaram o julgamento repetem esse argumento.
A maioria dos americanos não sabe praticamente nada sobre o Brasil, mas, com o aumento significativo do preço de uma xícara de café, muitos podem se perguntar quem é o culpado. Embora a Casa Branca possa intensificar seus ataques ao Brasil, há um pequeno, mas surpreendentemente crescente, sentimento de que o Brasil, e não os Estados Unidos, é o país excepcional que precisa ser imitado.
Afinal, é provável que Bolsonaro cumpra pena na prisão ou em prisão domiciliar, enquanto Trump permanece livre para destruir seu país e causar danos infinitos ao mundo.