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Começamos uma semana crucial na política brasileira com uma certeza – Jair Bolsonaro será condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – e muitas incertezas. Entre elas, como vai agir o governo americano diante da inevitável condenação do seu protegido. A Casa Branca convidou Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo para irem a Washington durante o julgamento e alimentá-los de informações.
Interlocutores têm enviado recados pela imprensa de que podem ampliar as sanções ao vivo – incluindo mais ministros do STF afetados pela Lei Magnitsky ou maiores tarifas a produtos brasileiros. Por outro lado, um tribunal de apelações decidiu, na semana passada, que a maior parte das tarifas impostas por Donald Trump são ilegais porque foram acionadas com base em uma pretensa “emergência internacional”.
No meio disso, fica a embaixada americana em Brasília, que tem cada vez mais se pronunciado publicamente apenas com postagens panfletárias do nível: “o ministro Moraes é o coração pulsante do complexo de perseguição e censura contra Jair Bolsonaro, que, por sua vez, tem restringido a liberdade de expressão nos EUA” ou “enquanto o presidente Trump estiver no comando, pessoas e empresas sob jurisdição dos EUA têm a garantia de que nenhum governo estrangeiro será autorizado a censurar a liberdade de expressão das pessoas e das empresas sob a jurisdição dos EUA em solo americano. Nenhum juiz brasileiro, nem qualquer outro tribunal estrangeiro, tem poder para anular a Primeira Emenda. Ponto final”.
A primeira é de autoria de Darren Beattie, subsecretário de Estado para a Diplomacia Pública, e o segundo, de Christopher Landau, vice-secretário de Estado dos Estados Unidos. São textos que fogem completamente da tradição da diplomacia mundial. Outra publicação que ilustra essa nova postura agressiva e claramente anti-diplomática foi lançada ontem na conta oficial da embaixada no Twitter:
“Uma jornada inesquecível para qualquer lugar, menos aqui – só com a ICE Air. Está nos EUA ilegalmente? Reserve sua passagem só de ida para casa hoje mesmo por meio do aplicativo CBP Home”.
Foram-se os anos em que o vazamento do WikiLeaks levava a revolta porque, por trás das portas da embaixada, embaixadores recebiam uma procissão de políticos de oposição pedindo ajuda em complôs para golpes de Estado, como ocorreu no Paraguai antes do impeachment de Fernando Lugo. Dá saudade, até, da discrição daqueles velhos embaixadores.
Mas é claro que não se transforma um dos corpos diplomáticos mais influentes do mundo em um bando de influenciadores inflamatórios do time MAGA [Make America Great Again é um slogan de campanha popularizado por Trump] do dia para noite, então procurei fontes que já trabalharam para o governo americano para entender que raios aconteceu com o serviço diplomático.
A primeira coisa a entender, diz John Feeley, ex-embaixador de carreira e oficial sênior para América Latina no Departamento de Estado, é que nenhum dos tuítes tresloucados da embaixada em Brasília é de autoria do corpo diplomático. “Todas as embaixadas foram instruídas a retuitar tudo que vier do sétimo andar”.
O sétimo andar do prédio do Departamento de Estado, em Washington, é onde fica o escritório do secretário de Estado Marco Rubio, e dos oficiais mais graduados. “O sétimo andar foi lotado do pessoal do MAGA. E os funcionários de carreira não podem revisar nem editar os tuítes. Nem mesmo Marco Rubio tem esse poder”.
Muitos dos tuítes mais inflamados sobre o Brasil são de autoria de Darren Beattie, amigo de Jason Miller, assessor de Trump e fundador da rede social Gettr, aliado de muitos anos de Eduardo Bolsonaro que chegou a financiar eventos na campanha eleitoral brasileira de 2022. Ele faz parte da “cota” de Steve Bannon imposta a Marco Rubio. Rubio, aliás, tem trajetória própria e prefere escolher as batalhas que lhe interessam – como é o caso de Cuba e da Venezuela. Como comentei na semana passada, o time MAGA do departamento de Estado tem um só projeto para o Brasil: tornar Eduardo Bolsonaro presidente.
Segundo Paulo Figueiredo tem dito em suas lives, “nós temos muitos amigos no Departamento de Estado”.
É através do que pensa Darren Beattie que a embaixada tem se comunicado. A situação é ainda mais complexa por dois fatores: a ausência de um embaixador no Brasil desde janeiro e a demissão em massa de funcionários do corpo diplomático dentro do plano de “enxugamento” da máquina pública. Mais de mil funcionários foram demitidos e outros 1500 entraram no plano de demissões voluntárias. “Eliminaram expertise e estão tentando minar ainda mais os experts da diplomacia”, diz um ex-membro do governo americano que preferiu não ser identificado.
“Eles acham que as agências e a burocracia do governo americano são inimigos do Trump, vêem eles como adversários. Então o que fizeram desde o começo foi centralizar toda a comunicação na Casa Branca e na cúpula do Departamento de Estado”. Por isso, as embaixadas “têm que tuitar textualmente o que eles recebem, mesmo sabendo que a informação é incorreta, não faz sentido, ou está prejudicando interesses dos Estados Unidos”.
A estratégia é tornar a política internacional, também, uma guerra de narrativas, viralizável online. Até a diplomacia foi algoritmizada, assim como os demais aspectos da política trumpista. É uma lógica circular: a diplomacia serve para ameaçar, levar a ações na vida real, mas também serve para “testar as águas” e fazer testes A/B seguindo a lógica do marketing digital.
O dono dessa política é Ricardo Pita, conselheiro sênior para assuntos do Hemisfério Ocidental – um funcionário de segundo escalão que conquistou os holofotes quando visitou Jair Bolsonaro em sua casa em maio deste ano, como parte da comitiva oficial americana liderada pelo chefe interino de coordenações de sanções, David Gamble.
Uma ação que seria considerada um desastre em qualquer serviço diplomático sério, por irritar o governo do país que se visita, mas que no mundo da nova diplomacia de Trump torna-se regra. Fortalecer os “subs” tem sido uma estratégia deliberada.
Para manter uma estrutura caótica deste tipo funcionando, é preciso cortar cabeças. E foi exatamente o que fez o governo Trump, segundo John Feeley. “O governo Trump retirou a autoridade política dos Secretários Adjuntos, como o Secretário Adjunto para as Américas, cargo que eu já ocupei. Eles substituíram os Assistentes de cada uma das seis regiões geográficas por nomeados políticos leais e, ocasionalmente, por indivíduos de carreira com o título de SBOs (Oficial Sênior do Gabinete), um título inventado que não precisa ser referendado pelo Senado”, explica. “As embaixadas ainda contam com muitos diplomatas de carreira, mas essas pessoas são impotentes. Todo o poder está concentrado na Casa Branca”.
Assim como no Brasil, onde o servidor mais sênior é o chargé d’affaires Gabriel Escobar,
Mas a coisa é planejada, e não casual: até maio deste ano, mais de cem posições de embaixadores estavam vazias, segundo reportagem do site Político. O resultado, segundo Feeley, é que “você não pode esperar um processo organizado dentro do Departamento de Estado. Não existe um verdadeiro processo político”.
Se a coisa está feia para nós, também está para o corpo diplomático, segundo o ex-membro do governo com quem conversei. “Eles não têm mais os canais normais de comunicação com a liderança para fazer seu trabalho. As portas estão sendo fechadas também para eles. A interlocução normal que eles teriam com outros governos está sendo bloqueada pela Casa Branca”.
Assim como em todas as outras esferas da sociedade, a pergunta que fica é se existe alguma resistência dentro da diplomacia americana. Para John Feeley, não é simples: “Praticamente todos os diplomatas dos EUA são genuínos democratas com “D” minúsculo e apolíticos em seu trabalho, mas eles não se manifestam por um de três motivos: eles não acham que têm o direito de criticar o presidente dos Estados Unidos; eles têm medo de represálias; eles estão esperando silenciosamente para se aposentar o mais rápido possível com todos os benefícios da aposentadoria.”
O resultado, como sabemos, pelo menos aqui no Brasil, tem sido o oposto do desejado: em vez de ajudar a situação de Jair Bolsonaro, o time MAGA está gerando o efeito contrário, aumentando o apoio popular à sua prisão e ampliando a popularidade do presidente Lula. “Eles não entendem o Brasil”, resume o ex-servidor. “O governo Trump avalia que essas duas pessoas [Eduardo e Paulo] representam a direita do Brasil, o que não é verdade”.
Em termos globais, a transformação da diplomacia em um “clube MAGA” terá prejuízos de longo prazo, segundo meus dois entrevistados.
Para nós, a coisa é simples: podemos nos preparar para mais tuítes esdrúxulos durante as próximas semanas. E, certamente, mais retaliações vindas da Casa Branca.