Investigação chocante conduzida por policiais da 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas) revelou um esquema sistemático de tortura, abuso sexual e manipulação psicológica liderado por um pai de santo. Os crimes bárbaros eram cometidos por Leonardo Laurindo da Silva, conhecido como “Derick”, um líder religioso de 34 anos, que atuava em um terreiro de Umbanda e Candomblé erguido no quintal da família das vítimas.
A operação deflagrada nesta terça-feira (7/10) acabou na prisão preventiva do religioso e descortinou uma rede de violência que se estendeu por mais de nove anos, envolvendo adultos e crianças.
O flagelo, que se arrastou por quase uma década, atingiu diretamente cinco vítimas, incluindo crianças, adolescentes e adultos, integrantes da mesma família. As histórias foram registradas em depoimentos cheio de detalhes e documentos da investigação. Segundo relatos colhidos durante a apuração policial, a mãe das crianças, de 47 anos, cedeu um espaço em sua propriedade para que Leonardo comandasse um barracão religioso. Inicialmente, a vítima descreveu Leonardo como uma pessoa confiável, mas, gradualmente, ele começou a exercer controle absoluto sobre ela, seus filhos e outros integrantes da família.
Leia também
-
Facção tortura e mata adolescente enforcado após suspeita de “traição”
-
Abuso e tortura: em 7 meses, 970 crianças sofreram violência doméstica no DF
O primeiro mecanismo de dominação identificado foi emocional: após a mulher se separar do marido, Leonardo se apresentou como conselheiro e amigo, ganhando total confiança. Mas, lentamente, a relação se transformou em instrumento de manipulação. Leonardo passou a utilizar suas alegadas incorporações de entidades para justificar agressões verbais e físicas, e para alienar a mulher dos filhos, impondo uma dependência emocional e espiritual completa dele.
Imposição do terror
O padrão de violência era sistemático e cruel. As giras, ou rituais, começaram a ocorrer inicialmente uma vez por semana, mas evoluíram para dias consecutivos de atividade intensa, durante os quais a família era submetida a agressões, humilhações e abusos sexuais. A vítima descreveu episódios de enforcamento, tapas no rosto, arremesso de objetos e até agressões aos filhos, incluindo um menino, de 7 anos, à época, que teria sofrido abusos sexuais e agressões físicas severas.
Em depoimento aos policiais, o garoto relatou que Leonardo, durante a noite, o obrigava a deitar junto dele, lambia sua orelha e apalpava suas nádegas, chegando a tentativas de penetração, configurando crime de estupro de vulnerável. A filha da mulher, com 11 anos à época, também sofreu abusos, incluindo beijos à força durante rituais.
Participantes do barracão eram obrigados a ficar nus, receber cheiros e toques de outros membros, além de exposições públicas de constrangimento sexual. A mãe das crianças chegou a ser humilhada com comentários sobre seu corpo e obrigada a provar que não tinha “odores desagradáveis” sob ordens diretas do líder religioso.
Rede maligna
Além do abuso direto, o relatório descreve uma rede de intimidação: seguidores do terreiro filmavam e monitoravam horários e deslocamentos da família, perpetuando o clima de medo mesmo após denúncias formais. A manipulação espiritual e a ameaça de retaliações “no mundo espiritual” mantinham as vítimas presas ao ciclo de violência por quase uma década.
O controle psicológico era intensificado por ameaças espirituais e físicas. Leonardo afirmava que entidades espirituais puniriam qualquer tentativa de fuga ou denúncia, garantindo que as vítimas permanecessem sob seu domínio.
A dona do terreno detalhou a escalada de agressões e manipulação. A vítima relatou que Leonardo manipulava suas crenças, culpando as “entidades” por seus atos, fazendo-a acreditar que a culpa era dela mesma.
Os relatos das crianças e adolescentes mostram um quadro de abuso sexual e físico extremo, incluindo enforcamentos, afogamentos, queimaduras, agressões com facão, imposição de nudez e constrangimento coletivo. A vítima descreve agressões recentes, mostrando que a rede de violência persistia mesmo após o início das denúncias.
Sistema de tortura
A investigação revela que Leonardo operava não apenas como abusador individual, mas como chefe de um verdadeiro sistema de tortura doméstica e religiosa. Ele utilizava:
- Autoridade espiritual para justificar violência e controlar a comunidade;
- Ameaças físicas e psicológicas para manter vítimas em silêncio;
- Extorsão financeira através de taxas, multas e contribuições obrigatórias;
- Sadismo e humilhação em atos repetidos, incluindo mutilações, queimaduras e exposição sexual;
- Isolamento das vítimas, separando-as de redes de proteção como familiares, amigos e instituições escolares.
Ação da PCDF
O caso foi registrado e investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), com base em depoimentos detalhados das vítimas, familiares e testemunhas. Foram reunidos elementos suficientes para caracterizar múltiplos crimes graves, incluindo estupro de vulnerável, tortura, lesão corporal, constrangimento, extorsão e abuso sexual infantil.