O corpo até sobrevive por curtos períodos sem comer ou se hidratar, mas respirar é o ato mais imprescindível para a vida. Por isso, a sensação de não conseguir encher os pulmões de ar é uma das mais traumatizantes para Fernando Araújo, 74 anos. O aposentado vive em Guarulhos (SP) e parou de fumar há 12 anos.
Ele segue enfrentando as consequências dos mais de 40 anos de tabagismo que o fizeram desenvolver um quadro grave de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Ao longo deste tempo, o ex-professor também aprendeu que é possível manter uma vida ativa após o diagnóstico desta grave inflamação crônica dos pulmões.
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Os primeiros sinais de que a respiração dele não ia bem surgiram em 2012. Na época, Fernando lecionava língua portuguesa em São Paulo e notava cansaço extremo ao caminhar entre os prédios da universidade. “Achei que era sedentarismo. Eu trabalhava em três períodos, não tinha hábito de fazer exercício e considerava normal me sentir cansado”, lembra.
A fadiga começou a aumentar a ponto de Fernando se sentir cansado não só ao caminhar, mas também ao fazer atividades cotidianas. Até para tomar banho ele se sentia cansado. “Eu saia do banho e parecia que tinha acabado de fazer uma meia maratona. Foi um alerta para buscar o pneumologista logo”, diz.
Após os primeiros exames, os quadros que mais assustavam Fernando, como a possibilidade de ter um tumor ou manchas escuras no pulmão, foram descartadas, mas o órgão apresentava lesões típicas de quem havia fumado, incluindo a DPOC.
A frase do médico ficou gravada na memória dele: “Se você está com essa fadiga hoje, imagina daqui a cinco anos?”. “Naquele momento eu percebi que era fundamental parar de fumar. Saí do consultório e joguei fora a minha carteira de cigarro e resolvi que não iria mais fumar. Foi uma decisão tomada com o medo e foi o medo que me motivou a me manter longe do cigarro”, afirma.
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Fernando ao lado da esposa, Maria Regina
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O casal acompanhado do irmão e da cunhada de Fernando em viagem para Fortaleza, onde o professor ficou internado para evitar uma nova pneumonia
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O professor acompanhado da esposa, a fisioterapeuta e o personal trainer
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Rotina adaptada pós tabagismo
Não foi só o hábito de fumar que teve que mudar no dia a dia de Fernando. Desde o diagnóstico ele tornou sua vida muito mais ativa. Mantém tratamento com medicamentos inalatórios e fisioterapia respiratória duas vezes por semana, e também faz exercícios supervisionados com um personal trainer, sempre com foco na respiração.
O cuidado diário é fundamental para recuperar parte da capacidade respiratória, embora as consequências permaneçam. “Pessoas com DPOC são mais vulneráveis a doenças respiratórias e a doença é progressiva, a capacidade respiratória tende a não ser recuperada. Além disso, o paciente costuma apresentar crises que podem ser graves, exigirem hospitalização e representam um alto risco de uma piora irreversível da condição.”, explica o pneumologista Rafael Faraco, do Einstein Hospital Israelita, médico de Fernando.
Mesmo com disciplina, em 2023 Fernando enfrentou três internações em um ano com ligação com a DPOC: teve pneumonia, embolia pulmonar e após uma gripe em uma viagem, foi internado preventivamente para não sofrer uma nova pneumonia. “Infelizmente, não consigo recuperar a capacidade que perdi. Mas posso cuidar do que ainda tenho”, afirma.
A doença e os impactos invisíveis
A DPOC é hoje a terceira causa de morte no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2019. O tabagismo é responsável por cerca de 80% dos casos. Tosse persistente, pigarro e falta de ar mesmo em atividades simples são sinais de alerta.
“Os sintomas aparecem devagar e são subestimados”, diz Faraco. “Muitos acham que tossir ou se sentir cansado é normal, mas isso indica inflamação e perda de função pulmonar”. O diagnóstico precoce é essencial para evitar danos permanentes.
O pneumologista lembra que fatores como poluição, exposição à fumaça de lenha e infecções repetidas na infância também aumentam o risco. “É fundamental investigar cedo, pois o diagnóstico precoce aumenta muito a eficácia do tratamento, que envolve o uso de terapias inalatórias e remédios para diminuir a perda da função pulmonar”, completa o médico
Os tratamentos mais comuns incluem broncodilatadores, corticoides e oxigênio domiciliar. “Mesmo com as terapias padrão, até metade dos pacientes pode continuar tendo exacerbações”, explica o pneumologista.
Uma boa alternativa para os pacientes com DPOC, além do tratamento medicamentoso, é manter as vacinas em dia, especialmente aquelas que enfrentam infecções respiratórias como gripe, Covid-19 e pneumonia.
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Cada vez mais popular no Brasil, o vape, cigarro eletrônico ou e-cigarrette tem se tornado um verdadeiro fenômeno entre os jovens. O produto, geralmente, tem aparência semelhante a de um cigarro comum, mas também pode ser encontrado em formato de pen drive ou caneta
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Em uma embalagem colorida, com sabores diferentes, sem o cheiro ruim do cigarro tradicional e com uma grande quantidade de fumaça, os produtos são muito comuns, especialmente, entre pessoas de 18 a 24 anos, apesar de serem proibidos no Brasil
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No geral, o produto é composto por bateria, atomizador, microprocessador, lâmpada LED e cartucho de nicotina líquida. Esses mecanismos são responsáveis por aquecer o líquido que produz o vapor inalado pelos usuários
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Apesar de serem bastante usados no mundo inteiro e, inicialmente, tenham sido introduzidos no comércio como uma alternativa para os cigarros comuns, os vapes são perigosos para a saúde, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM)
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Os médicos afirmam que os cigarros eletrônicos são “uma ameaça à saúde pública” e oferecem ainda mais riscos do que os cigarros comuns, além de serem porta de entrada dos jovens no mundo da nicotina
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Esses especialistas afirmam que o filamento de metal que aquece o líquido é composto de metais pesados que acabam sendo inalados, como o níquel, substância cancerígena
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Ainda segundo os especialistas, o líquido produzido pelo cigarro eletrônico tem pelo menos 80 substâncias químicas consideradas perigosas e responsáveis por reforçar a dependência na nicotina
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Além disso, o uso diário de cigarros eletrônicos causa estado inflamatório em vários órgãos do organismo, incluindo o cérebro. Novas pesquisas indicam que a utilização também pode desregular alguns genes e fazer com que o usuário desenvolva uma condição chamada EVALE, lesão causada pelo produto nos pulmões
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O neurologista Wanderley Cerqueira, do Hospital Albert Einstein, explica que os efeitos no usuário variam dependendo da nicotina e dos sabores líquidos, que influenciam a forma como o corpo responde às infecções. Segundo ele, vapes de menta, por exemplo, deixam as pessoas mais sensíveis aos efeitos da pneumonia bacteriana do que outros aromatizantes
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O especialista alerta que as células imunológicas parecem ser desativadas à medida que os pulmões são continuamente encharcados com produtos químicos. Esse processo enfraquece as defesas do organismo contra ameaças como pneumonia ou câncer
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Ainda segundo o médico, mesmo os vapes sem sabor são perigosos. Isso porque eles possuem outros aditivos químicos em sua composição, como propilenoglicol, glicerina, formaldeído e a própria nicotina, que causa câncer
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Uma pesquisa da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, encontrou níveis perigosos de toxinas em produtos usados para conferir sensação mentolada em cigarros eletrônicos. Foram verificados problemas em várias marcas dessas substâncias mas, principalmente, na Puffbar, uma das mais populares do mundo
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Os cientistas encontraram níveis das toxinas WS-3 e WS-23 acima dos considerados seguros pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no fluido do produto. Dos 25 líquidos analisados, 24 tinham WS-3, por exemplo
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As substâncias são usadas em aditivos alimentícios para dar o “frescor” do mentolado sem o sabor de menta, mas não devem ser inaladas. Elas são encontradas também em produtos nos sabores de manga ou baunilha
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Vida nova, mas com limites
Fernando aprendeu a adaptar a rotina à DPOC. Evita locais poluídos, mantém a vacinação em dia e segue o acompanhamento multidisciplinar recomendado. “Minha fisioterapeuta conversa com o personal trainer para ajustar os exercícios à minha respiração”, explica.
“Eu valorizo tudo na minha rotina hoje em dia, poder viajar, poder estar com meus netos. De vez em quando, ainda tenho complicações por conta das mudanças de temperatura, mas procuro manter uma vida saudável”, afirma.
Ele reforça a importância da decisão que mudou sua vida. “Nunca é tarde para você recuperar um padrão de vida razoável. É possível ter esperança e o tratamento, embora não cure, ajuda muito”, afirma o professor. Hoje, ele respira com mais consciência, no ritmo que o corpo permite.
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