Apagões em SP: sem investimento em distribuição de energia, falta de água não tem solução

“Porque viver sem energia todo mundo vive, agora sem água eu quero ver”. Embora a frase de Jefferson Nascimento, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) especialista em gerenciamento de recursos hídricos esteja certa, muitos paulistas e paulistanos enfrentaram por dias, neste mês, a falta combinada de energia e de água.

Após o vendaval com ventos de mais de 90km/h, na quarta-feira, 10 de dezembro, a queda de energia afetou não apenas imóveis da Grande São Paulo, mas, também, os equipamentos que garantem o abastecimento de água em diversos pontos da região.

Nos dois dias que se seguiram à ventania, a Sabesp informou por nota que na cidade de São Paulo pelo menos dez regiões e bairros adjacentes enfrentaram falta de abastecimento de água. Na Grande SP, 14 cidades foram afetadas. Caminhões-pipa foram distribuídos em “Vila Formosa, Vila Romana, Cangaíba, Americanópolis, Parelheiros, Osasco, Embu-Guaçu, Mauá, Taboão da Serra, Itapecerica da Serra e Cotia”, diz a nota da concessionária.

Resolver o problema, segundo os especialistas ouvidos pela Agência Pública, é mais complicado do que parece e envolve investimentos na infraestrutura de distribuição de energia.

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e mestre em Engenharia Hidráulica e Saneamento, Antônio Giansante, entende que priorizar a segurança das redes em lugares mais vulneráveis quando ocorre a queda de energia, como os bairros que ficam no alto, e nos reservatórios da Sabesp que dependem de energia elétrica, é fundamental. “E a população não fica, além de faltar energia elétrica, como a gente está vendo, faltando água também, o que é péssimo”, afirma.

Por que isso importa?

  • Nos últimos 5 anos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aplicou R$ 374 milhões em multas a Enel SP por conta da má prestação de serviços.
  • Estudo da Federação do Comércio de bens, serviços e turismo do estado de São Paulo (FecomércioSP) mostra que o setor perdeu ao meno R$ 1,54 bilhão em função da falta de energia após o vendaval que atingiu São Paulo.

Já Nascimento alerta que os problemas enfrentados pelos moradores da Grande São Paulo tendem a se tornar cada vez mais comuns, diante dos eventos climáticos extremos, causados pelo aquecimento global. “Se faz necessário um planejamento e ações emergenciais rápidas que consigam sanar problemas operacionais, que, talvez, no futuro bem próximo, tornem-se muito mais recorrentes”, avalia.

Problemas serão solucionados com investimento na distribuição

Os apagões em São Paulo não se devem pela falta de produção de energia, mas por problemas na distribuição das redes elétricas que utilizam um sistema antigo que necessita de investimentos para serem atualizados, afirma Antônio Giansante. “Precisa investir muito nos sistemas atuais de distribuição de energia para que eles fiquem mais preparados, inclusive, para essas questões climáticas que a gente está vendo acontecer”, afirma.

“A dependência da sociedade é por energia, sem a energia tudo para”, salienta Jefferson Nascimento. Segundo ambos os professores, em um mundo em que as mudanças climáticas impõem impactos diretos na vida da população, as vulnerabilidades da distribuição de rede de energia elétrica em São Paulo ficam cada vez mais aparentes.

Giansante e Nascimento apontam que uma rede elétrica subterrânea seria a mais favorável para São Paulo. “A solução de você enterrar e ter redes mais modernas na forma de distribuição de energia é fundamental, só que isso custa bem mais do que você ter a rede aérea”, avalia Giansante.

O enterramento da rede elétrica vem sendo discutido desde 2014, quando o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) elaborou um projeto para enterramento da fiação pública, retomando o decreto de 2006, do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), que obriga concessionárias de serviços públicos a enterrar 250 km lineares de cabos por ano. O projeto não foi bem visto na época.

Durante a gestão de João Dória (eleito pelo PSDB e hoje sem partido) houve a promessa de enterrar 52 km de fios em 117 vias do Centro de São Paulo, mas não foi concluída. O atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), em sua primeira gestão, também se comprometeu a aumentar a quantidade de quilômetros de fios enterrados na capital para 65km. 

Hoje, o percentual de áreas com a rede subterrânea feitas pelo Projeto SP Sem Fios é considerado pequeno pelo prefeito Ricardo Nunes. Em agosto deste ano a prefeitura de São Paulo entregou 47 km de fios subterrâneos do projeto, que prevê 65,2 km de fios enterrados. Nunes, durante uma entrevista no Roda Viva, programa da TV Cultura, ao ser perguntado porque existe uma demora de um plano de enterramento, alegou que a cidade “não tem os recursos necessários para fazer este investimento de forma acelerada”.

Para o professor da Universidade Mackenzie, tendo em vista que os custos de uma rede subterrânea são altos e considerando que os postos de energia também são usados pelos sistemas de comunicação e fibra óptica, precisa existir um planejamento que inclua um cronograma de priorização.

“Onde que a gente vai priorizar? Poderia priorizar, por exemplo, os bairros ou as partes dos bairros onde o abastecimento de água depende da energia elétrica. A gente precisaria ter um planejamento bem adequado para atender principalmente aqueles pontos críticos onde a população ficaria mais vulnerável”, entende Giansante.

Jefferson Nascimento também defende a diminuição paulatina da dependência que as concessionárias de água têm das concessionárias de energia. Ele explica que para isso é necessário usar energias alternativas e limpas, “porém a quantidade necessária é muito alta e o investimento muito dispendioso”, pondera o professor.

O mercado livre de energia, onde empresas comprar energia elétrica diretamente das geradoras, é um possível passo para o futuro, mas para momentos de apagões “pode onerar as contas de água como um todo”, acrescenta.

Emergencialmente, Antônio Giansante ainda destaca a necessidade de priorização dos reservatórios da Sabesp no momento do apagão. De fato, na Resolução Normativa 1000/2021, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), na definição de “serviços ou atividades essenciais: aqueles cuja interrupção coloque em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” temos como primeiro item “tratamento e abastecimento de água”.

A Pública procurou a Aneel, que deve fiscalizar a Enel, para saber se o religamento das unidades da Sabesp que necessitam de energia para bombear água foram priorizadas e quais os prazos concedidos à concessionária de energia para isso. As questões foram enviadas na última terça-feira, 16 de dezembro, e não foram respondidas até a publicação desta reportagem. Caso a agência se manifeste, o texto será atualizado.

Atual responsável pela distribuição de energia em São Paulo, a Enel tem enfrentado problemas e críticas seguidas desde 2023. Em 2024, quando a Assembleia Legislativa de São Paulo entrou com uma CPI contra a empresa após o apagão em 2023 que deixou a cidade sem energia por seis dias. Na época, a Enel prometeu um investimento de R$ 6,2 bilhões para a melhoria da infraestrutura de distribuição de energia elétrica na cidade de São Paulo. Já em junho deste ano, a Enel planejou investir, entre 2025 e 2027, R$10,4 bilhões para melhoria dos serviços de energia. 

Mesmo com as promessas de investimento, a Enel corre o risco de não conseguir renovar seu contrato, que vence em 2028, com o estado de São Paulo. A questão foi discutida em uma reunião no último dia 16, entre Ricardo Nunes, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD).

Geradores não são o suficiente para garantir abastecimento

Diante desse cenário, Giansante considera a utilização de geradores pela concessionária de água insuficiente para resolver o problema, mesmo em um cenário emergencial. “Para pontos altos, a gente tem bombas de linha boosters que para funcionarem precisam ter sempre energia elétrica. Não dá para você colocar gerador em cada uma dessas bombas porque além de ser caro é complicado operacionalmente. Então, é melhor a gente contar com redes de distribuição [de energia elétrica] confiáveis”, afirma o professor.

“Um gerador de energia não é eficiente, [não é] o suficiente para esses casos. A proporção para abastecer uma bomba de 200 a 500 cavalos é muito complicada”, concorda Nascimento.

Nascimento explica que existem duas formas de abastecer uma cidade. Uma utiliza o reservatório por gravidade e as casas são abastecidas do alto para baixo A outra, quando a água está na parte mais baixa, necessita que a água seja bombeada.

Antônio Giansante complementa que para esse segundo modelo funcionar, só com muita energia elétrica. “É a energia de pressão”, diz. É primordial para que a água suba [para os bairros mais altos] e tenha pressão, que exista energia elétrica. [Ela alimenta] a bomba e transforma energia elétrica em energia de pressão, e por isso que a água sobe. Então, os sistemas de saneamento, de abastecimento de água, realmente ficam vulneráveis com falta de energia”, afirma.

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