Jair Bolsonaro numa mesma semana foi obrigado a passar a usar tornozeleira eletrônica, foi proibido de se comunicar com o filho, deputado federal licenciado atualmente vivendo nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro, e teve a condenação por tentativa de golpe de Estado pedida pela Procuradoria Geral da República. Poucos tiveram uma semana tão pesada quanto a do ex-presidente, mas o Brasil inteiro sentiu sucessivos golpes que podem influenciar nos rumos políticos e econômicos de toda a nação.
Os deputados aprovaram a PEC dos precatórios e a PL da devastação enquanto assistiram o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a decisão deles sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o presidente Lula vetar o aumento de vagas para deputados federais. Tudo isso enquanto os Estados Unidos abriram investigação contra o Brasil para impor sanções extras além do tarifaço de 50% que passa a valer (se nada mudar até lá) daqui a 13 dias. Em pronunciamento à nação na noite desta quinta-feira (17), Lula chamou o tarifaço de chantagem e criticou “traidores da pátria” que apoiaram a decisão americana.
Para navegar nessa verdadeira “semana de dois meses”, preparamos um guia com os 10 principais fatos para entender a conjuntura nacional e explicar como chegamos aqui.
Tornozeleira do caos
O ex-presidente Bolsonaro terá que usar tornozeleira eletrônica e ficar dentro de casa à noite e nos fins de semana, sem poder postar nas redes sociais. Ele foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) nesta sexta-feira (18) por suspeita de obstrução de Justiça e coação no curso do processo que apura tentativa de golpe de Estado, na qual é réu, além de ataque à soberania nacional.
A decisão partiu do ministro do STF Alexandre de Moraes e inclui ainda a proibição de que Bolsonaro se comunique com outros investigados, incluindo o próprio filho Eduardo Bolsonaro, com embaixadores e diplomatas ou mesmo que se aproxime de embaixadas — pedido que não vem em vão, levando em conta que o ex-presidente já buscou a embaixada da Hungria entre 12 e 14 de fevereiro de 2024, temendo ser preso.
Em nota, a defesa do ex-presidente, hoje réu no STF por tentativa de golpe, alegou ter sido surpreendida com a ação da PF logo pela manhã, em sua residência em Brasília. “A defesa do ex-Presidente Jair Bolsonaro recebeu com surpresa e indignação a imposição de medidas cautelares severas contra ele, que até o presente momento sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário”, afirmou.
Bolsonaro teve o passaporte apreendido em fevereiro de 2024. Ainda assim, parlamentares denunciaram possível risco de fuga, na semana passada. Em um dos pedidos de providências, os deputados federais pelo PT, Rogério Correia e Lindbergh Farias, pedem medidas cautelares diante do que consideram uma possibilidade de fuga de Bolsonaro do país. “Notadamente a proibição de se ausentar de Brasília sem autorização judicial, proibição de se aproximar de Embaixadas estrangeiras instaladas no território nacional, bem como o seu monitoramento eletrônico”. Segundo a assessoria de Rogério Correia, o deputado não recebeu confirmação formal se foi o seu pedido que ensejou a ação cautelar contra Bolsonaro, “mas as providências são as mesmas que solicitamos”, informou a assessoria.
Durante as buscas, a PF apreendeu US$ 14 mil em espécie na residência do ex-presidente, que em coletiva de imprensa disse ser uma “suprema humilhação” o uso de tornozeleira eletrônica.
Anistia para quem?
Na segunda-feira (14), a Procuradoria-Geral da República já havia pedido a condenação de Bolsonaro e mais sete réus do principal núcleo da trama golpista que culminou no ataque às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.
O procurador-geral, Paulo Gonet, defendeu em suas alegações finais que o ex-presidente e os demais réus fossem condenados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração do patrimônio público.
Após ter o pedido de condenação a 43 anos de reclusão, Bolsonaro protagonizou um momento marcante na noite de terça-feira (15), após perder o controle durante uma entrevista ao canal de TV CNN Brasil sobre a tentativa de golpe após as eleições de 2022. Na ocasião, ele se descontrola e xinga, negando a existência de golpe. “Agora querem me prender por tentativa de golpe. Que golpe, p*rra? Que golpe? Sem tropa, sem armas, sem Forças Armadas, com coitados na rua, mulher idosa presa, uma covardia o que fazem com essas pessoas”, disse Bolsonaro, aumentando o tom de voz.
Relação estremecida
Em meio ao pedido de sua condenação, Jair Bolsonaro ainda teve que lidar com a crise instaurada pela relação do filho Eduardo com um de seus mais poderosos aliados, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Ao Poder360, o ex-presidente disse que conversou com ambos ao telefone para “colocar uma pedra” na tensão que se instaurou. “Não podemos dividir”, disse.
Eduardo Bolsonaro cobrou Tarcísio de expressar mais apoio e menos moderação no discurso. Ele esperava mais apoio do governador paulista em relação às cobranças ao governo federal para ceder às imposições exigidas por Donald Trump, que, na semana anterior, impôs tarifas de 50% ao Brasil caso o processo contra Jair Bolsonaro não fosse extinto. Tarcísio adotou postura de diálogo com o governo federal e acabou criticado por seus aliados mais extremados, que exigiam mais lealdade.
O que resta dizer?
Também na segunda-feira (14), o STF deu início às oitivas das testemunhas dos núcleos 2, 3 e 4 da tentativa de golpe de Estado relacionadas ao 8 de janeiro. Defesa e acusação seguem sendo ouvidas até 23 de julho, por videoconferência, incluindo o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro tenente-coronel Mauro Cid, que depôs na condição de informante, por ter firmado acordo de colaboração premiada.
Bateu, levou?
Na terça-feira (15), o governo federal publicou um decreto assinado por Lula regulamentando a Lei da Reciprocidade Econômica. A norma estabelece que o país pode suspender concessões comerciais, acordos e obrigações referentes à propriedade intelectual para contra-atacar medidas de barreiras comerciais impostas unilateralmente por outros países.
Não é coincidência. A lei passa vigorar a partir de 1º de agosto, mesma data em que o tarifaço de 50% de Trump passa a valer para o Brasil.
Sobrou até para 25 de março
Na mesma terça-feira (15), Trump ordenou que os Estados Unidos abrissem uma investigação comercial contra o Brasil. O pix e até mesmo a 25 de março entraram na mira das críticas do presidente norte-americano, que prometeu novas sanções — além do tarifaço de 50% prometido para o dia 1º de agosto. Também em pronunciamento à nação na na quinta-feira (17), Lula disse “não aceitaremos ataques ao pix e vamos protegê-lo”.
A ação, no entanto, passa longe de ser por acaso. O departamento de comércio dos Estados Unidos, inclusive, já recebeu um relatório de autoria de associação financiada por gigantes da tecnologia como Meta, Google e Amazon, que andam insatisfeitas com os rumos de decisões brasileiras há algum tempo, passando desde a suspensa PL das fake News até as determinações sobre IA e data centers, como já mostrou a Agência Pública.
In STF we trust
O STF restabeleceu o decreto presidencial que previa o aumento do IOF na quarta-feira (16). A suspensão, aprovada no Congresso em 25 de junho, foi mantida apenas nas operações de risco sacado — quando há uma antecipação de crédito. O estabelecimento do IOF era uma das apostas do governo federal para equilibrar as contas públicas e pode render cerca de R$ 11,5 bilhões ao erário, segundo a CNN.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes atendeu pedido do governo federal e pelos partidos Liberal (PL) e Socialismo e Liberdade (Psol). A exceção do risco sacado se deu porque o ministro entendeu que o decreto presidencial invadiu os poderes do Congresso de regular a questão por lei. A liminar ainda será avaliada em plenária do tribunal, que se encontra em recesso, em data ainda a ser definida.
513 é melhor que 531
Nesta quinta-feira (17), o presidente Lula vetou integralmente o projeto de lei complementar 177/2023 que aumentaria as vagas para deputados federais de 513 para 531 por alegar que a medida seria inconstitucional e contrária ao interesse público.
O governo destacou que o PLP poderia representar gastos adicionais a estados e municípios, em violação ao artigo 27 da Constituição Federal. Como mostrou a Pública, o efeito cascata da medida nos estados poderia custar mais de R$ 845 milhões por ano aos cofres públicos.
O texto retorna agora ao Congresso Nacional, que pode derrubar o veto se formar maioria absoluta em sessão conjunta.
No bolso
Falando em Congresso e economia, Câmara e Senado tomaram mais uma decisão importante nesta semana. Na quarta-feira (16), uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023 que retira do teto de gastos as dívidas do governo reconhecidas pela Justiça (precatórios) foi aprovada no Senado, um dia após passar também na Câmara. Ela passa a valer a partir de 2025, sendo considerada fora do cálculo da meta fiscal. Na prática, isso significa abrir espaço para R$ 34 bilhões no orçamento e flexibilizar a destinação de recursos para áreas prioritárias.
Bom demais? Há controvérsias. A PEC reabre prazos para o parcelamento de dívidas estaduais e das prefeituras com a Previdência e limita o pagamento dos precatórios, mas também pode gerar mais descontrole sobre esses pagamentos, colocando em risco a segurança financeira não apenas dos credores, mas também dos aposentados, já que, segundo parte dos críticos, a medida estimula o calote por parte de gestores públicos.
Por outro lado, há um benefício do qual pouco se fala. A proposta também permite que a União destine até 25% do superávit financeiro de fundos públicos para projetos de enfrentamento ou adaptação às mudanças climáticas. A PEC precisa ser votada em segundo turno para ser promulgada.
Em pleno dia da floresta
Na madrugada de quinta-feira (17), em um plenário esvaziado, a Câmara dos Deputados, sob comando de Hugo Motta (Republicanos-PB), ignorou os apelos e aprovou o texto apelidado de “PL da Devastação”, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que altera o processo de licenciamento ambiental por 267 votos a favor e 116 contra.
Como definiu a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que até o fim batalhou para adiar a votação a fim de buscar um acordo para a elaboração de um novo texto, o projeto “fere de morte um dos principais instrumentos de proteção ambiental do país”. Não à toa, foi apelidado de “mãe de todas as boiadas”. Já que ele implode o processo e torna o licenciamento no país mais exceção do que regra. Agora, a pressão recaí sobre o presidente da república que pode sancionar, vetar ou vetar parcialmente o texto. Como explicou à Pública em entrevista nesta semana, Fabio Feldmann, autor do capítulo sobre meio ambiente da Constituição, o PL da Devastação quer levar Brasil “de volta para a década de 1960”.