Raphael Athayde de Souza, 38 anos, não imaginava que um gesto de solidariedade feito em 2012 mudaria tanto sua vida e salvaria outras pelo caminho. Naquele ano, um amigo de infância chamado Ronald recebeu o diagnóstico de leucemia e mobilizou os colegas do bairro em Vitória (ES) para que os vizinhos se cadastrarem como doadores de medula óssea no Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea).
Ronald infelizmente não resistiu, mas Raphael manteve o compromisso de ajudar outras pessoas: tornou-se doador de sangue regular e ficou inscrito como doador de medula. O que ele não esperava era ser chamado três vezes ao longo da vida para doar, um fato raro que mostra como sua compatibilidade genética pôde fazer a diferença no mundo.
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A primeira chamada foi a mais surpreendente, mas a segunda aconteceu em dezembro de 2024, poucos dias antes do Natal. Raphael a viu como um presente de Deus. “Foi tão tranquilo e rápido que fiz a doação no hospital Santa Rita, que fica ao lado da minha casa. Entrei e saí andando tranquilamente”, conta. Na ocasião, a medula foi enviada aos Estados Unidos no mesmo dia e, pelo pouco que os protocolos de sigilo permitem saber, provavelmente ajudou uma criança.
Poucos meses depois, uma terceira ligação trouxe a mesma missão: doar vida. Desta vez, o procedimento foi realizado em Brasília, no Hospital DF Star, e exigiu uma coleta maior, feita por meio de um cateter na veia femoral. “Foi uma experiência incrível poder ajudar mais uma vida e uma família inteira que é salva junto com a pessoa”, diz.
Técnica moderna
Apesar de parecer difícil, o procedimento foi simples. Raphael explica que a coleta foi feita por aférese, um método moderno em que o sangue passa por uma máquina que separa as células-tronco e devolve o restante ao corpo.
“Precisei ficar algumas horas conectado ao equipamento, com anestesia local e sem dor alguma. Saí caminhando depois da doação e mantive apenas um repouso físico de 15 dias”, relata. Todo o processo foi custeado pelo Redome, incluindo hospedagem e deslocamento.
De acordo com a hematologista Maria Cristina Seiwald, do Hospital Sírio-Libanês, o transplante de medula óssea é essencial no tratamento de doenças graves do sangue, como leucemias, linfomas e mieloma múltiplo. Pode ser feito com células do próprio paciente (autólogo) ou de uma doador compatível (alogênico), e é justamente encontrar esse doador que representa o maior desafio.
Fora da família, a chance de compatibilidade plena é de cerca de 1 em 100 mil. Por isso, a manutenção e expansão do Redome são fundamentais.
“Embora tecnicamente uma pessoa possa doar mais de uma vez, isso é muito raro. O Raphael é um caso especial, com uma genética compatível com diferentes pacientes e muita disposição para ajudar”, afirma Seiwald. O procedimento salva vidas, mas também traz riscos para quem recebe a medula, como rejeição do enxerto e infecções graves, que exigem acompanhamento rigoroso em centros especializados.
Raphael Athayde de Souza, 38 anos, já doou medula óssea três vezes e administra uma página no Instagram que reúne doadores de todo o país, com mais de 47 mil seguidores
Hoje, Raphael coordena um projeto chamado FlamedulaES, inspirado em um grupo nacional que reúne doadores e torcedores do Flamengo. O objetivo é incentivar mais pessoas a se cadastrarem como doadoras de medula e sangue.
“Minha frase de vida é: ‘Um coração bom é a melhor religião’. Quero que meus filhos tenham orgulho do pai deles, não pelo dinheiro, mas pelo legado que deixo nas pessoas”, afirma. Para ele, o maior ensinamento é que salvar uma vida é mais simples do que muitos imaginam. “Uma picada de agulha não dói nada perto da dor de quem tem poucos dias de vida”, diz.
Para ser doador voluntário, basta ter entre 18 e 35 anos, estar saudável e procurar um hemocentro para fazer um simples exame de sangue. Os dados ficam no Redome e, caso haja compatibilidade com algum paciente, a pessoa pode ser chamada a doar.
“A sensação é de ser um super-herói da vida real. E qualquer pessoa pode ser também” “Doem medula. Doem sangue. Doem vida!”, finaliza Raphael.
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