Em entrevista à imprensa na manhã desta quarta-feira (29) sobre a operação no Rio contra a facção criminosa Comando Vermelho, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), desinformou ao afirmar que o Executivo estadual não pode solicitar a decretação de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
Apesar de só poder ser determinada pelo presidente da República, a medida — adotada durante crises de segurança pública — pode ser, sim, solicitada por governadores, conforme prevê a legislação. A pedido do próprio Castro, inclusive, o governo federal decretou a medida durante a Cúpula dos Brics, ocorrida no Rio neste ano.
Por que isso importa?
Governadores podem solicitar decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ao presidente, conforme previsto na Constituição e em lei complementar.
O governo federal confirmou que não houve solicitação formal de GLO, necessária para as Forças Armadas atuarem em operações policiais.
Valor de R$ 16 bilhões em investimentos citados por Castro inclui gastos com pessoal de polícias, bombeiros e presídios.
O governador também inflou os investimentos no combate ao crime ao alegar que o orçamento para a medida seria de R$ 16 bilhões. A cifra corresponde ao valor total previsto para a função segurança pública, que inclui encargos e pagamento de servidores.
A ação policial ocorrida na última terça-feira (28) — a mais letal já registrada no Brasil — resultou em ao menos 121 mortos e 113 presos até o momento, de acordo com a contagem oficial do governo do estado. O número de óbitos difere do balanço da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro, que aponta ao menos 132 vítimas.
Confira abaixo, em resumo, o que checamos:
É FALSO que os governadores não podem solicitar a aplicação da GLO. A legislação permite que os chefes estaduais do Executivo façam o pedido ao governo federal, o que foi corroborado por especialistas consultados pelo Aos Fatos;
Também não é verdade que o governo estadual investiu R$ 16 bilhões no combate ao crime. O montante corresponde ao total dos recursos previstos pelo Executivo para a segurança pública, incluindo as secretarias de Defesa Civil e Corpo de Bombeiros e de Administração Penitenciária.
A declaração é FALSA. Diferentemente do que alegou Castro, a legislação vigente (confira aqui e aqui) estabelece que os governadores — assim como os presidentes do STF (Supremo Tribunal Federal), do Senado e da Câmara — podem solicitar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ao presidente da República, que é o único com poder de decretá-la.
A GLO é um dispositivo constitucional que permite às Forças Armadas exercerem papel de polícia. Sua aplicação está prevista em situações como crises de segurança pública, greves policiais, crises humanitárias, eventos de grande porte e ondas de violência.
“Os governadores podem — e, em determinadas situações, devem — solicitar a atuação das Forças Armadas por meio de uma GLO. O que não podem é impor essa atuação ou fazê-la de forma unilateral”, afirmou ao Aos Fatos Dinovan Dumas, especialista em direito criminal e sócio da MFBD Advogados.
Em uma GLO os militares exercem de forma temporária funções semelhantes às da polícia, com a finalidade de restabelecer a ordem pública e garantir a segurança da população, explica a advogada Vera Chemin, especialista em direito constitucional. Trata-se, portanto, de uma medida tomada em situações excepcionais.
Em junho, por exemplo, o próprio Castro solicitou o emprego das Forças Armadas, por meio de GLO, durante a Cúpula dos Brics. O dispositivo foi acionado pelo presidente Lula para garantir a realização do evento. A medida foi adotada ainda durante a Cúpula do G20, que também ocorreu no Rio.
Ao longo dos últimos anos, governadores de diversos estados solicitaram à Presidência da República a decretação da GLO:
Em novembro de 2010, o então governador do Rio, Sérgio Cabral, solicitou que a medida fosse aplicada para garantir o apoio das Forças Armadas a operações de combate a uma onda de criminalidade na capital. O pedido foi atendido pelo presidente Lula;
Em julho de 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) acatou um pedido de GLO solicitado pelo governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB), para reforçar a segurança pública estadual;
Em maio de 2018, Temer também decretou a GLO em todo o país para desbloquear rodovias em razão de uma paralisação feita por caminhoneiros;
Em fevereiro de 2020, o governador do Ceará enviou um ofício ao Executivo federal solicitando uma GLO em razão da crise na segurança pública decorrente da paralisação de policiais militares. Na época, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) acatou o pedido.
A solicitação de aplicação da GLO é feita por ofício encaminhado pelas unidades da federação ao presidente da República ou ao Ministério da Defesa. A medida também pode ser adotada diretamente pela Presidência, sem necessidade de acionamento por membros do Executivo estadual ou de outros poderes.
A declaração do governador foi dada um dia após Castro alegar que o estado estaria agindo “sozinho” contra o crime organizado, já que o governo Lula teria negado a cessão de blindados da Marinha para operações de segurança. Em resposta às críticas, o Executivo federal afirmou que as estruturas só poderiam ser disponibilizadas em caso de GLO e que nenhum pedido foi formalizado.
Em janeiro, o governador do Rio solicitou blindados ao Ministério da Defesa para que atuassem na segurança pública estadual, o que foi negado. O pedido foi encaminhado à AGU (Advocacia-Geral da União) que elaborou um parecer contrário à solicitação. Segundo o órgão, o governador precisaria solicitar uma GLO, o que não foi feito.
Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, juntamente com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, durante entrevista coletiva para falar sobre ação policial da Operação Contenção, contra o Comando Vermelho
Intervenção federal
Em 2018, o então presidente Michel Temer decretou intervenção federal no Rio — medida diferente da GLO. Para a aplicação da medida, é nomeado um interventor, que assume a gestão da segurança estadual e fica subordinado ao presidente da República. O interventor não fica sujeito a normas estaduais que entrarem em conflito com medidas necessárias à execução de sua função.
O governador desinforma ao sugerir que o estado estaria investindo R$ 16 bilhões para “asfixiar” as organizações criminosas atuantes na região. A declaração é incorreta, porque a cifra equivale a todo o orçamento destinado pelo Executivo à função da Segurança Pública, e não apenas aos investimentos diretos no combate ao crime.
Segundo a LOA (Lei Orçamentária Anual) 2025, são estimados R$ 19,4 bilhões em despesas na área — R$ 16,6 bilhões desses custeados com recursos do tesouro estadual. Do total, R$ 575 milhões são investimentos e R$ 18,8 bilhões são despesas correntes da função.
No detalhamento das despesas, é possível ver que a maior parte dos gastos do estado são com pessoal e encargos sociais (R$ 15,8 bilhões estimados).
Dentro da função Segurança Pública, há também órgãos sem relação direta com o combate ao crime, como a Secretaria de Estado de Defesa Civil e Corpo de Bombeiros e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, cujos orçamentos foram estimados em R$ 2,9 bilhões e R$ 1,8 bilhão, respectivamente.
Outro lado
Aos Fatos procurou o governo do estado do Rio de Janeiro para que o governador Cláudio Castro pudesse comentar as checagens, mas não houve retorno. A reportagem será atualizada em caso de resposta.
O caminho da apuração
A reportagem consultou a Constituição, decretos e dados oficiais para verificar as declarações do governador sobre a GLO e o orçamento da segurança. Também ouvimos especialistas, entre eles os advogados Dinovan Dumas e Vera Chemin. Por fim, analisamos a LOA de 2025 e o Portal da Transparência do Rio para comparar o total destinado à área com os investimentos diretos no combate ao crime. Aos Fatos abriu espaço para a manifestação de Cláudio Castro, o que não ocorreu até o momento da publicação desta reportagem.