A Secretaria de Proteção de Ordem Urbanística (DF Legal) identificou que, a chácara onde ocorreu o incêndio que matou cinco pessoas, na zona rural do Paranoá, não estava prevista no licenciamento da empresa.
Em nota, a DF Legal explica que o alvará de funcionamento apresentado pela empresa, mostrava que a chácara de número 470 era o terreno identificado pelos serviços clínicos. Desde 2022, ela possuía o licenciamento para a prestação dos serviços clínicos. Entretanto, a chácara em que ocorreu o incêndio tem a identificação de número 420. Ela fica a apenas 500 metros da clínica, também interditada nesta segunda por falta de autorização da Vigilância Sanitária para operar.
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De acordo com a nota da DF Legal, a informação de que o local funciona há cinco meses se justificaria por algumas possibilidades, ainda a serem conferidas: a clínica fez uma expansão não autorizada para a 420 há cinco meses; ou a clínica fechou durante esse período na 470 e foi transferida para 420, sem informar os órgãos responsáveis pela fiscalização.
Segundo a pasta, em 2024 foi feita uma fiscalização na clínica em que todas as licenças foram apresentadas. Contudo, os documentos se referiam a apenas a chácara 470, que demonstrava regularidade. Essa mesma licença venceu em julho deste ano e, desde então, não foi renovada, o que caracteriza o funcionamento da clínica como irregular.
Uma outra filial da clínica, localizada em Sobradinho, foi interditada pela Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal), em julho de 2024, por estar funcionando sem licença.
Falta de segurança
Responsável pela segurança de um dos terrenos próximos à clínica, o caseiro Werbeth Carvalho, 34, contou ao Metrópoles sobre a quanto tempo a clínica funciona e sobre a falta de segurança do local.
“Eles tão aqui faz dois anos. Já aconteceu neste meio tempo, vários episódios dos internos fugirem e tentaram pular o muro daqui. Já vi até os funcionários na beira do muro tentando ver se os internos tinham entrado aqui”, relatou o caseiro.
Werbeth ainda acrescentou que o terreno da chácara 420 foi alugado para ampliação de forma irregular e os serviços de lá são “a mesma coisa da outra”.
Cinco pessoas morreram no trágico incêndio no Instituto Terapêutico Liberte-se, na madrugada de domingo (31/8). Além dos cinco óbitos, houve 11 pessoas socorridas e levadas para hospitais, com sinais de intoxicação, ferimentos e queimaduras. Segundo a Secretaria de Saúde, na manhã desta segunda-feira (1º/9), duas vítimas seguiam internadas no Hospital da Região Leste (HRL) e sete no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN). Duas receberam alta.
As vítimas são:
- Darley Fernandes de Carvalho, 26 anos;
- José Augusto Rosa Neres, 39 anos;
- João Pedro Costa dos Santos Morais, 26 anos;
- Daniel Antunes Miranda, 28 anos; e
- Lindemberg Nunes Pinho, 44.
Imagens aéreas feitas pelo Metrópoles mostram a destruição provocada pelo incêndio. Visto de cima, é possível perceber o quanto o local foi tomado pelo fogo, que acabou destruindo grande parte do telhado da residência. Na clínica, residiam 46 dependentes químicos em recuperação.
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A clínica de reabilitação para dependentes químicos localizada no Núcleo Rural Desembargador Colombo Cerqueira, no Paranoá, pegou fogo por volta das 3h do último domingo. Cerca de 20 pessoas estavam trancadas dentro do local onde as chamas se alastraram. As outras 26 estavam na parte externa da casa, em outra edificação.
Veja as imagens do local:
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O Instituto Terapêutico Liberte-se, casa de reabilitação de dependentes químicos no Paranoá (DF), pegou fogo na madrugada deste domingo (31/8), por volta das 3h.
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Darley Fernandes de Carvalho, José Augusto, Lindemberg Nunes Pinho, Daniel Antunes e João Pedro Santos morreram no local.
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Atualmente, a clínica contava com mais de 20 internos
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As causas do início do fogo são desconhecidas. A 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) investiga o caso
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O Corpo de Bombeiros conteve as chamas e levou as vítimas aos hospitais regionais de Sobradinho (HRS) e da Região Leste, no Paranoá (HRL)
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O que se sabe sobre o caso
- O Instituto Terapêutico Liberte-se, casa de reabilitação de dependentes químicos no Paranoá, pegou fogo na madrugada de domingo (31/8), por volta das 3h.
- Cinco pessoas morreram e ao menos 11 ficaram feridas.
- Havia 20 internos dentro do local atingido pelo fogo.
- As causas do início do fogo são desconhecidas. A 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) investiga o caso.
- O Corpo de Bombeiros conteve as chamas e levou as vítimas aos hospitais regionais de Sobradinho (HRS) e da Região Leste, no Paranoá (HRL). Não se sabe o atual estado das vítimas.
O Corpo de Bombeiros conteve as chamas e levou os sobreviventes aos hospitais regionais de Sobradinho (HRS) e da Região Leste, no Paranoá (HRL).
Os feridos têm entre 21 e 55 anos. Somente as iniciais e a idade foram divulgadas. Veja:
D.S., 24 anos;
L.G., 21 anos;
L.S., 21 anos;
M.D., 28 anos;
J.G.S.J., 30 anos;
R.S., 44 anos;
M.S., 24 anos;
E.G.S., 33 anos;
R.F.M., 33 anos;
G.S.D.S.Q., 34 anos; e
R.Q., 55 anos.
Trancados
Além de a unidade estar trancada no momento do incêndio, as janelas da clínica têm grades de ferro, o que impediu a fuga das vítimas. Esses dois fatores dificultaram, ainda, o salvamento delas, segundo testemunhas.
Um dos internos que conseguiu se salvar narra momentos de terror vividos durante a tragédia. Daniel Fernandes, 24 anos, contou ao Metrópoles que estava dormindo quando internos de outro quarto pediram ajuda.
“Levantamos desesperados e fomos. Quando eu vi a sala, percebi que o fogo havia se alastrado enquanto todo mundo gritava por socorro, pedindo para não deixar que eles morressem”, lembrou Daniel.
Nesse momento, Daniel, outros internos e um coordenador do instituto saíram em busca de objetos para quebrar as grades das janelas.
“Vi um rapaz sendo queimado e um se arrastando enquanto o corpo dele pegava fogo. Outro interno estava quase desmaiando por causa da fumaça, quando o fogo alastrou e começou a cair por cima dele”, lembrou. “Fiquei em estado de choque, muito triste.”
Outro paciente, Luís Araújo do Nascimento, 57, contou à reportagem que o incidente era tragédia anunciada. “Não foi por falta de aviso. “[O local] estava fechado, sem porta de incêndio, sem extintor, sem precaução alguma. E nenhum deles [os internos] foi treinado para trabalhar com combate a incêndio”, afirmou.
Assista ao depoimento:
Clínica clandestina
O proprietário e diretor da clínica, Douglas Costa de Oliveira Ramos, 33 anos, confessou, em depoimento à PCDF, que solicitou o alvará de funcionamento do local, mas a autorização não foi expedida ainda. O instituto também não obteve aprovação de licenciamento do Corpo de Bombeiros, que nem sequer fez a vistoria nas construções.
A clínica clandestina funcionava no local havia cinco meses, segundo Douglas. O tratamento oferecido consistia na internação de dependentes químicos por seis meses, com visitas mensais e ligações semanais aos familiares. Em 12 de julho do ano passado, a clínica teve uma das filiais interditada pela Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal).
Ainda no depoimento, o dono do local disse que dormia em um quarto do lado de fora da clínica, quando foi acordado pelos internos, e acionou o Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF) assim que percebeu o incêndio.
Ramos confirmou que a única porta de entrada e saída da clínica estava trancada com cadeado, segundo ele, em razão de furtos anteriores sofridos.
Sergio Rodrigo Gomes, 38 anos, voluntário que trabalha na Liberte-se, também estava na clínica na madrugada desse domingo (31/8). Foi ele quem recebeu a chave de um interno chamado Ronaldo e conseguiu destrancar o cadeado da porta de entrada e saída, segundo depoimento, após muita dificuldade. Ele contou que ajudou a quebrar janelas e grades para salvar as vítimas e que chegou a se queimar, porque o fogo se alastrou rapidamente.
Manifestação da Administração
O Instituto Terapêutico Liberte-se havia solicitado à Administração autorização para atuar no local, e o órgão havia concedido a chamada licença de localização na quinta-feira (28/8). No entanto, esse documento não é suficiente para que a clínica opere. Mesmo assim, o Instituto Liberte-se recebia pacientes há, pelo menos, cinco meses.
Para atuar legalmente, a clínica deve solicitar a aprovação de diversos órgãos locais, como reitera a Administração Regional do Paranoá.
“O alvará de funcionamento somente é expedido após a análise e manifestação de diversos órgãos do GDF, conforme a natureza da atividade exercida. Entre eles destacam-se o Corpo de Bombeiros Militar do DF, responsável por vistoriar as instalações e atestar as condições de segurança contra incêndio e pânico; a Vigilância Sanitária, encarregada de avaliar as condições de higiene, salubridade e segurança sanitária; e outros órgãos fiscalizadores específicos, a depender das particularidades da atividade econômica”, pontuou.
Clínica se pronuncia
Após o incêndio, o Instituto Terapêutico Liberte-se divulgou uma nota na qual lamentou o caso e informou que está “em contato com as autoridades competentes”.
“Colocamo-nos inteiramente à disposição para colaborar com as investigações, fornecendo todas as informações necessárias para esclarecer as circunstâncias do ocorrido. Reiteramos nosso compromisso com a transparência e com a apuração rigorosa dos fatos”, afirmou.