A infância de Renato Rodrigues, 17 anos, parecia dentro do esperado até os 9 anos de idade. Foi quando a mãe, Monica Rodrigues, começou a notar que algo estava diferente. O filho acordava com o travesseiro encharcado de suor, tinha dificuldade para correr, se cansava com facilidade e começou a caminhar de forma estranha, como se marchasse.
Preocupada, Monica procurou ajuda médica. “Passamos por três pediatras. Todos diziam que era sedentarismo, que ele era apenas uma criança preguiçosa e precisava fazer mais exercício. Nenhum deles sequer pediu um exame”, conta. Ela só descobriu mais tarde que, na verdade, os exercícios estavam agravando a situação de Renato.
A história começou a mudar quando o garoto tinha 11 anos e precisou ser internado para uma cirurgia de apêndice. Durante o procedimento, sofreu uma parada cardíaca. Os médicos descobriram que ele tinha hipertrofia do miocárdio, uma condição no coração que também explicava o suor noturno e o cansaço.
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Diagnosticado com doença rara
Depois do episódio cardíaco, Renato foi encaminhado a um ortopedista, que suspeitou de uma causa neurológica ao observar a forma como o menino andava. Um neurologista foi consultado e suspeitou de ataxia de Friedreich, condição genética rara que afeta o sistema nervoso e compromete o equilíbrio, a força muscular e até a fala.
O diagnóstico foi confirmado por meio de um teste genético custeado pela família. “Foi R$ 3.800. Mas o que mais me marcou foi como nos deram a notícia. O médico falou que ele não viveria até os 30 anos. Minha pressão caiu, quase desmaiei”, recorda Monica. “Meu filho, com 11 anos, levantou da cadeira e disse que não ia morrer”.
Apesar do susto, a doença estava em estágio estacionado, e Renato passou a ser acompanhado por uma equipe especializada do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Monica e Renato Rodrigues
Ataxia de Friedreich
A ataxia de Friedreich costuma se manifestar primeiro com um andar descoordenado e quedas frequentes. Mas outros sintomas podem surgir antes mesmo disso.
“O cansaço, por exemplo, pode ser um dos primeiros sinais. Muitas crianças passam por isso e acabam sendo vistas como preguiçosas. Acontece que, em muitos casos, esse cansaço tem relação com o comprometimento do coração”, explica o neurologista Nadson Bruno, do Hospital de Clínicas da Unicamp.
A doença é causada por alterações no gene responsável pela produção de frataxina, uma proteína essencial para o funcionamento das mitocôndrias. “A frataxina tem papel importante na proteção das células. Sem ela, há um acúmulo de estresse celular e degeneração progressiva”, afirma o especialista.
Apesar de os primeiros sintomas geralmente surgirem na infância ou adolescência, há casos mais raros de manifestação na vida adulta.
Controle dos sintomas e rotina adaptada
Sem cura até o momento, a ataxia de Friedreich é tratada com medidas que ajudam a controlar os sintomas e a prevenir complicações. “Fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e nutrição são fundamentais para retardar o avanço da doença e preservar a autonomia do paciente”, diz o médico.
Renato, hoje com 17 anos, faz fisioterapia em casa e pratica musculação dentro dos próprios limites. Algumas adaptações também foram feitas no dia a dia, como o uso de canecas com alça para facilitar a pegada. Ele também usa uma bengala para se equilibrar e conta com o apoio constante dos amigos.
“No colégio, os amigos ajudam pra ele não cair. No shopping, andam do lado dele. Renato diz que vai se arrastar se for preciso, mas não vai usar cadeira de rodas”, diz a mãe.
Apesar das limitações, o jovem segue estudando e faz planos para o futuro. “Ele quer fazer tecnologia da informação no ano que vem. Disse que, se um dia não puder andar, pode trabalhar de casa. Já falou em prestar vestibular pra Direito também”, conta Monica.
Além de estudar, Renato joga videogame com os amigos, escreve e cultiva uma paixão pela cultura japonesa. “Ele adora comida japonesa e anime. A gente quer tentar fazer inglês, depois japonês ou mandarim. Ele tem tantos sonhos e vou fazer de tudo pra realizar todos”, afirma.
Esperança de tratamento
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em março deste ano, o primeiro tratamento para a ataxia de Friedreich. O omaveloxolona é um remédio oral, indicada para pacientes a partir dos 16 anos, mas ainda não está disponível no país. Segundo o neurologista Nadson Bruno, o fármaco atua ativando uma proteína que protege as células do paciente.
Outra terapia promissora, chamada vatiquinona, está em avaliação nos Estados Unidos. O diferencial é que ela pode atender pacientes a partir dos 6 anos. “Os estudos mostram que a vatiquinona tem bom resultado em crianças. Se for aprovada no Brasil, pode mudar a realidade de muitos pacientes que hoje estão desassistidos”, destaca.
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