Em uma reviravolta no Supremo Tribunal Federal, os municípios afetados pela tragédia de Mariana denunciaram que a mineradora anglo-australiana BHP é quem está por trás da ação proposta ao STF para proibir que municípios litiguem no exterior.
Petição apresentada nesta quarta-feira (26) pelo Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) revelou a ata de uma reunião do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) na qual fica demonstrado que a BHP solicitou ao IBRAM a abertura da ação contra os municípios.
A ata da reunião do Conselho Diretor do IBRAM, que ocorreu em 23 de maio, relata que a Consultora de Relações Institucionais, Renata Santana, “informou que a BHP solicitou ao IBRAM que entrasse com uma ADPF junto ao STF para desafiar a possibilidade dos munícipios brasileiros litigarem com ações no exterior, de casos ocorridos no Brasil, principalmente no caso do rompimento da barragem do Fundão”.
A proposta da consultora foi endossada pelos representantes mineradoras ali presentes, inclusive da Vale e da Samarco (uma joint venture controlada pela BHP e Vale).
Cerca de três semanas depois da reunião, o Ibram cumpriu com o pedido da BHP. Em 12 de junho, o instituto entrou com pedido de medida cautelar junto ao STF, argumentando que atuação de municípios brasileiros em litígios judiciais no exterior seria inconstitucional (ADPF 1.178).
Para o advogado que representa o Coridoce, o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a ADPF visa, na verdade, proteger a BHP, que é ré em um processo na Inglaterra, com julgamento marcado para outubro deste ano.
“Trata-se de uma estratégia ardilosa que está sendo desenvolvida e custeada pelos interesses particulares de mineradoras que provocaram o desastre de Mariana. A ação judicial promovida na Inglaterra tem sido uma pedra no sapato dessas empresas que, ano após ano, têm conseguido fugir do dever de pagar uma justa indenização às vítimas desse desastre”, argumenta Cardozo.
Os municípios questionam ainda o argumento do IBRAM de proteção da soberania nacional. “Escancara-se, assim, com provas incontestes, o que já se supunha: o IBRAM está agindo ilegal e indevidamente como representante processual da BHP. Tudo para que essa empresa se furte de pagar uma reparação devida e justa às vítimas do desastre ambiental que deu causa. Paradoxalmente, nesta ADPF, o IBRAM está invocando a soberania brasileira exclusivamente para impedir que uma poderosa empresa estrangeira pague o que deve aos brasileiros.”
O prefeito de São José do Goiabal (MG) e Presidente do CORIDOCE, José Roberto Gariff Guimarães também se manifestou contra o IBRAM e diz que “essa reunião comprova claramente que o IBRAM não agiu nobremente em defesa da soberania nacional e sim que o Instituto está atuando a mando das três mineradoras responsáveis pelo maior desastre ambiental da história”.
Para o prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso, é evidente que as mineradoras envolvidas no rompimento da Barragem de Fundão estão usando a justiça brasileira para fugirem de suas responsabilidades. “Não podemos aceitar que essas empresas usem o judiciário nessa manobra maldosa, irresponsável e desonesta”, pontuou.
Ações internacionais
Atualmente, a Vale e a BHP – controladoras da Samarco, que administrava a barragem do Fundão – são rés em um processo na Inglaterra avaliado em R$ 230 bilhões movido por cerca de 700 mil brasileiros, entre eles indígenas, quilombolas, municípios, igrejas e empresas. O julgamento de responsabilidade começa em outubro deste ano, com duração de 14 semanas. Vale e Samarco também respondem a uma ação na Holanda pelo mesmo crime.