Ao longo de quase 10 anos como deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) teve apenas três projetos transformados em norma jurídica (duas leis e uma resolução interna da Câmara) e nenhum tem qualquer relação com a agenda tradicionalmente defendida pela direita radical nem beneficiam diretamente o estado que o elegeu pela primeira vez em 2014 — apesar de carioca, ele foi eleito pelo estado de São Paulo.
Na metade do terceiro mandato, o parlamentar mudou-se com a família para os Estados Unidos e licenciou-se do cargo para atuar junto ao governo do republicano Donald Trump e ser o porta-voz do bolsonarismo. A estratégia tinha um alvo: pressionar o Judiciário brasileiro, especialmente o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a anistiar os condenados pela tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. Por tabela, evitar uma possível condenação do pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A articulação tem dado frutos. Embora tenha mirado Moraes, acertou em todo o Brasil. Em mais de uma ocasião, Eduardo admitiu saber das sanções tarifárias impostas ao Brasil anunciadas por Trump em 9 de julho.
Em meio a isso, o futuro de Eduardo Bolsonaro na Câmara é incerto, já que sua licença oficial não remunerada chegou ao fim em 20 de julho e desde o dia 21 Eduardo voltou a ser um custo para a população brasileira, mesmo vivendo fora do país. O deputado agora planeja os próximos passos, que incluem uma possível nomeação como secretário estadual para evitar a suspensão do mandato. Em resposta à reportagem da Folha de S. Paulo, nesta sexta-feira (25), a Câmara informou que com base nas atuais regras, o deputado não perderá o mandato em 2025 por excesso de faltas, mesmo que deixe de comparecer às sessões sem justificativa. O motivo é o Ato da Mesa 19/2017, que estabelece que os relatórios de frequência dos parlamentares só sejam analisados a partir de março do ano seguinte.
Se a articulação com os norte-americanos o levou a ser investigado pelo STF e ameaça a sua permanência na Câmara, por outro lado, o catapultou como liderança forte da extrema-direita.
Para entender a trajetória política do filho 03 de Bolsonaro, a Lupa analisou a atuação de Eduardo ao longo de três mandatos. Eleito pela primeira vez em 2014 pelo PSC do estado de São Paulo. A sua passagem pela Câmara foi marcada pela defesa da pauta armamentista e da segurança pública. Ele também atuou nos últimos anos em conjunto com pares da extrema-direita para limitar direitos de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual por meio de Projetos de Decreto Legislativo (PDLs).
Em uma década no cargo, foi autor ou coautor de 116 Projetos de Lei (PL), Projetos de Lei Complementar (PLP), Propostas de Emenda à Constituição (PEC) e Projeto de Decreto Legislativo (PDL). Veja quais foram as principais propostas e temas defendidos na Câmara.
A atuação de Eduardo em números: segurança pública e armas em 1º lugar
Das 116 propostas legislativas — entre projetos de lei, projetos de decreto legislativo e 18 propostas de emenda à Constituição (PECs) —, 52 trataram do tema da segurança pública, sendo 15 delas relacionadas, em alguma medida, ao porte e à posse de armas por civis ou forças policiais.
O segundo tema mais abordado foi a saúde, em alguns casos com enfoques restritivos, como nos casos relacionados ao direito ao aborto. A economia recebeu atenção em nove propostas, enquanto a educação foi o tema central em cinco projetos.
Outras 35 proposições tratam, em sua maioria, de temas ligados a direitos humanos – geralmente de restrição, como o PL 269/2023, que propôs a proibição de bloqueio hormonal “em crianças e adolescentes em processo transexualizador e de terapia hormonal e cirurgia de redesignação sexual, respectivamente a menores de 18 e 21 anos”, relações internacionais ou questões diretamente relacionadas ao funcionamento do poder público. Em alguns casos, houve sobreposição temática, mas, para fins desta análise, a reportagem considerou apenas o tema principal de cada proposta.
Do total de projetos, 48 foram apresentados individualmente e 68 em coautoria. Com seu pai, Jair Bolsonaro, ele assinou 14 propostas — sendo oito apenas entre os dois, e outras seis com a participação de mais parlamentares.
Dos projetos de autoria única, apenas um foi transformado em norma jurídica. Considerando todas as 116 proposições — incluindo as apresentadas em coautoria com outros parlamentares —, apenas três resultaram em normas legais.
Relatorias
Desde o primeiro mandato, Bolsonaro também relatou 30 proposições parlamentares, das quais 21 eram projetos de lei ou de decreto legislativo. Entre esses, 14 tratavam de segurança pública ou de armas de fogo, nove abordavam relações internacionais, especialmente acordos entre o Brasil e outros países, e sete estavam relacionados ao meio ambiente.
Outras nove proposições relatadas foram Mensagens (MSC) enviadas pelo Poder Executivo ao Congresso, referentes a acordos, convênios, tratados e atos internacionais negociados entre o Brasil e outras nações ou organizações internacionais. Três delas, entre 2019 e 2021, tratavam de acordos com Israel sobre segurança pública e proteção de informações classificadas (podem colocar em risco a sociedade ou o Estado).
Comissões
Desde 2015, ele participou de 37 comissões em 66 oportunidades, atuando como titular ou suplente — e, em 4 dessas ocasiões, ocupou a presidência (1) ou vice-presidência (3) da comissão. Das 37 comissões, 12 eram permanentes em suas respectivas legislaturas. Entre as comissões permanentes, a principal atuação do parlamentar foi na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, onde permaneceu, ao todo, por cerca de seis anos. A segunda maior atuação foi na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, onde esteve por pouco mais de cinco anos.
De ensino domiciliar a permissão para civis entrarem armados em aviões
Nos primeiros quatro anos como deputado federal, as pautas defendidas por Eduardo Bolsonaro foram, na maioria, ligadas à segurança pública e à causa armamentista.
Já no primeiro ano, contudo, propôs um PL para autorizar o ensino domiciliar na educação básica (PL 3261/2015, atualmente arquivado), assunto que viria a ser defendido com mais afinco pelo bolsonarismo nos anos seguintes. Naquele ano, usou o argumento que foi uma das marcas do pai na primeira vez que disputou uma eleição presidencial, em 2018: a questão ideológica e o medo de uma suposta doutrinação da esquerda nas escolas.
Um dos projetos polêmicos do primeiro mandato foi o PL 9902/2018, que prevê a possibilidade de cidadãos comuns com porte de arma entrarem armados em voos comerciais domésticos. Atualmente, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) determina que apenas agentes públicos que possuam porte de arma ou polícias federais na ativa têm permissão (Resolução n.º 461/2018) mediante comprovação de necessidade. Embora rejeitada pela Comissão de Transportes e alvo de críticas em razão do risco de incidentes a bordo, a matéria segue em tramitação.
Deputado criticou vandalismo em PL, mas minimizou depredação em 8/1 em Brasília
No segundo mandato, entre 2019 e 2022, Eduardo Bolsonaro mergulhou na pauta conservadora. Com a entrada de parlamentares de direita eleitos na onda bolsonarista de 2018, assinou como coautor propostas que defendiam desde a declaração da Princesa Isabel como patrona da Abolição da Escravatura no Brasil (PL 2824/2019) — uma provocação ao Movimento Negro, que rejeita a monarca como heroína — até criminalização da apologia ao comunismo (PL 4425/2020).
Chama atenção nesse período um projeto de lei (PL 1192/2019) no qual condena atos de vandalismo ao patrimônio público e propõe que estudantes condenados por essas ações percam vagas e não possam se matricular. Na justificativa, Eduardo defende:
(…) é preciso ser feito algo contra esta onda desenfreada de vandalismo ao Patrimônio Público” e que “é preciso agir e prevenir os atos de vandalismo, punindo de forma exemplar estes criminosos.”
Trecho de justificativa do PL 1192/2019, proposto por Eduardo Bolsonaro
Ironicamente, quatro anos depois ele minimizou atos de vandalismo ao patrimônio de Brasília em 8 de janeiro de 2023. Eduardo costuma se referir aos golpistas que depredaram os Três Poderes de “idosos, pastores, pipoqueiro, cabeleireira, vendedor de picolé, autista, morador de rua e todo tipo de pessoa inocente”.
Post de Eduardo Bolsonaro no X sobre pessoas que depredaram os Três Poderes em 8 de janeiro de 2023
Pedidos de anistia a políticos e tentativa de diminuir tempo de inelegibilidade
Em 2022, ano de eleições presidenciais, algumas propostas parecem antever os atos que o pai e outros políticos bolsonaristas cometeriam para assegurar a permanência de Jair Bolsonaro no cargo.
O PL 1102/2022, por exemplo, pautado pela deputada licenciada Carla Zambelli (PL-SP), foragida da Justiça no exterior desde o início de junho e do qual Eduardo é coautor, propõe anistia “a todos aqueles que, no período entre 1º de janeiro de 2019 e 21 de abril de 2022” — ou seja, durante a gestão de Jair Bolsonaro na presidência — “tenham praticado atos que sejam investigados ou processados sob a forma de crimes de natureza política ou conexo (…) bem como aos que sejam praticados por motivação política (…)”.
Na justificativa da matéria estão supostas “indevidas interferências do Poder Judiciário nas competências e prerrogativas do Poder Legislativo nos últimos anos” e o exemplo da cassação de mandato do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado em 2021 pelo Supremo pelos crimes de ameaça ao estado democrático de direito e de coação no curso do processo, “por opiniões expressadas no contexto de sua atividade parlamentar.” O texto ainda diz que “a anistia é aplicada em épocas de grande conturbação e visa a restauração da paz social entre as instituições democráticas”.
Essa não foi a única proposta nesse sentido. Em 2023, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 141/2023, do qual é coautor, propõe a redução do prazo da sanção de inelegibilidade para políticos que cometeram algum abuso para somente até dois anos subsequentes à eleição, alterando a Lei da Ficha Limpa que, atualmente, estabelece prazo de oito anos.
No mesmo ano, outro PLP (185/2023) também previu alteração na Lei da Ficha Limpa ao propôr que a existência de um processo administrativo disciplinar pendente de decisão não seja motivo para a inelegibilidade.
Junto a aliados na Câmara, Eduardo também buscou conter a atuação do STF no julgamento de parlamentares por meio de Propostas de Emendas à Constituição (PECs). Em 2021, por exemplo, foi coautor da PEC 3/2021, que trata da imunidade parlamentar e também cita, como exemplo, o caso do ex-deputado Daniel Silveira. A proposta gerou polêmica porque, segundo opositores, poderia ampliar a impunidade e colocar políticos acima da lei.
Em 2023, a PEC 50/2023 foi apresentada por Eduardo e colegas propondo alterar o artigo 49 da Constituição Federal e dar ao Congresso Nacional o poder de sustar decisões do STF. Na mesma linha, a PEC 28/2024, na qual também assina como coautor, permite que o Congresso suspenda julgamentos da Suprema Corte.
Vale o destaque para uma PEC mais recente, a PEC 48/2024, apresentada pelo grupo bolsonarista na Câmara. Prevê alteração no artigo 53 da Constituição e estabelece que o Congresso pode sustar decisões monocráticas ou colegiadas do STF que extrapolem suas atribuições. Opositores a consideram um ataque à independência do Judiciário e um risco à democracia.
Ataques aos direitos de minorias e crianças vítimas de abuso sexual
No contexto legislativo, o deputado atuou em conjunto com pares da extrema-direita para limitar direitos a minorias e crianças vítimas de abuso sexual por meio de Projetos de Decreto Legislativo (PDLs), instrumento bastante acionado para fiscalizar e limitar ações de outros poderes, como o Executivo.
É o caso do PDL 197/2023, que pediu a suspensão da Resolução n.º 715 de 2023 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Essa resolução aborda temas como direitos sexuais e reprodutivos e a atenção integral à saúde da população LGBTQIA+. É composta por 59 diretrizes que visam orientar a formulação e execução das políticas de saúde no Brasil. Eduardo alegou que a medida teria “viés político”.
Outro exemplo é o PDL 24/2024, do qual é coautor, que pede a suspensão de uma Nota Técnica do Ministério da Saúde que trata sobre a prevenção da gravidez na adolescência e aborda a questão do aborto legal, orientando sobre os procedimentos e a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, especialmente em casos de violência sexual. Essa nota foi, por fim, revogada pela pasta.
Já em 2025, pouco antes de licenciar-se do cargo, Eduardo Bolsonaro assinou como coautor dois PDLs que afetam diretamente os direitos de crianças vítimas de violência sexual: o PDL 3/2025 e o PDL 25/2025. Essas propostas pedem a suspensão de uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre o encaminhamento de crianças e adolescentes gestantes menores de 14 anos para serviços de aborto.
Vale pontuar que as normativas do Conanda estabelecem protocolos para a interrupção da gestação já previstas em lei, entre eles a orientação de que crianças e adolescentes devem ter prioridade nos serviços de aborto legal em caso de violência sexual, “sem a imposição de barreiras sem previsão legal”.
O deputado foi procurado por meio dos contatos disponíveis no gabinete da Câmara e não respondeu até a publicação da reportagem.