Fonte: Agência Senado
Durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta quinta-feira (29), juristas e representantes do setor imobiliário criticaram duramente o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, que prevê alterações na cobrança do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). O texto propõe que o tributo seja calculado com base no valor venal estimado pelas prefeituras, em vez do valor real de compra informado pelo contribuinte, medida considerada por especialistas como um retrocesso, com potencial para elevar a carga tributária e estimular disputas judiciais.
O projeto é a terceira etapa da reforma tributária em andamento no Congresso e está sob relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Ele estabelece que os municípios poderão utilizar critérios como valores praticados no mercado e dados fornecidos por cartórios para definir o valor venal, utilizado como base de cálculo do ITBI.
Durante o debate, o senador Izalci Lucas (PL-DF), que presidiu a audiência, foi categórico ao afirmar que o texto não leva em conta a realidade de quem atua diretamente no setor imobiliário e sinalizou que poderá apresentar emendas para ajustar os pontos mais controversos.
Divergência com decisões judiciais
O advogado tributarista Breno Vasconcelos lembrou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em 2022 que a base de cálculo do ITBI deve ser o valor efetivamente pago na transação. Segundo ele, transferir ao contribuinte a responsabilidade de contestar a avaliação da prefeitura inverte a lógica estabelecida pelo Judiciário e abre espaço para uma arrecadação inflacionada, desconectada da realidade do mercado.
“O poder público é incapaz de estimar com precisão o valor de mercado de cada imóvel. O correto seria ele provar, caso discorde do valor informado pelo contribuinte. Do jeito que está, haverá aumento brutal da arrecadação”, alertou Vasconcelos.
Ricardo Lacaz Martins, representante da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), também manifestou preocupação com a proposta, afirmando que ela estimula a judicialização e cria insegurança para os contribuintes e investidores. “É, na prática, um aumento de carga tributária disfarçado”, afirmou.
Antiga controvérsia
A advogada Fernanda Foizer Silva Furiati chamou atenção para outro ponto polêmico do projeto: a possibilidade de o contribuinte pagar o ITBI com desconto já na fase da escritura do imóvel, realizada no cartório de notas. Ela argumenta que a cobrança correta deve ocorrer no momento do registro, que é quando a transferência de propriedade se concretiza.
“Agora é o momento de legislar e acabar com esse contencioso. Esse tema já está no STF desde 2018 e não foi concluído. Precisamos de segurança jurídica e de uma regra clara”, defendeu Fernanda.
Ela ainda observou que permitir a cobrança na etapa da escritura retoma uma “discussão imensa” que fere o princípio da simplificação tributária, um dos pilares da reforma.
Risco de informalidade
Alberto Macedo, auditor fiscal da Prefeitura de São Paulo, alertou que a mudança pode gerar dois efeitos negativos: redução na arrecadação, caso o valor informado pelo contribuinte seja aceito sem fiscalização adequada, e estímulo à informalidade, se o tributo for cobrado antecipadamente, incentivando os compradores a não registrarem o imóvel.
“O registro, por lei, não tem prazo. Se o imposto for menor na escritura, muita gente não vai registrar. Isso já acontece e pode aumentar”, avaliou.
Cidades inteligentes e a Cosip
Além do ITBI, o PLP 108/2024 trata da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). A proposta amplia o escopo de aplicação da Cosip, permitindo seu uso para financiar projetos de cidades inteligentes, como sistemas de monitoramento e segurança, controle automatizado da iluminação e infraestrutura urbana.
Vanessa Rosa, da Associação Brasileira das Concessionárias de Iluminação Pública (ABCIP), considerou a mudança positiva, mas fez um alerta:
— É preciso que os municípios usem com sabedoria os recursos da Cosip. O risco de desperdício é real se não houver limites bem definidos.
Lucas Morais, presidente do Conselho Tributário Fiscal de Goiânia, destacou que o projeto esclarece dúvidas deixadas pela reforma constitucional, especificando que a Cosip poderá custear, por exemplo, a elaboração de projetos e aquisição de equipamentos públicos comunitários.
O representante da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE), Bruno Checchia, sugeriu que o Comitê Gestor do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) unifique regras para a emissão de documentos fiscais relativos à Cosip.
Próximos passos
O projeto ainda passará por novas discussões na CCJ. A expectativa é que o relator Eduardo Braga apresente seu parecer nas próximas semanas. Parlamentares, especialistas e entidades do setor defendem que o Senado promova ajustes no texto para garantir segurança jurídica, equilíbrio federativo e respeito às decisões judiciais já consolidadas.