A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma doença rara que atinge apenas 1,3 pessoas a cada milhão. Foi esse o diagnóstico recebido pela pernambucana Thais Cândido, 31 anos, moradora de Olinda, em Pernambuco. Descobrir que tinha uma condição tão incomum foi um choque, especialmente porque sempre se considerou saudável.
“Precisei entender e aceitar aquele diagnóstico porque, se não aceitasse, teria duas batalhas pela frente: a da doença e a da negação”, conta.
Ela começou a sentir fadiga, cansaço intenso e chegou a desmaiar em algumas ocasiões. No início, acreditava que os sintomas eram consequência de uma rotina puxada como operadora de caixa em uma farmácia.
Mas a situação se agravou e, em um dos episódios mais críticos, sua hemoglobina caiu para 1,5 g/dL — muito abaixo do normal, que varia entre 12,0 e 15,5 g/dL para mulheres. Com níveis tão baixos, o sangue não consegue transportar oxigênio suficiente para os órgãos, o que pode causar falta de ar intensa, desmaios e até risco de falência de órgãos vitais.
“Eu estava praticamente morta. Tenho esse exame guardado até hoje, pois ele é uma lembrança de que eu cheguei até aqui e existe um propósito para a minha vida”, relata.
A busca por respostas durou cerca de três meses e incluiu várias consultas em que o diagnóstico não avançava. “Os médicos viam que minha hemoglobina estava baixa, mas não sabiam dizer qual era a causa. Eu só queria entender o que estava acontecendo com o meu corpo”, lembra.
A HPN pode se manifestar de formas diferentes e “imitar” outras doenças mais comuns, explica a hematologista Ana Paula Azambuja, responsável pelo ambulatório de HPN e anemia aplástica do HC de Curitiba.
“Os sintomas variam muito de pessoa para pessoa e podem incluir desde fadiga intensa, anemia e queda de todas as células do sangue até dor abdominal sem causa aparente, urina escura ou episódios de trombose. Alguns sinais menos conhecidos, como dor ao engolir ou dificuldade de ereção, também podem ocorrer, mas muitas vezes passam despercebidos”, afirma.
Devido a essa diversidade de manifestações, o diagnóstico pode levar meses ou até anos. Além disso, a HPN ainda é pouco conhecida por médicos que não são hematologistas, o que faz com que o paciente percorra vários serviços de saúde antes de chegar ao especialista.
Diagnóstico e início do tratamento
Thais só conseguiu avançar no diagnóstico quando foi atendida em um hospital público, em 2015, e encaminhada para a Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (Hemope). Lá, exames mais detalhados, como a imunofenotipagem por citometria de fluxo, confirmaram a HPN.
A doença é causada por uma mutação nas células-tronco da medula óssea que faz com que parte das células do sangue perca uma “proteção natural” contra o próprio sistema imunológico, o chamado sistema complemento. Sem essa barreira, as hemácias são destruídas precocemente, causando anemia e outras complicações.
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O apoio da família, dos amigos e de associações de pacientes foi fundamental. “Ninguém na minha família tinha sequer ouvido falar na doença. Mas eles estiveram comigo o tempo todo. Eu não teria conseguido sem isso”, afirma.
Thais iniciou tratamentos que não tiveram resultado até conseguir acesso, por meio de ação judicial, à pegcetacoplana. Um mês depois, os efeitos já eram perceptíveis. “Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Não trouxe só saúde, trouxe de volta a vontade de viver”, diz.
A médica explica que a pegcetacoplana pode ser indicada para adultos com diagnóstico confirmado de HPN por citometria de fluxo e anemia associada a atividade hemolítica. “O tratamento é eficaz tanto como primeira linha, em casos com alta atividade hemolítica e necessidade transfusional, quanto como segunda linha para pacientes que não respondem a outros inibidores do complemento”, afirma Ana Paula.
De paciente a apoiadora
Atualmente, Thais trabalha como nail designer e leva uma vida ativa. “Hoje, posso dizer que tenho qualidade de vida. Me sinto mais forte, mais saudável, mais disposta, mais bonita, mais viva”, descreve.
Ela também atua na associação de pacientes e participa de atividades no Hemope, apoiando pessoas recém-diagnosticadas. “Saber que existem pessoas que são iguais a você e que você não está sozinho é muito reconfortante. Se eu consegui, você também conseguirá”, afirma.
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