Foi a maior manifestação em um único dia na história dos EUA. Mas apenas dois dias depois de sete milhões de pessoas em todos os 50 estados e em mais de 2.600 eventos diferentes protestarem contra a presidência imperial, Donald Trump ordenou a demolição da ala leste da Casa Branca para construir um salão de baile dourado com capacidade para 999 convidados.
Não foi coincidência.
Em 18 de outubro, as manifestações “No Kings” (“Sem Reis”, em português) mobilizaram pessoas com reivindicações contra deportações em massa de imigrantes indocumentados, a economia em crise, as constantes violações do devido processo legal e o desrespeito à Constituição dos EUA. Mas antes mesmo dos protestos, os republicanos e a imprensa adesista disseram que as manifestações foram chamadas pela extrema esquerda, que “odeia a América” e se alia aos seus inimigos. Claro que as manifestações em todo o país foram amplamente compostas por manifestantes respeitáveis, muitos deles idosos, carregando bandeiras dos EUA, vestidos com fantasias divertidas e exibindo cartazes que exigiam compromisso com a democracia.
Protesto No Kings em Concord, Massachusetts , 18 de outubro de 2025
Bem, para aqueles que se perguntavam “Onde está a revolta contra as políticas de Trump?”, os protestos mostram a força crescente da resistência e o lento declínio do apoio a Trump em todo o país. Vejam os números. Em 5 de abril, três milhões de pessoas participaram dos protestos “Hands Off” (“Tire Suas Mãos” em inglês) organizados por uma ampla coalizão progressista. Em 14 de julho, cinco milhões de pessoas compareceram a 2.300 eventos “Sem Reis”, no mesmo dia em que Trump organizou um desfile militar em Washington, D.C. para comemorar seu 79º aniversário. Agora foram 7 milhões.
Minha irmã, Marycarolyn G. France, de 81 anos, conta assim o que ela viu na manifestação. Funcionária aposentada do sistema educacional público, que supervisionou subsídios federais para programas educacionais voltados para estudantes de baixa renda, ela estava cansada de lamentar as ações de Trump todas as noites enquanto assistia ao noticiário. Nunca tinha participado de uma manifestação. Ficou animada por poder expressar sua indignação com a forma como as políticas de Trump estão destruindo a nação.
Então, ela pesquisou na internet onde seria a marcha local do movimento “Sem Reis” perto de sua casa, na Virginia, e compareceu com dois cartazes feitos em casa. Um dizia: “Eu amo a América. É por isso que me oponho a Trump”. O outro: “A dissidência ponderada é o patriotismo na sua melhor forma”.
Segundo ela, foi uma ocasião festiva, muito diferente dos confrontos violentos previstos pelo governo Trump. As pessoas estavam vestidas com fantasias coloridas, como da Estátua da Liberdade, da ex-juíza da Suprema Corte Ruth Bader Ginsburg, unicórnios arco-íris, bananas e mulheres com as capas vermelhas da série “O conto da Aia”. Depois de ouvirem discursos e a tradicional canção “This Land is Your Land,” composta pelo cantor country Woody Guthrie nos anos 40, a multidão entoou “Sem reis, sem coroas” e “É assim que a democracia se parece”.
A mídia de direita denunciou os protestos como coisa de hippies brancos idosos e sugeriu que a manifestação foi um movimento antipatriótico de radicais aposentados da década de 1960 e manifestantes pagos. Mas, no mesmo dia, milhares de pessoas em todo o país participaram de uma teleconferência para traçar uma estratégia contínua para sustentar o movimento.
A energia positiva daquele dia inspirou minha irmã a fazer ainda mais. Ela agora vai procurar um comitê de campanha para ajudar a garantir uma maioria democrata na Câmara dos Representantes nas eleições de 2026.
Uma nação dividida está em modo de combate, e ambos os lados apostam nas eleições congressionais de novembro de 2026 como um ponto de virada na história do país.
No dia seguinte, Trump, mestre que é em desviar a atenção da opinião pública, tentou mudar o foco do noticiário ao anunciar a demolição parcial da Casa Branca. No verão passado, ele já havia prometido construir seu ostentoso salão de dança dourado a um custo de US$ 200 milhões, tudo com doações privadas. Como não haverá verbas federais, não haverá nenhuma supervisão do Congresso.
Claro, ele mentiu sobre sua promessa de manter a residência presidencial intacta. Além disso, o custo estimado da construção desse monstro já subiu de US$ 300 para US$ 350 milhões. Grandes corporações contribuíram para cobrir os custos – o que, sabemos, é mais uma forma de comprar favores da administração mais corrupta da história dos EUA.
Para Trump, o apoio popular pode estar se erodindo a ponto de favorecer os democratas em 2026.
As recentes políticas de Trump corroem seu apoio entre os eleitores tradicionalmente leais. Sua decisão de destinar US$ 20 bilhões em fundos federais para resgatar a economia argentina e ajudar Javier Milei nas eleições legislativas de 26 de outubro indignou os eleitores em um momento em que o governo dos EUA parou de funcionar e os servidores federais não estão recebendo seus salários. Além disso, a decisão de eliminar as tarifas sobre a importação de carne bovina argentina para ajudar a reduzir os preços da carne nos Estados Unidos enfureceu os pecuaristas americanos, que consideram que o movimento MAGA agora está favorecendo um país estrangeiro em detrimento dos produtores americanos. Os produtores de soja também viram as exportações para a China caírem para níveis próximos de zero.
O apoio ao presidente caiu 20% de acordo com uma pesquisa realizada pela Somos Votantes. “O que começou no início deste ano com independentes e mulheres se intensificou e se espalhou para praticamente todos os subgrupos demográficos do eleitorado latino, incluindo grupos que antes o apoiavam, como os homens latinos”, comentou Melissa Morales, presidente da Somos Votantes.
A preocupação com a economia e a detenção massiva e arbitrária de latinos afastaram muitos eleitores do presidente. Com a taxa de aprovação de Trump pairando em 43% e a de desaprovação em 53%, os organizadores do movimento “No Kings” estão otimistas. Segundo sua conta, apoiada em estudos da cientista política de Harvard, Erica Chenoweth, seria preciso reunir 12 milhões de pessoas nas ruas em todos os Estados Unidos para Trump cair.
Se as eleições passadas servirem de indicativo do resultado, Trump poderá sofrer uma derrota esmagadora daqui a um ano. A menos que a economia melhore drasticamente e Trump recue na implementação de muitas de suas políticas impopulares, ele está destinado a perder o controle da Câmara dos Representantes. Isso pode estar longe de causar sua queda, mas deve atenuar seus ataques à democracia norte-americana.