Ministério Público aciona Sigma Lithium e pede bloqueio de R$ 50 milhões da mineradora

Os ventos do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, não estão favoráveis para a mineradora Sigma Lithium. Na terça-feira, 16, a empresa foi acionada pelo Ministério Público do estado (MPMG), com o intuito de que a companhia seja obrigada a reparar danos socioambientais. Na manhã desta sexta-feira, 19, também foi alvo de uma manifestação no município de Araçuaí, reação a comentários feitos pela CEO da Sigma, Ana Cabral, durante a Conferência do Clima da ONU (COP30), em Belém (PA).

A ação civil pública (ACP) foi apresentada pelo promotor Felipe Marques Salgado de Paiva na Vara Cível da Comarca de Araçuaí no mesmo dia em que a Agência Pública levou ao ar reportagem sobre os impactos da mineração de lítio conduzida pela Sigma no Jequitinhonha.

Casas rachadas por conta das detonações e o temor de que o teto desabe sobre suas cabeças dão a tônica do cenário encontrado pela equipe na região. A matéria também revela um cenário de dificuldades financeiras da Sigma, que registrou prejuízo líquido em todos os últimos anos e que está com as atividades paralisadas desde que a empreiteira terceirizada se retirou da operação por falta de pagamento.

A reportagem serviu como embasamento para que o MPMG demandasse antecipação de tutela (decisão imediata, antes do julgamento final de mérito), justamente no trecho em que trata dos percalços econômicos da mineradora.

Apontando o prejuízo milionário da empresa em 2025 informado pela Pública, o órgão afirma que “há fundado receio de que a condição financeira da empresa requerida se deteriore a ponto de não mais permitir que ela arque com as obrigações necessárias à reparação”, pedindo que haja a “fixação de medidas para bloquear valores em conta da mineradora para garantir a reparação ao final do processo”. Por conta disso, o MPMG pede que a empresa deposite em juízo R$ 50 milhões como garantia do cumprimento das obrigações impostas.

O órgão pede ainda que a Sigma seja obrigada, em caráter liminar (ou seja, com efeitos imediatos), a reassentar emergencialmente as famílias afetadas que manifestem interesse, crie uma nova estrada para famílias que se encontram isoladas pelo empreendimento, custeie auditoria técnica independente para monitoramento de ruído, poeira e vibrações, assim como assessoria jurídica para os atingidos.

Entre outras medidas em caráter liminar, demanda também o custeio de programas de saúde às comunidades afetadas e a suspensão de propagandas que coloquem a empresa como “sustentável” até que os danos às comunidades sejam mitigados.

“Esta prática de greenwashing (propaganda enganosa verde) constitui uma forma perversa de desinformação ambiental que facilita a captação de investimentos e o licenciamento ambiental às custas da externalização dos custos socioambientais para as comunidades locais”, afirma Salgado de Paiva na ação.

Em caráter definitivo (após o julgamento), o MPMG pede que a empresa seja condenada a indenizar as comunidades em R$ 50 milhões, repare todos os danos individuais causados pelo empreendimento, custeie a auditoria independente e a assessoria jurídica de maneira permanente e financie programa de desenvolvimento econômico das comunidades, entre outras medidas.

CEO da Sigma chamou população de “mulas d’água” e virou alvo de protesto

“Nós treinamos aquela geração perdida do Vale [do Jequitinhonha], que eram mulas d’água, crianças que não tinham escola”. A afirmação da CEO e fundadora da Sigma, Ana Cabral, em uma entrevista à rede de televisão CNBC em 14 de novembro, durante a COP30, gerou uma onda inédita de repúdio, como constatou a Pública no período em que esteve na região. A fala, apontada como “paternalista”, “irresponsável” e até “mentirosa”, fez com que a empresária se tornasse persona non grata entre moradores e alvo de notas críticas de políticos da região, incluindo os prefeitos de Araçuaí e Itinga, além de empresários e de lideranças locais.

A ausência de retratação por parte da mineradora – que, pelo contrário, reafirmou as declarações em publicação no Instagram, que alegou ser alvo de  “campanhas de marketing” que serviam para “espalhar fake news” –, fez com que movimentos sociais da região organizassem uma “Marcha pelo Respeito ao Vale do Jequitinhonha”.

Realizado na manhã desta sexta-feira, 19 de dezembro, em Araçuaí, o ato reuniu centenas de membros de comunidades tradicionais e de organizações da sociedade civil da região. Participaram o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a Cáritas Diocesana de Araçuaí e a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), entre outras entidades, e foram apresentadas manifestações culturais típicas da região. O bispo da Diocese local, Dom Geraldo Maia, que revelou à Pública no mês passadoter rompido sua interlocução com a empresa enquanto não houvesse retratação, foi uma das lideranças a discursar no protesto.

Além das declarações de Ana Cabral, os impactos da mineração de lítio também foram alvo de cartazes e faixas estendidos pelos manifestantes, com frases como “Parem de destruir nossas casas”, “Não somos geração perdida” e “Não somos zona de sacrifício”.

A Pública questionou a Sigma Lithium sobre a ação civil pública movida pelo MPMG e sobre os protestos contra as declarações de Ana Cabral. A empresa não respondeu até a publicação deste texto. Caso haja manifestação, ele será atualizado.

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