Mundurukus vivem medo de barragem após sobe e desce incomum de rio e morte de bichos no PA

Comunidades indígenas do Baixo Teles Pires e Alto Tapajós, no Pará, viveram dias de desespero após testemunharem a alteração repentina do nível do rio que conhecem desde que nasceram. Em poucas horas, sem um pingo de chuva no céu, em pleno verão, a água subiu com a rapidez de uma enchente fora de época. Era meio de agosto. Praias fluviais foram tomadas, pedras, encobertas e inúmeros galhos, arrastados. Em seguida, o rio desceu como se tivesse sido sugada por um ralo. 

O estrago ficou evidente. Cardumes mortos boiavam à margem, e as tartarugas tracajás, desorientadas, depositavam ovos fora dos locais de costume, colocando em risco as chances de vida dos filhotes. De quebra, corria a informação na região do anúncio de um possível desastre devido ao risco de rompimento da barragem que estaria provocando aquele cenário.

“A região ficou desesperada. As comunidades pediram socorro por informação e segurança”, relatou a coordenadora da Associação de Mulheres Munduruku Wakoborũn, Ediene Kirixi Munduruku, que acionou o Ministério Público Federal (MPF) e as empresas responsáveis em busca de respostas.

Vídeo mostra rio durante a cheia (Crédito: Elizane Kirixi Munduruku / Coletivo áudio visual da Wakoborun)

Ediene foi informada de que não havia risco de rompimento da barragem e que a oscilação do rio, no entanto, estava ligada ao rebaixamento emergencial do reservatório da Usina Hidrelétrica de Colíder (MT), sob controle da Eletrobras desde maio. O procedimento, usado para aliviar a pressão da água quando há falhas técnicas, foi adotado após problemas nos drenos do sistema.

Em nota, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) disse que acompanha o caso e que solicitou documentos técnicos sobre as causas e consequências do esvaziamento do reservatório. A instituição reconheceu relatos de ausência de aviso prévio às comunidades e afirmou ter cobrado medidas imediatas de comunicação.

A Eletrobras afirmou que a usina está “estável e dentro de todos os padrões de segurança” e que as aldeias Munduruku estão a mais de 400 quilômetros de distância e “não sofrem impacto direto”.

Vídeo mostra peixes mortos boiando (Crédito: Elizane Kirixi Munduruku / Coletivo áudio visual da Wakoborun)

Indireto para quem?

No último dia 27 de agosto, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento para investigar os impactos socioambientais e os riscos às comunidades do Baixo Teles Pires e do Alto Tapajós. O órgão requisitou informações à Eletrobras e à Aneel, cobrando medidas de segurança e comunicação eficiente para povos indígenas e comunidades tradicionais.

“Com os povos indígenas, a empresa mantém diálogo direto com lideranças das comunidades na região a jusante das Usinas Teles Pires e São Manoel. Ele ocorre por meio de agentes indígenas de comunicação, aplicativos de mensagem e por meio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)”, disse a empresa em nota à Agência Pública.

Para Ediene Munduruku, a informação, quando chega, não é de forma adequada ou disseminada. “Nós temos sentido falta dessa informação por parte da Eletrobras e da Funai. Eles precisam informar as organizações coletivas do povo Munduruku, não apenas uma ou outra associação”. A liderança ressalta que são seis organizações representativas na região. “Não temos mais confiança, porque já foi feito mais coisas sem consultar, sem respeitar. Atropelando a gente”, complementou, citando a própria construção da usina inaugurada em 2019.

A súbita enchente e vazante não passaram sem consequências. O manejo comunitário das tracajás, esforço que há anos garante a preservação da espécie, foi interrompido. “A gente já viu peixes morrendo no rio grande também”, disse Ediene. Para comunidades que dependem da pesca, a mudança no rio traz insegurança.“

Quando é impactado o rio, é impactado todos os igarapés que jogam água pro rio. Todas as aldeias das margens do Tapajós são impactadas”, disse a indígena Munduruku. Os impactos nos rios são comumente relativizados ou pormenorizados e afetam comunidades inteiras, a exemplo do que a Pública relatou no podcast Xingu em Disputa, que narra a transformação forçada do rio Xingu após a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

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