A proposta de um novo Código Eleitoral que tramita no Senado Federal provocou reação imediata de especialistas, entidades de controle e organizações da sociedade civil. Em nota técnica divulgada nesta segunda-feira (17), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) apontam que o texto representa uma ameaça à integridade do sistema eleitoral brasileiro, comprometendo avanços consolidados desde a redemocratização.
Segundo as entidades, a minuta em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob relatoria do senador Marcelo Castro (MDB-PI), fragiliza pilares centrais da Lei da Ficha Limpa, dificulta a punição de crimes como a compra de votos e esvazia mecanismos de promoção da diversidade no processo político.
Um dos pontos mais criticados é a proposta de alteração do marco temporal de inelegibilidade. Atualmente, um político condenado por órgão colegiado torna-se inelegível por oito anos após o cumprimento da pena. O novo texto, porém, propõe que esse prazo passe a contar a partir da condenação, permitindo que condenados retornem à disputa eleitoral antes mesmo de cumprirem integralmente suas penas.
“Esse novo marco temporal representa inequívoco retrocesso no regime de inelegibilidades instituído pela Lei da Ficha Limpa”, alerta o documento. Para o MCCE e a APCF, essa mudança desestimula a responsabilização e mina a confiança do eleitorado nas instituições democráticas.
Outro ponto considerado alarmante é a nova exigência de que, para punir a compra de votos, a Justiça Eleitoral comprove que a prática foi “grave o suficiente” para alterar o resultado da eleição. Atualmente, basta a constatação da promessa de vantagem em troca de votos, independentemente de seu impacto. Segundo os especialistas, essa nova exigência é subjetiva e dificulta a responsabilização de infratores, sobretudo em áreas de fiscalização limitada e alta vulnerabilidade social.
“A proposta poderá tornar praticamente inócuas as penalidades previstas para a compra de votos”, afirma a nota. Entidades alertam que isso favorece candidatos que abusam do poder econômico para manipular resultados e explorar comunidades carentes.
A proposta também ameaça políticas de ação afirmativa voltadas à representatividade de grupos historicamente excluídos. Hoje, a legislação exige que 30% do Fundo Eleitoral seja destinado a candidaturas femininas e determina divisão proporcional entre candidatos negros e brancos. O novo texto, contudo, permite o uso dessas verbas em “despesas comuns” partidárias, inclusive para campanhas masculinas, desde que haja “autorização prévia”.
“A redação genérica e excessivamente aberta fragiliza critérios objetivos de distribuição, abrindo espaço para candidaturas fictícias e desvios de finalidade”, criticam as entidades. Na prática, a medida pode perpetuar a sub-representação de mulheres, negros e indígenas no Parlamento.
A proposta de Código Eleitoral ainda será votada na CCJ. Se aprovada, segue para o plenário do Senado e, caso haja mudanças, retorna à Câmara. O projeto conta com apoio de setores conservadores, mas enfrenta resistência de parlamentares da base governista. O relator afirma buscar consenso, embora não tenha indicado mudanças significativas até o momento.
Diante da possibilidade de as novas regras valerem já para as eleições de 2026, especialistas e entidades cobram mais tempo para debate e participação social. “Tais modificações, se aprovadas, representarão grave retrocesso institucional e simbólico”, conclui a nota técnica. Para os signatários, um Código Eleitoral deve refletir o amadurecimento democrático do país, não ser fruto de um processo apressado que ameaça conquistas históricas da cidadania brasileira.