Na última década, enquanto as empresas de mídia lutavam para ganhar dinheiro em um mercado digital em transformação, governos propuseram leis para exigir que as Big Techs paguem aos veículos de comunicação pelo uso do seu conteúdo.
Em qualquer país que tentou legislar sobre a relação entre sites de notícias e plataformas digitais, Richard Gingras, ex-vice-presidente de notícias do Google, podia ser visto argumentando que as leis são equivocadas e que a Alphabet (holding de tecnologia e empresa-mãe do Google) defende uma internet livre.
Sua presença em diversos países revela como a influência do Google é abrangente. No primeiro semestre de 2023, ele conversou com jornalistas brasileiros em um evento exclusivo do Google, em São Paulo; seu rosto estampou sete monitores em uma sala de um comitê desimportante na capital do Canadá; e discursou para jornalistas em Taipei.
Mas ele não agiu sozinho. O conselheiro jurídico da empresa, Kent Walker, também esteve ativo no Canadá, enquanto profissionais de relações públicas da empresa em dezenas de países também receberam a tarefa de influenciar as políticas de negociação.
Uma investigação transnacional descobriu que a cruzada do Google e da Meta para impedir ou atrasar projetos de leis que exigiam compensação à imprensa e proteger seus lucros – via construção de relacionamentos com a mídia, realização de eventos, acordos privados com meios de comunicação, mobilização do público contra a mídia e apoio do governo dos Estados Unidos – foram robustas, consistentes e, em muitos países, muito bem-sucedidas. Um verdadeiro “manual” de como interferir na legislação. A investigação faz parte do projeto A Mão Invisível das Big Techs, uma coalizão de 17 organizações de jornalismo trabalhando em 13 países, liderada pela Agência Pública e pelo Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), para investigar o lobby das Big Techs ao redor do mundo.
“Eu não chamaria de ‘manual’, isso seria muito estruturado”, disse Gingras em entrevista para essa investigação. “Mas não somos completamente estúpidos. Se você é agredido com um porrete várias vezes, você aprende a se esquivar”.
Procurado por essa investigação, o Google enviou uma nota: “Como muitas empresas, interagimos regularmente com formuladores de políticas e outros sobre uma ampla gama de questões, incluindo como as políticas podem afetar as pessoas que usam nossos produtos. Relatamos de forma transparente nossas interações com autoridades, de acordo com as regulamentações locais.”
A Meta também enviou seu posicionamento por escrito: “Assim como diversas empresas de diferentes indústrias e geografias, nós interagimos com representantes do governo, associações de classe e organizações para compartilhar informações sobre nossos produtos e serviços e contribuir com discussões que podem impactar a Meta ou a experiência das pessoas em nossas plataformas. Continuaremos a colaborar com esses grupos e a promover o debate público sempre com o objetivo de estabelecer o melhor arcabouço possível para a internet.”
Sentindo a pressão
No começo dos anos de 2010, a área de políticas públicas do Google começou a enfrentar seus primeiros desafios. Naquela década, a União Europeia promulgou normas que permitiam aos países-membros criar leis de direitos autorais para obrigar grandes agregadores de notícias, como Google e Facebook, a compensar os veículos pelo conteúdo jornalístico em suas plataformas. A UE afirma que as regras fortalecem “a posição de negociação dos veículos de imprensa quando negociam o uso de seu conteúdo por serviços online”, e que seu objetivo é “promover o melhor ambiente possível para desenvolver modelos de negócios inovadores”.
A Espanha foi um dos primeiros a aprovar uma lei de direitos autorais regendo o relacionamento entre plataformas como o Google e a imprensa. Em resposta, o Google excluiu as notícias espanholas da aba Google Notícias de seu mecanismo de busca em 2014. “É com grande tristeza que em 16 de dezembro (antes que a nova lei entre em vigor em janeiro) removeremos os veículos espanhóis do Google Notícias e fecharemos o Google Notícias na Espanha”, escreveu Gingras em um post no blog da empresa na época.
Em seguida, veio a lei francesa de 2019, que obrigava o Google a pagar pelos trechos e fotos de notícias que apareciam na busca. Para evitar pagar, o Google removeu manchetes e imagens das notícias, mas deixou os links para as matérias em seu mecanismo de busca.
Decepcionado com a resposta da empresa, o presidente francês Emmanuel Macron disse aos repórteres na época: “Certas empresas, como o Google, agora querem contornar as regras. Não vamos deixá-los fazer isso.”
Mas as comportas das novas leis de compensação à imprensa se abriram com a aprovação do News Media Bargaining Code, da Austrália (NMBC, na sigla em inglês), em fevereiro de 2021. A lei estabelece que, se não houve acordo, as Big Techs podem ser forçadas à mesa de negociação pelo governo. Embora esse poder nunca tenha sido usado ativamente, a ameaça foi suficiente para pressionar Google e Meta a assinarem acordos com as empresas de mídia.
Google, Meta e seus apoiadores das áreas de políticas públicas e da academia criticaram fortemente a lei. Nick Clegg, ex-chefe de relações públicas da Meta, chamou o código de “tentativa de obter subsídios em dinheiro camuflada por distorções sobre como a internet funciona”.
Nick Clegg, ex-chefe de relações públicas da Meta
Congressistas australianos argumentaram que a lei era uma ferramenta necessária para reequilibrar o mercado de publicidade online. O ex-tesoureiro do governo australiano Josh Frydenberg disse que o código “resolveria os desequilíbrios de poder de barganha que existem entre as plataformas digitais e as empresas de mídia”.
No século passado, a publicidade era uma das principais fontes de renda para a mídia, mas desde que os anúncios migraram para o online, empresas como Google e Meta ficam com a maior parte da receita. No ano passado, o mercado global de publicidade online rendeu 1 trilhão de dólares em receita.
Meta e Google são dominantes no mercado global de publicidade online. De acordo com Check My Ads, em 2023 o Google recebeu 39% desse total, enquanto a Meta recebeu 18%.
Em vez de o dinheiro da publicidade ir para plataformas locais que hospedavam os anúncios no Brasil, África do Sul ou Suécia, a receita publicitária desses países é canalizada de volta para as corporações dos EUA.
Enquanto isso, os veículos jornalísticos viram seu modelo de negócios, baseado em anúncios, desaparecer. Redações encolhendo, remuneração em declínio e condições de trabalho precárias significam que há menos dinheiro para pagar aos jornalistas que fiscalizam os poderes. A situação é classificada como “difícil” pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que no ano de 2025 detectou que a imprensa está numa pior situação econômica do que em qualquer ano anterior, de acordo com o indicador econômico de seu índice de liberdade de imprensa.
“Não podemos enfatizar o suficiente o quão séria a situação se tornou para o jornalismo local”, disse Chris Ashfield, presidente da Saskatchewan Weekly Newspapers Association, no oeste do Canadá, aos legisladores canadenses em setembro de 2022. “As receitas publicitárias diminuíram a ponto de a maioria dos editores de jornais locais operarem com uma equipe esquelética.”
Ao longo da década de 2010, a força de trabalho de jornalistas na Austrália caiu em quase 19%. No Canadá, entre 2008 e abril de 2023, 566 veículos de notícias locais fecharam em 372 comunidades. No Brasil, 1.460 veículos de notícias fecharam as portas desde o ano 2000, de acordo com pesquisa realizada pelo Atlas da Notícia.
Para enfrentar este problema, em 2018 a autoridade antitruste australiana lançou uma investigação sobre a predominância do Google e da Meta no mercado. Isso ajudou a levar o governo do país a introduzir a legislação do News Media Bargaining Code, no final de 2020.
A legislação exigia que as empresas pagassem os veículos de comunicação pelos trechos e fotos de notícias que aparecem no Facebook ou nos resultados de pesquisa do Google e outros produtos. Os sites de notícias argumentam que isso faz com os que usuários leiam a informação nas plataformas em vez de nos sites dos veículos.
Google e Meta rejeitam o argumento. O Google argumentou que o projeto de lei australiano “quebraria a busca do Google” e disse que a busca estava, na verdade, ajudando os veículos, ao redirecionar os usuários do Google para sites de notícias 24 bilhões de vezes por mês.
Ambas as Big Techs mobilizaram vozes críticas ao projeto de lei, incluindo o inventor da world wide web Tim Berners-Lee, que contesta o argumento de que Google e Meta estão “roubando” conteúdo noticioso dos veículos.
“É apenas uma análise ruim”, disse Gingras em uma entrevista para essa investigação. Além disso, ele defendeu que o uso de trechos de notícias é um “uso justo quando enviamos muito tráfego [para os sites].”
“A coisa mais importante é que estamos em um mercado publicitário totalmente diferente”.
Em fevereiro de 2021, a legislação australiana foi aprovada. O Google e a Meta poderiam contornar a obrigação negociando diretamente com os veículos. E assim fizeram com algumas empresas de notícias selecionadas.
Imediatamente após a legislação australiana entrar em vigor, apareceram resultados. Os anúncios de emprego para jornalistas aumentaram 46%, de acordo com um estudo do Australia Institute, e centenas de empregos foram criados. O relatório observa, entretanto, que é difícil calcular a contribuição direta dos acordos para a criação de empregos, devido ao sigilo dos acordos.
Outros governos começaram a apresentar projetos de lei na mesma linha dos códigos de barganha. O Brasil incluiu a remuneração por notícias no Projeto de Lei das Fake News de 2021. O Canadá realizou consultas em 2021 e apresentou o projeto que se tornou a Online News Act em 2022. A Indonésia decretou o Presidential Regulation on Publishers’ Rights em 2024. Até o estado natal do Google, a Califórnia, propôs o California Journalism Preservation Act em 2023, depois que a lei federal norte-americana, o Journalism Competition and Preservation Act, foi proposta no mesmo ano.
O “manual” do Google
Enfrentando uma tempestade regulatória, a Meta e o Google precisaram responder rapidamente.
Madhav Chinnappa, ex-executivo do Google News, disse em entrevista à essa investigação que isso foi uma decisão pragmática: “O Google é uma empresa global. Não podemos ter 193 maneiras diferentes de lidar com a indústria de notícias.”
Ele disse que o conjunto de estratégias usado pela empresa para argumentar contra a legislação em cada país foi resultado de aprendizado e melhoria em sua abordagem. “Você, na verdade, quer um manual de estratégias, porque isso te dá maior consistência.”
Embora desenvolver e implementar esse tipo de campanha global seja caro e demorado, Google e Meta têm os recursos e a influência necessários.
Grupos de mídia fizeram lobby pesado pela aprovação de leis de compensação ou códigos de barganha, mas suas campanhas tinham muito menos verba do que o Google e a Meta.
Quando o estado natal do Google estava mergulhado no debate sobre o pagamento ao jornalismo, a empresa gastou 10,7 milhões de dólares em lobby na Califórnia em um único trimestre de 2024. Isso é quase 50 vezes mais do que a média trimestral de gastos com lobby do Google no estado desde 2021.
A News Media Alliance, um grupo comercial de jornalismo que representa cerca de 2.200 editoras dos EUA e apoiou fortemente a lei californiana, também aumentou seus gastos com lobby no mesmo trimestre, mas desembolsou apenas US$ 70 mil.
No Brasil, o Google gastou mais de 2 milhões de reais em anúncios no Facebook e Spotify, em jornais, rádios e outdoors para criticar o PL das Fake News, que incluía um artigo de compensação ao jornalismo pelas Big Techs.
Antes da votação do projeto, as visitas de lobistas das Big Techs ao Congresso dispararam. Entre março e junho de 2023, houve mais visitas de lobistas do que nos 18 meses anteriores, segundo dados levantados pela Agência Pública para esta investigação.
Dias antes da votação, Henrique Mattos, então chefe de Parcerias de Notícias na América Latina, defendeu em um post no blog do Google a criação de um fundo privado estabelecido pelo próprio Google, dizendo que o recurso poderia trazer “benefícios para toda a indústria – em vez de apenas alguns veículos ou grupos específicos”, como faria a Lei das Fake News.
Mas aquilo era apenas mais uma tática contra a lei, segundo Carla Egydio, relações governamentais da Associação de Jornalismo Digital (Ajor).
“A conversa acontecia no sentido de falar, olha, acho que essa solução não vai ser boa para todo mundo. Acho que a solução da Austrália não é tão boa assim. Vamos pensar num outro modelo, um modelo como Taiwan, enquanto a gente consegue fazer um fundo privado. Isso foi dito para várias pessoas individualmente, para nós, e foi dito coletivamente também em alguns momentos. Mas o que eu digo é que uma proposta não foi apresentada”, diz.
O Canadá aprovou o Online News Act em 2023 e o Publisher’s Rights Directive da Indonésia foi implementada — ainda que enfraquecida — em fevereiro de 2024. Mas o PL das Fake News no Brasil foi assassinado (como revelou a reportagem da Agência Pública); a proposta da Califórnia foi abandonada em 2024, assim como o projeto de lei federal de remuneração ao jornalismo nos EUA, apresentado pela senadora democrata Amy Klobuchar e o senador republicano Jonh Kennedy, após pressão e promessas do Google e Meta de financiamento a empresas de mídia.
Grupos de mídia como a News Corp, na Austrália, e o Grupo Globo, no Brasil, têm enorme influência sobre políticos e a opinião pública – e os usaram para pressionar pela aprovação da lei.
No Canadá, por exemplo, os principais jornais representados pela News Media Canadá publicaram uma primeira página em branco em 2021 com a legenda “imagine se as notícias não estivessem aqui”, em um esforço para incentivar os deputados a legislar sobre o pagamento de conteúdo jornalístico. No Brasil, antes da votação, a TV Globo realizou um painel de discussão pró-regulamentação na FGV do Rio de Janeiro com o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o então Ministro da Justiça Flávio Dino e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
Arthur Lira adiou a votação do PL das Fake News a pedido do relator, que queria mais tempo para incorporar sugestões ao texto
Mas as empresas de tecnologia exercem pressão por meio de seu controle do ambiente online. O domínio da busca do Google significa que a simples ameaça de bloquear links de notícias nos resultados representa um sério perigo à existência dos veículos.
Na época, Gingras disse que a aprovação da lei de direitos autorais que incluía pagamentos por conteúdo jornalístico em sua plataforma poderia significar o fim do Google Notícias na União Europeia. Isso nunca aconteceu.
Embora as empresas não tenham conseguido evitar a regulação em todas as jurisdições, Google e Meta tiveram sucesso ao convencer parte da opinião pública e criar dissidência.
No Brasil e no Canadá, os projetos de lei se tornaram controversos. Críticos de think tanks a grupos da sociedade civil, influenciadores do YouTube e acadêmicos começaram a denunciar os projetos como uma “caça ao dinheiro”, um “imposto links” ou “tentativa de censura”.
Um dos argumentos mais eficazes foi que as propostas prejudicariam pequenos veículos independentes.
Após a aprovação da legislação australiana, representantes das Big Techs disseram que a lei beneficiava desproporcionalmente a maior e mais rica empresa de mídia do país, a News Corp Australia, cuja empresa-mãe, anteriormente dirigida pelo bilionário Rupert Murdoch, também é dona da Fox News, New York Post, Wall Street Journal e do jornal britânico The Sun.
A News Corp impulsionou a legislação australiana e fez lobby para sua aprovação. Mas o papel ativo que a News Corp na Austrália virou um argumento usado pelo Google e a Meta em outros países, onde alegavam que a legislação beneficiaria apenas os grandes grupos.
Representantes do Google, Meta, X (antigo Twitter) e Mercado Livre disseram em carta aberta ao governo do Brasil que o Projeto de Lei das Fake News “pode acabar favorecendo apenas os grandes e tradicionais veículos de mídia, prejudicando o jornalismo local e independente, e limitando o acesso das pessoas a fontes diversificadas de informação”. As empresas apresentaram argumentos semelhantes no Canadá, Austrália, Indonésia e Califórnia.
Gingras disse o mesmo em entrevista para esta investigação: “Os códigos de barganha na Austrália, Brasil e Canadá não foram propostos pelos pequenos. Foram propostos pela Globo, News Corp e Postmedia.”
Dividir e conquistar
“Naquela época, o discurso era: Só os grandes vão se beneficiar. E isso é uma estratégia do Murdoch. Os pequenos na Austrália não conseguiram nada”, diz uma pessoa diretora de uma ONG de apoio ao jornalismo que havia assinado uma petição pedindo a remoção da proposta de remuneração do PL das Fake News.
Mas quando representantes da mídia brasileira conseguiram se encontrar com seus homólogos australianos, ouviram algo diferente: na Austrália, os veículos menores se uniram, e a proposta de remuneração forçou o Google a negociar com eles.
“A gente não sabe o que está de fato acontecendo na Austrália porque não tinha interlocução com ninguém lá. E tudo que a gente via que estava sendo produzido de conteúdo, estudos que chegava pra gente, quando você via era uma organização financiada pelo Google”, diz.
Os pequenos veículos tinham motivos para se preocupar. Os grandes veículos tinham mais voz e acesso direto aos legisladores. A News Media Canada, por exemplo, que representa alguns dos maiores veículos do país, era uma forte apoiadora do projeto de lei e frequentemente fazia lobby sobre o tema.
Enquanto isso, os veículos menores do Canadá não tinham pessoal ou verba para pagar lobistas em tempo integral. Estes veículos então se uniram para formar uma coalizão chamada Press Forward. O grupo manifestou preocupações e solicitou mudanças no projeto de lei para garantir que veículos grandes não iriam se beneficiar de maneira desproporcional.
O Google tentou se alinhar ao grupo, chegando a oferecer informalmente pagar por um lobista para os veículos no Newsgeist, conferência do Google em Montreal, em 2022, de acordo com reportagem do National Post. Após considerar a proposta, a Press Forward recusou a oferta.
Newsgeist, conferência do Google em Montreal, em 2022
Maria Saras-Voutsinas, presidente do National Ethnic Media and Press Council of Canada (NEMPCC), disse que quando o Online News Act foi apresentado pela primeira vez, ela estava preocupada que seus membros ficariam de fora, e que só favoreceria a mídia tradicional, mais uma vez.
Sua organização apoia repórteres e editores de mais de 75 veículos de notícias em idiomas locais do Canadá, muitos deles com poucos funcionários.
Apesar de todas as suas alegações sobre a legislação beneficiar grandes veículos, quando deixadas à própria vontade, o Google e a Meta fecharam acordos preferenciais com os grandes veículos.
Através do seu programa Google Destaques, a empresa assinou contratos com 11 jornais do Canadá, todos entre os maiores do país.
Saras-Voutsinas disse que seu grupo tinha um acordo de treinamento com a Meta antes do Online News Act ser aprovado, que não tinha dinheiro envolvido. Quando ela pediu financiamento da empresa para os membros, “assim que fizemos um pedido… essa conversa morreu”, disse. Ela disse que algo semelhante aconteceu com o Google.
Ela só soube que outros veículos estavam recebendo subsídios ou fechando acordos com as empresas quando isso veio à tona durante o debate sobre o projeto de lei. “Isso faz você se sentir um peixinho num mar grande, que é, infelizmente, como nos sentimos o tempo todo”, disse ela.
Depois de ver como pequenos e grandes veículos poderiam trabalhar juntos, Maria Saras-Voutsinas disse que sua organização começou a apoiar o projeto de lei. O NEMPCC acabou se juntando ao News Media Canada para defender a aprovação da lei.
O mesmo aconteceu na Austrália. “Foi como Davi e Golias”, diz Nelson Yap, co-presidente da Public Interest Publishers Alliance, que representa pequenos veículos de notícias em todo o país.
“Tivemos que formar uma associação para conseguir fechar acordos. Não podemos pagar lobistas, mas somos 24 veículos de mídia e representamos parte da comunidade”. Ainda assim, o Google contestou seus números de audiência. Ele explicou que, para pressionar, o grupo fez com que senadores escrevessem cartas em seu nome para o Google e o Facebook. Foi somente após muita pressão que todos os membros conseguiram acordos.
Construindo Relacionamentos
Em maio de 2023, o Google realizou a “desconferência” Newsgeist em um resort de luxo em São Paulo, Brasil. Liderado pelo GNI (Google News Initiative), o Newsgeist é uma conferência exclusiva para convidados que reúne representantes de tecnologia e mídia. Os legisladores do país haviam interrompido a votação do Projeto de Lei das Fake News dias antes.
Newsgeist, conferência do Google em São Paulo, em 2023
Jornalistas de pequenas e grandes organizações de mídia confraternizaram, discutindo o futuro das notícias no Brasil em palestras-relâmpago de cinco minutos, jogos de Werewolf e pausas para lanches.
Na agenda, que é livremente proposta pelos participantes, havia pelo menos duas sessões sobre o projeto de lei. Mas a agenda começou com a empreendedora de jornalismo digital Paula Miraglia, fundadora do Think Tank Momentum, criticando o Google por colocar os cidadãos contra a lei das Fake News.
“É incompatível afirmar que você apoia o jornalismo, se você faz uma interferência tão pesada no processo legislativo e regulatório de um país. Não dá pra ter os dois”, disse ela. “No futuro, vamos olhar para trás e ver que as empresas de tecnologia causaram danos equivalentes aos das empresas de petróleo, álcool e armas. E essas indústrias, para o bem ou para o mal, foram pelo menos minimamente regulamentadas em algum momento.”
No dia seguinte, o Google se reuniu a portas fechadas com representantes da Ajor. Participantes do encontro dizem que a associação – que recebeu uma grande parte de seu financiamento do Google e de outras grandes empresas de tecnologia – fora pressionada a se opor ao PL das Fake News e a defender um fundo privado criado pelo Google.
Mas, após a associação decidir defender o PL, seu financiamento foi progressivamente reduzido, de acordo com fontes internas.
Onde houvesse uma proposta de lei de código de barganha, andamento, o Google organizava um Newsgeist.
Em maio de 2022, o Google realizou o Newsgeist em Montreal, Canadá, um mês antes do governo do Canadá apresentar oficialmente o Online News Act.
A primeira vez que o Newsgeist foi realizado na Europa foi em 2015, um ano depois de a Espanha aprovar uma lei de direitos autorais para remunerar a mídia, e no mesmo ano em que a França aprovava uma.
Richard Gingras durante Newsgeist, conferência do Google na Europa, em 2023
Cingapura também sediou o primeiro Newsgeist na Ásia em 2019, no mesmo ano em que o país apresentou um projeto de lei sobre notícias falsas que regularia o conteúdo noticioso nas plataformas tecnológicas.
“Esse tipo de evento mais exclusivo que as plataformas realizam e algumas das parcerias que desenvolvem em conexão com tais eventos fazem parte do ‘modelo de captura’”, diz Julie Posetti, vice-presidente de pesquisa global do International Center for Journalists (ICFJ), organização sem fins lucrativos que apoia jornalistas. Ela diz que esses eventos fazem os jornalistas se sentirem como “insiders em relacionamentos com os atores corporativos dentro dessas empresas”.
Nenhum Newsgeist jamais foi realizado na Austrália, embora Richard Gingras tenha participado de painéis e encontros com associações de notícias digitais e instituições acadêmicas em todo o país em 2017 e 2018, antes de projeto de lei do NMBC ser proposto.
Gingras disse a essa coalizão que passou “um tempão” na Austrália e no Brasil quando as leis eram debatidas.
Em um post no blog do Google em junho de 2020, intitulado “Esclarecendo fatos sobre notícias”, Gingras escreveu sobre “alegações recentes imprecisas sobre como o Google trabalha com a indústria de notícias e nossa troca de valor com os veículos de jornalismo”. E contestou a premissa do código.
“Enviar pessoas para os sites de notícias e não mantê-las ‘confinadas’ em produtos do Google, como alguns alegam, é uma maneira fundamental pela qual fornecemos valor para a indústria de notícias. Todos os meses, direcionamos usuários do Google para sites de notícias 24 bilhões de vezes”, escreveu ele.
Gastos Estratégicos
Como parte de sua estratégia, Google e Meta vêm financiando redações há mais de uma década. Em 2015, um ano depois de a Espanha aprovar suas leis de direitos autorais, foi fundada a Digital News Initiative, do Google.
Sob a liderança de Gingras, o programa tornou-se posteriormente o Google News Initiative (GNI) e se expandiu pelo mundo em 2018. O Google prometeu doar 300 milhões de dólares por ano para milhares de redações com o GNI em 2018.
Anúncio do Google de investimento de 1 bilhão de dólares em parceria com veículos
O programa causou impacto na indústria em um momento em que as receitas estavam encolhendo, e Gingras se orgulha do sucesso. “Investimos quantias enormes de dinheiro ao longo de oito ou nove anos para impulsionar a inovação. Tenho muito orgulho disso”, disse ele ao Nieman Lab, da Universidade de Harvard, em maio de 2025.
A Meta também doou milhões de dólares a veículos via financiamento de programas de fact-checking e treinamento desde 2016, antes de a empresa se afastar do conteúdo noticioso, levando seu dinheiro junto.
Mas um pesquisador e várias fontes entrevistadas sob anonimato dizem que há mais por trás do financiamento dessas empresas do que filantropia. “Um fator importante que eu atribuo a esse financiamento naquela época era o propósito do Google de fazer frente à pressão pela regulação”, disse Charis Papaevangelou, pesquisador da Universidade de Amsterdã que estudou os padrões de financiamento do Google e da Meta ao longo de três anos.
A pesquisa de Papaevangelou descobriu que, enquanto o Google financiava veículos em todo o mundo, a maior concentração dos financiamentos entre 2020 e 2022 estava nos Estados Unidos, Brasil e Canadá, países que debatiam propostas de remuneração ao jornalismo.
Ex-funcionários do Google envolvidos no DNI negam que o programa tenha sido uma tática de lobby. “O DNI não foi uma resposta direta à pressão regulatória. Era uma tentativa de entender por que havia esta pressão e lidar com as questões subjacentes”, disse Madhav Chinnappa, que trabalhou no Google de 2010 a 2023 e ajudou a fundar o GNI.
“O Google tentou jogar um papel positivo ao colocar dinheiro para a inovação e para nutrir uma nova geração de novos atores e startups de mídia para promover uma diversidade de vozes. Não necessariamente para retribuir para os veículos ou para fazer a coisa certa, mas para dar uma resposta às críticas crescentes à medida que a pressão regulatória se tornou mais forte”, diz Ludovic Blecher, ex-chefe da divisão de inovação do Google News Initiative.
“Mas em algum momento ficou claro que, especialmente na Europa, essa regulação ia vir de qualquer jeito. A maioria dos veículos estavam na verdade buscando algum tipo de subsídio sem nenhuma contrapartida”.
Ele explica que, mesmo quando trabalhava como jornalista, nunca concordou com a ideia de que o Google “destruiu o nosso negócio”. “Eu acho que, se formos honestos, nós, veículos, quase morremos por falta de visão”.
“Sei que pode soar provocativo, mas devemos ao Google, de certa maneira. O Google tem sido a maior fonte de tráfego de graça. O Google deu aos veículos a oportunidade de monetizar a sua audiência – e até de transformá-los em assinantes, se tivéssemos pensado nisso desde o primeiro dia”.
Mas alguns pesquisadores discordam sobre os objetivos dos programas de jornalismo do Google. “Minha conclusão é que foram uma tentativa de amenizar qualquer tipo de jornalismo que buscasse a responsabilização destas empresas. Para apresentá-las como atores de tecnologia benignos que eram amigos dos jornalistas, amigos da mídia de interesse público. Isso era parte de uma estratégia para influenciar, em última instância, reguladores e legisladores”, diz Julie Posetti.
A mesma crítica também é ouvida dentro da imprensa. Centenas de redações indonésias receberam financiamento por meio do GNI para treinamentos e programas de jornalismo. Mas Firdaus, presidente do sindicato Indonesian Cyber Media Union, disse que os programas de treinamento não passam de ações da boca pra fora.
“Mas é melhor do que nada”, disse Firdaus. “Somos uma mídia pequena e muito pobre.”
Mas a ameaça de retirada do financiamento é uma preocupação séria para alguns veículos.
No Brasil, executivos do Google sugeriram em um post do blog da empresa publicado apenas dias antes da votação do PL das Fake News que, se aprovada a lei, isso iria “colocar em risco” os apoios feitos a veículos de mídia e programas de combate à desinformação.
Leonardo Attuch, dono do site de esquerda Brasil 247, expressou preocupação a funcionários do governo de que o investimento do Google seria cortado para sites progressistas. Ele também afirmou que o Grupo Globo seria o maior beneficiado.
O site de Attuch, que era lido atentamente por membros do governo, foi duramente crítico ao PL 2630.
Procurado por essa investigação, Attuch afirmou que “o PL 2630 atende aos interesses da Rede Globo e das empresas de radiodifusão e teve influência direta da Abert na sua elaboração. Todo o mercado sabe disso”. Ele firmou ainda não acreditar que seus editoriais e lives “tenham influenciado um único voto no Congresso Nacional” e que “como o Brasil 247 e a TV 247 são veículos verdadeiramente democráticos, todos os nossos jornalistas tiveram espaço para expressar livremente suas opiniões, contra ou a favor do projeto”. Leia a íntegra aqui.
Mas, à medida que os desafios de direitos autorais e regulatórios continuavam surgindo, o Google aumentou seu financiamento direto à mídia. A empresa criou o Google Destaques em outubro de 2020. O CEO Sundar Pichai disse que o programa gastaria US$ 1 bilhão em notícias em todo o mundo por meio de contratos de licenciamento.
Até o lançamento, em 1º de outubro, 200 veículos haviam assinado contratos. Austrália, Argentina, Alemanha e Brasil estavam entre os primeiros países onde o programa foi lançado.
Apenas um dia depois, em 2 de outubro, a empresa pausou a implementação na Austrália, ameaçando reter o financiamento dos parceiros australianos devido a “considerações regulatórias”, já que a lei estava sendo debatida.
O financiamento do Google Destaques também foi uma tática de lobby no Brasil. O Google solicitou que uma cláusula sobre remuneração pelo uso de notícias presente na Lei das Fake News fosse alterada para acomodar acordos já estabelecidos.
Documentos analisados por nossa reportagem também revelam que os contratos do Destaques vêm com algumas condições, como o reconhecimento de que o tráfego enviado pelo mecanismo de pesquisa do Google é remuneração suficiente. (leia a reportagem completa sobre o Google Destaques aqui)
A empresa ainda está fechando mais acordos. Contratos do Destaques estão sendo negociados com veículos de mídia na Indonésia como parte da proposta de remuneração ao jornalismo no país. No Brasil, contratos de três anos do Destaques estão em processo de renovação.
Influência do governo dos EUA
Dias antes de o presidente dos EUA, Donald Trump, revelar sua tão aguardada lista de tarifas do “Dia da Libertação” no jardim da Casa Branca, o Representante Comercial dos EUA (USTR) divulgou um relatório de 397 páginas apontando políticas implementadas por outros países que prejudicam a economia norte-americana.
Os códigos de negociação de notícias do Canadá e da Austrália foram destacados no relatório.
A associação comercial Computer & Communications Industry Association (CCIA), que tem entre seus membros o Google, a Meta e a Amazon, havia enviado queixas sobre as leis de regulação tecnológica de vários países ao governo americano. O documento tratou de medidas em dezenas de países, incluindo Brasil, Canadá, Indonésia, África do Sul e Austrália.
O documento as classifica os projetos de lei como “Transferências de Receita Forçadas para Notícias Digitais” e alega que são uma “intervenção governamental injustificada” que “impõe externalidades negativas significativas aos provedores de serviços online, bem como para o ecossistema mais amplo da internet, especialmente à medida que o número de adultos norte-americanos que obtêm suas notícias pelas mídias sociais continua a aumentar”.
“O exemplo da Austrália se espalhou para outras jurisdições, um desenvolvimento recente que merece atenção e reação do governo dos EUA antes que se acelere”, conclui o relatório.
Desde a eleição de Trump, o governo dos EUA vem pressionando países a recuar em regulamentações tecnológicas que, segundo ele, miram injustamente empresas norte-americanas. No dia 26 de agosto de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, emitiu um comunicado através de sua rede social afirmando que enfrentará todos os países que buscarem instituir impostos digitais, legislação de serviços digitais e regulamentações de mercados digitais. “Notifico todos os países com impostos, legislação, regras ou regulamentações digitais de que, a menos que essas ações discriminatórias sejam removidas, eu, como Presidente dos Estados Unidos, imporei tarifas adicionais substanciais às exportações daquele país para os EUA e instituirei restrições à exportação de nossa tecnologia e chips altamente protegidos”.
Depois de anunciar que revogaria o Imposto sobre Serviços Digitais, que obrigaria Big Techs a pagar uma taxa de 3%, o primeiro-ministro canadense Mark Carney deu a entender que também estava considerando suspender o Online News Act.
As ameaças de tarifas de Trump, pelo menos em parte, também atrasaram a implementação de uma nova versão da lei de código de barganha na Austrália.
O governo australiano começou a elaborar a nova proposta em 2024. As mudanças proibiriam que as Big Techs se recusassem a veicular conteúdo noticioso.
“As plataformas terão uma escolha sobre pagar um imposto ou dar dinheiro aos veículos. Isso deve dar mais segurança à mídia”, disse Margaret Simons, diretora do Melbourne University Centre for Advancing Journalism.
O anúncio da nova política proposta veio meses depois de a Meta revelar que decidiu não renovar nenhum de seus acordos com veículos australianos.
O Google também começou a se retirar dos acordos com os veículos. Em junho, anunciou que cancelaria 24 deles, após uma “revisão interna”, embora os contratos fossem de 5 anos, renováveis a cada ano.
As ameaças de tarifas de Trump aparentemente atrasaram o novo incentivo por uma “cautela” pois “qualquer pronunciamento poderia ser visto como punitivo a empresas norte-americanas”, de acordo com reportagem do The Sydney Morning Herald.
Registros do Departamento de Relações Exteriores e Comércio da Austrália mostram que o embaixador do país nos EUA, Kevin Rudd, se reuniu com as Big Techs para discutir a nova versão da lei de compensação várias vezes em março de 2025.
E-mails internos analisados pela reportagem também mostram que as principais lobistas da Meta na Austrália, Cheryl Seeto e Mia Garlick, se reuniram em março com funcionários do então vice-tesoureiro Stephen Jones em Canberra, capital do país, semanas antes do governo começar a campanha para a reeleição.
Diversas fontes da mídia disseram que o governo, eleito para outro mandato de três anos em maio, disse em privado que está comprometido em seguir em frente com o incentivo.
Antes da eleição, a então ministra das Comunicações da Austrália disse à essa investigação que o governo continuaria trabalhando para implementar a lei, apesar das ameaças comerciais. “Este é um governo que se engaja com nosso aliado mais próximo e caro, independentemente da administração que estiver na Casa Branca, e continuaremos a fazer isso”, disse Michelle Rowland, que desde então foi nomeada procuradora-geral da Austrália.
“Deixamos muito claro publicamente para os EUA que isso não está sobre a mesa”, disse ele.
No entanto, uma consulta sobre a nova lei, prometida para o primeiro semestre de 2025, não foi divulgada até o início de agosto.
Na Indonésia, o governo apresentou o Presidential Regulation on Publishers’ Rights em 2024 e o texto foi promulgado em fevereiro de 2025. O projeto rege a relação entre veículos e plataformas digitais para apoiar o jornalismo de qualidade no mundo digital.
A Câmara Americana de Comércio na Indonésia (AmCham Indonésia) se reuniu com o Ministério das Comunicações para discutir a lei antes de sua assinatura em 2024. Antes, houve outras reuniões sobre regulamentação de plataformas digitais conduzidas por organizações alinhadas ao governo dos EUA.
A ameaça: “É só clicar em um botão”
“Se eu pudesse voltar no tempo e ter zero dólares [do Online News Act], mas ter a Meta de volta, eu preferiria isso”, disse Jeff Elgie, CEO da Village Media, empresa que possui 33 sites de notícias locais em Ontário, no Canadá.
Elgie foi uma das vozes mais críticas da lei de negociação durante o processo legislativo. Ele também tem um relacionamento próximo com Richard Gingras, do Google.
Após o Canadá aprovar Online News Act em junho de 2023, a Meta disse que bloquearia notícias em suas plataformas para evitar estar sujeita às regulamentações.
Desde agosto de 2023, canadenses que tentam postar notícias no Facebook ou Instagram vêem uma tela em branco com a mensagem que “em resposta à legislação do governo canadense, o conteúdo de notícias não pode ser visualizado no Canadá”. A decisão foi vinculada à regulação e não à decisão corporativa da plataforma.
Aviso de conteúdo bloqueado no Canadá
Como resultado direto do bloqueio, veículos canadenses relataram uma queda de 43% no engajamento em redes sociais.
“No futuro, esperamos que o governo canadense reconheça o valor que já fornecemos à indústria de notícias e considere uma resposta política que sustente os princípios de uma internet aberta e livre”, disse a principal lobista da Meta no Canadá, Rachel Curran.
Esta foi a primeira vez em que a Meta cumpriu de maneira permanente uma ameaça que havia feito várias vezes antes.
Na Austrália, a Meta bloqueou links de notícias no Facebook e Instagram por cinco dias durante as negociações do NMBC, fazendo com que o tráfego para os sites de notícias do país caísse temporariamente 13%. Mas depois de obter concessões do governo, a Meta retomou o conteúdo.
Nos EUA, senadores planejavam incluir a lei federal Journalism Competition and Preservation Act (JCPA) em uma lei orçamentária de 2022, mas recuaram após a Meta ameaçar bloquear notícias se ela fosse aprovada. A empresa fez o mesmo na Califórnia em 2024 quando o estado debatia sua legislação.
A Meta fez ameaças semelhantes na Indonésia em 2023. O diretor de políticas públicas da Meta para o Sudeste Asiático, Rafael Frankel, disse que a empresa iria “relutantemente” ter que aplicar na Indonésia a mesma política que aplicou no Canadá. E no Brasil, embora nunca tenha feito ameaças públicas, fontes internas da Meta relataram que a empresa decidiu que iria fazer a mesma coisa.
A medida teve consequências no mundo real. Mesmo com um bloqueio de curto prazo na Austrália, pessoas perderam o acesso a informações vitais sobre Covid-19 e desastres naturais.
No Noroeste do Canadá, onde muitas pessoas dependem do Facebook para acessar notícias, pessoas ficaram sem informações cruciais sobre a propagação de incêndios florestais em 2023, durante uma das temporadas de fogo mais devastadoras já registradas no país.
O Google também fez ameaças de retirar as notícias. Ele realizou “testes” de bloqueio de notícias de curto prazo, enquanto projetos eram debatidos no Canadá, Austrália, Europa e EUA, para “avaliar” como uma desindexação permanente de conteúdo noticioso poderia afetar o tráfego.
Wahyu Dhyatmika, chefe da Associação de Mídia Cibernética da Indonésia, disse que um representante do Google lhe mostrou como seria fácil desindexar notícias na região. “É só clicar em um botão”, disse ele. “Eles registraram todos as URLs com notícias. Acho que eram cerca de 3.000 ou 4.000, e com um clique eles poderiam desindexá-las e fazê-las desaparecer.”
No entanto, depois de anos ameaçando retirar o conteúdo noticioso, o Google nunca cumpriu totalmente a ameaça “porque não precisamos”, diz Gingras.
Chinnappa disse à reportagem que as promessas do Google de sair de um país não devem ser vistas como ameaças, mas como um exemplo de como o Google segue a lei. “O Google tenta obedecer às leis em todos os países em que opera. Se as leis forem muito onerosas, então ele não operará.”
Gingras concorda. “Se você está basicamente dizendo que temos que pagar por cada link quando não há dinheiro em uma busca por notícias, então vamos usar menos links [de notícias].”
Na Espanha, o único país onde o Google parou de oferecer seu serviço dedicado Google Notícias, os veículos digitais viram uma queda inicial no tráfego em 2014. Mas um estudo descobriu que, a longo prazo, a maioria dos sites de notícias experimentou uma redução de tráfego de 5% ou menos.
Mas há quatro anos, a lei de direitos autorais da Espanha mudou e o Google Notícias foi restaurado. O Google Destaques foi relançado no país em pouco tempo e muitos veículos digitais comemoraram seu retorno.
Documentos internos analisados pela reportagem mostram que o Google também planejava bloquear links para notícias no Canadá após a aprovação do Online News Act.
“Deixamos claro que uma legislação inviável poderia levar a mudanças que afetem a disponibilidade de notícias nos produtos do Google no Canadá”, escreveu o conselheiro jurídico interno do Google, Kent Walker, ao então ministro do Patrimônio do Canadá em um e-mail de 23 de junho de 2023, um dia após a aprovação da lei.
A empresa acabou recuando da desindexação de notícias canadenses após conseguir negociar um acordo para ficar isenta da lei.
Para isso, o Google prometeu gastar US$ 73 milhões por ano durante cinco anos para apoiar o jornalismo no Canadá. E para distribuir os fundos, o Google escolheu o Canadian Journalism Collective (CJC), uma organização formada apenas um mês antes de ser selecionada.
Quando formado, o CJC era liderado por alguns dos maiores críticos do Online News Act, como Erin Millar, CEO e cofundadora da Indiegraf, uma organização voltada a apoiar startups de notícias, e Jeff Elgie, da Village Media. Em abril deste ano, Gingras foi nomeado presidente do conselho do Village Media.
Mudando a narrativa
Tanto a Meta quanto o Google argumentam que as notícias não têm valor para eles.
“Consultas de notícias na pesquisa do Google são menos de dois por cento do total de consultas”, disse Gingras a senadores canadenses em 2023. “A quantidade de receita que ganhamos diretamente com notícias em nossos produtos é ainda menor que isso.”
A Meta alega que as notícias representam três por cento do conteúdo no Facebook.
No início deste ano, quando o Google testou bloquear notícias para 1% dos usuários na Europa por dois meses e meio, não relatou nenhuma mudança em sua receita e uma queda de menos de 1% no uso do mecanismo de busca.
Mas os números variam amplamente dependendo de quem conta. Um estudo da consultoria econômica suíça FehrAdvice descobriu que a inclusão do jornalismo nos resultados de pesquisa ajuda a contribuir para a atualização, relevância, confiança e integridade do Google na Alemanha. O documento concluiu que, em média, o conteúdo jornalístico aumenta o valor da busca do Google em 24%. Um estudo anterior da mesma empresa descobriu que, na Suíça, o valor percebido da pesquisa aumenta em 16% com a inserção de notícias.
A equipe de notícias do Google acredita que o saldo é positivo para o jornalismo digital. “Estamos dispostos a fazer mais [pela imprensa] do que ela nos proporciona”, disse Gingras aos senadores canadenses em 2023. Ele implorou aos legisladores que reconhecessem “o valor que fornecemos, tanto com o tráfego, quanto com outros meios que usamos para apoiar o ecossistema de notícias no Canadá”.
Mas, embora afirme não ganhar dinheiro diretamente com anúncios no Google Notícias, o jornalismo tem mais valor para o Google do que a empresa deixa transparecer. Informações completas e precisas são “muito mais importantes para o produto e para a proposta de valor do Google do que para a Meta”, diz Sophia Crabbe-Field, pesquisadora do Centro para a Democracia e Liberdade de Expressão da Universidade McGill, no Canadá.
Ao excluir o jornalismo, o Google estaria criando uma lacuna significativa de informação para seus produtos de busca.
No entanto, em muitos países, Google e Meta foram bem-sucedidos em mudar o debate público sobre os projetos de lei, desviando o foco dos monopólios de publicidade online para a defesa de que qualquer regulação poderia ameaçar a livre expressão e causar censura.
“Isso mostra como as Big Techs podem ser bem-sucedidas em criar essas narrativas”, diz Crabbe-Field, que escreveu um relatório de 144 páginas sobre o Online News Act canadense e suas consequências.
“As grandes empresas de tecnologia querem se colocar como artífices de uma internet livre. Elas não necessariamente têm nossos interesses democráticos e nossa liberdade como prioridade em seu comportamento”, disse ela.
No Brasil, o debate da liberdade de expressão virou uma das polêmicas com o Projeto de Lei das Fake News.
“A campanha orquestrada entre as Big Techs e setores da extrema direita brasileira não só teve como objetivo suspender a votação do PL, mas também serviu para intensificar ataques já recorrentes ao jornalismo”, analisou o diretor latino-americano da organização Repórteres sem Fronteiras, Artur Romeu.
Influenciadores de direita alinhados com o ex-presidente Jair Bolsonaro acusaram empresas de mídia de querer “mamar no dinheiro público” e censurar sua liberdade de expressão.
O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro regularmente atacava a mídia, e a bancada evangélica foi central para derrubar o projeto de lei, em aliança com a Meta. O principal alvo desses ataques foi o Grupo Globo, o maior grupo de mídia da América Latina.
Bolsonaro costumava segurar placas dizendo “Globo lixo”, hashtag associada aos dias mais barulhentos da campanha contra o projeto de lei, de acordo com descobertas do Netlab, grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E o próprio Bolsonaro compartilhou no seu WhatsApp um artigo de opinião do presidente do Google no Brasil, Fábio Coelho, criticando o projeto. “A Globo está por trás disso?”, perguntou ele a seus aliados mais próximos.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou que a “extrema imprensa extremista” queria a aprovação do projeto porque “odiava” a internet. Ele usou seu canal no YouTube para chamar o projeto de “PL da Censura” e repetiu alegações de que a lei beneficiaria apenas grandes players como a TV Globo.
“Nesse caso, o argumento ganhou contornos particularmente perversos: enquanto apontavam um suposto corporativismo dos meios de comunicação, buscavam, na verdade, proteger os próprios interesses comerciais das plataformas, em conflito evidente com o interesse público”, diz Artur Romeu. “Essa versão distorcida não só instrumentaliza um ódio difuso à imprensa como estratégia política, mas também contribui para aprofundá-lo na sociedade”.
O valor futuro das notícias
Projetos de lei e processos judiciais continuam a aparecer em todo o mundo, enquanto os países tentam abordar os desequilíbrios entre notícias e plataformas no espaço online.
Em 20 de junho de 2025, o Conselho Federal Suíço propôs mudar a lei de direitos autorais do país para exigir que as plataformas paguem os veículos pelo conteúdo jornalístico exibido, ao mesmo tempo que tenta impedir que estas empresas bloqueiem as notícias.
E na África do Sul, o país pretende forçar o Google a pagar à mídia via lei de concorrência, em vez de aprovar uma legislação, o que pode oferecer um novo método para abordar o domínio dessas plataformas online.
Mas o valor das notícias para as plataformas tecnológicas pode estar mudando à medida que as empresas correm para criar sistemas de IA cada vez mais sofisticados.
Modelos de IA precisam ser treinados em grandes volumes de dados de qualidade. Informações verificadas, do tipo que veículos de mídia confiáveis criam, são exatamente isso.
Da OpenAI à Perplexity, passando pela Amazon, empresas que trabalham com IA já começaram a fechar acordos de licenciamento com marcas de notícias conhecidas, como The Guardian e The New York Times para acessar conteúdo fechado ou arquivado.
À medida que a Austrália embarca no processo legislativo para atualizar as regras de remuneração ao jornalismo, editores e formuladores de políticas se preparam para uma luta maior do que a que enfrentaram em 2021.
“A IA precisa ser vista como parte da discussão para moldar a legislação, porque esses modelos estão raspando nosso conteúdo único e monetizando-o, e queremos uma parte disso”, disse em entrevista a essa investigação o presidente da aliança Country Press Australia, Andrew Schreyer.
Outros países também têm a IA em seu radar. Veículos de notícias indonésios estão otimistas para que o regulamento de 2024, que exige que plataformas e veículos negociem, pode ser uma porta de entrada para futuros acordos de IA gerar novos negócios para o jornalismo.
O Brasil também aprovou uma lei de IA no Senado, incluindo pagamentos pelo uso de conteúdo jornalístico e artístico em IA, mas o texto ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados, onde já enfrenta oposição.
Lá, a luta frustrada para aprovar o PL das Fake News deixou um legado, de acordo com a lobista da Ajor Carla Egydio. “Acho que essa situação toda no 2370, ela abriu possibilidades de diálogo, por exemplo, que se manifestaram de novo no PL da IA. Então, numa perspectiva de diálogo, acho que o campo hoje dialoga mais do que dialogava em 2023. E eu acho que isso é um grande saldo positivo”, diz.
A Online News Act do Canadá se aplica a plataformas de um certo tamanho que “disponibilizam conteúdo noticioso”. Documentos internos mostram que o governo federal considerou se chatbots de IA deveriam ser incluídos na lei, embora não tenha dado nenhum passo nesse sentido.
Em 6 de agosto, o jornal Sydney Morning Herald noticiou que executivos de alguns dos principais veículos de notícias da Austrália haviam feito lobby junto ao governo para pressionar as empresas de IA que treinam seus modelos com conteúdo noticioso. Isso, depois de um think tank alinhado ao governo propor que essas empresas deveriam receber uma “isenção” no pagamento de direitos autorais para fins de mineração de dados para a IA. De acordo com a reportagem, os veículos consideravam pedir ao governo que os ajudasse a fechar acordos comerciais com empresas de IA.
Na Dinamarca, a Organização de Gestão Coletiva de Publicações da Imprensa tem negociado acordos com redes sociais e plataformas de IA, do Google à ProRata.ai, uma por uma. Em julho, o grupo anunciou que entraria com ação legal contra a OpenAI. A organização também considerou processos sobre direitos autorais por conteúdo noticioso no LinkedIn.
O que diferencia a situação da Dinamarca de outros países é que a organização representa praticamente todos os veículos de notícias do país nórdico. Assim, os veículos podem pressionar por acordos que beneficiem todos para estabelecer “um mercado justo e eficiente que incentive a inovação, a criatividade, o investimento e a criação de novo conteúdo”, conforme prometeu o governo dinamarquês ao assumir a presidência da EU este ano.
Anya Schiffrin, diretora do curso de especialização em Tecnologia, Mídia e Comunicações da Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Columbia (EUA), diz que a batalha pela remuneração não acabou. Ela diz que alguns Congressos estão debatendo um dispositivo de “must carry” para impedir que as mídias sociais removam conteúdo de notícias para evitar regulação.
“Ainda há muitas outras ideias, como créditos fiscais para notícias, créditos fiscais para publicidade local”, diz ela. Idealmente, as plataformas teriam concordado em pagar. “O melhor seria ter plataformas decentes. A segunda melhor opção teria sido elas pagarem pelas notícias e veicularem as notícias. Olhar para o must-carry é a quarta melhor opção. Mas é onde estamos agora”.
Desde que deixou o Google no início de 2025, Richard Gingras se tornou um defensor do jornalismo local, presidindo o conselho do Village Media no Canadá, cujo CEO foi um ferrenho crítico da lei local.
Ele também não parou de tentar influenciar a legislação. Co-fundou o think tank CNTI – Center for News, Technology and Innovation, que recebeu um generoso apoio de 2,5 milhões de dólares do Google em sua fundação. O think tank já publicou uma análise aprofundada de propostas de políticas de financiamento em 30 países, assim como relatórios sobre IA e segurança de jornalistas.
Ele afirmou a essa investigação acreditar que “políticas públicas sobre a imprensa são sempre algo perigoso” porque os governos “querem controlar os ecossistemas de notícias”.