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Quando o governo federal colocou em consulta pública o Plano Clima, com as estratégias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa do país por setores da economia, já dava para antever que o agronegócio iria se rebelar contra as metas previstas para o setor.
Porque houve uma inovação no processo, e o desmatamento que ocorre dentro de propriedades rurais entrou na conta de emissões da agropecuária, como eu contei na minha coluna de 24 de julho. Com isso, a contribuição do setor nas emissões totais brasileiras cresceu – passando a ser a maior por setor –, de modo que as metas de redução também ficaram maiores.
A proposta, elaborada por equipes técnicas de todos os ministérios que compõem o Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CIM) – inclusive do Ministério da Agricultura (Mapa) e da Casa Civil –, é o roteiro para a implementação da nossa nova Contribuição Nacionalmente Determinada, ou NDC, que é a meta que o país assumiu junto ao Acordo de Paris para reduzir suas emissões.
Todos os países participantes do acordo precisam, neste ano, rever suas metas. E o Brasil, como anfitrião da Conferência do Clima da ONU deste ano – a COP30, em Belém –, deu o exemplo logo no fim do ano passado e lançou a sua.
Em novembro do ano passado, às vésperas da COP29, em Baku, o Brasil anunciou uma nova meta climática, se comprometendo a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% em 2035, na comparação com os níveis de 2005. Mas na ocasião não foi detalhado como esses valores poderiam ser alcançados.
O Plano Clima faz justamente isso, definindo quanto cabe a cada setor da economia. E à agropecuária foi atribuída uma redução de 54% das suas emissões até 2035.
No último dia 13, a FPA levou suas queixas ao Mapa. “Estão atribuindo ao setor emissões que não são de sua responsabilidade e impondo metas desproporcionais, enquanto deixam de contabilizar o que preservamos e sequestramos de carbono”, afirmou o vice-presidente da FPA, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), após participar de audiência com o ministro Carlos Fávaro.
Jardim, repetindo um argumento bastante usado pela bancada ruralista para todo tipo de regulação que tenta se impor ao setor, disse que o Plano Clima “concentra a maior carga de obrigações justamente sobre quem já preserva e produz com responsabilidade, adotando uma abordagem punitiva ao agro”.
A FPA também elaborou uma cartilha listando o que eles chamam de “narrativas” do Plano Clima. No documento, a frente parlamentar pede reformulação da proposta em alguns aspectos, como ter um plano setorial específico para tratar de emissões de gases de efeito estufa relacionados a desmatamento e que sejam incluídas as remoções de gases ocorridas em propriedades rurais privadas.
E ainda afirma: “Outro ponto crítico, que precisa estar claro desde o início, é que a soma das emissões atribuídas ao setor agropecuário inclui, em grande parte, áreas fora de sua responsabilidade, como assentamentos rurais, glebas públicas não destinadas, unidades de conservação, territórios de comunidades tradicionais e até o desmatamento legal. Apesar disso, a obrigação de reduzir essas emissões é imputada integralmente ao setor privado, distorcendo sua participação real no total e inflando artificialmente a meta de corte”.
Nesta quarta-feira (27), representantes do governo envolvidos no Plano Clima também foram chamados em audiência na Comissão de Agricultura do Senado para explicar os pontos.
Em que pese o fato de que, na demanda sobre as remoções, o agronegócio tem razão – hoje o gás carbônico que é absorvido pelas atividades agrícolas e também pelas áreas de vegetação nativa dentro das propriedades não é descontado das emissões, por um problema de metodologia internacional que o governo reconhece que precisa ser revisto – no resto parece mais um esforço do setor para tentar aliviar qualquer tipo de regulação e compromisso com a meta de zerar o desmatamento do país.
Assim como ocorreu com toda a pressão da bancada ruralista para mudar o licenciamento ambiental no Brasil. O setor incluiu no PL a isenção da necessidade de fazer qualquer tipo de licenciamento para todos os imóveis que estiverem incluídos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), mesmo se ele não estiver validado. O presidente Lula vetou isso, mas a FPA promete derrubar o veto.
É uma novela que não vem de hoje. Pelo Código Florestal, os donos de terras no Brasil são obrigados a deixar um percentual de suas propriedades com vegetação nativa, no formato de Reserva Legal e Área de Preservação Permanente. E por essa regra, o setor sempre vai argumentar que já é muito conservacionista. E que nunca é reconhecido por isso.
Por outro lado, costuma ignorar alguns fatos importantes sobre a responsabilidade sobre o desmatamento no país. Veja alguns dados apresentados pelo Relatório Anual de Desmatamento do MapBiomas – que é uma espécie de raio-X sobre a evolução do uso do solo no país.
Na versão mais recente, deste ano, relativa a dados do ano passado, o RAD aponta que:
- Apesar de apenas 0,8% dos imóveis cadastrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) terem algum registro de desmatamento em 2024, eles respondem por 88,7% de toda a área desmatada no país.
- Do total de 62.508 imóveis cadastrados no CAR com desmatamento validado em 2024, 46,3% foram reincidentes, ou seja, já tiveram registro de desmatamento em anos anteriores.
- 38,8% dos imóveis no CAR com alerta de desmatamento estão concentrados na Amazônia; Já o Pantanal (99,5%) e o Cerrado (95,5%) têm quase a totalidade do desmatamento no bioma em 2024, em áreas cadastradas no CAR.
- O desmatamento por pressão da agropecuária responde por mais de 97% de toda a perda de vegetação nativa no Brasil nos últimos seis anos.
Lembrando que o desmatamento é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Para o país reduzir sua contribuição com o aquecimento global, é imprescindível atuar sobre esse problema. E aí pouco importa se o desmatamento é ilegal ou legal. Uma vez que a floresta desaparece, o carbono vai para a atmosfera. É uma questão de química.
Quer dizer. Nada mais justo que caiba ao setor colaborar para reduzir isso.
Logo que o Plano Clima saiu, eu perguntei pro Aloisio Melo, que é o secretário de Mudança do Clima, qual foi a lógica por trás da estratégia. Ele disse que a ideia foi considerar o “agente responsável” pelo desmatamento – ou seja, dar mais clareza sobre a responsabilidade pelo problema. O que faz sentido, uma vez que o plano tem como objetivo orientar políticas públicas para conter essas emissões.
Ontem, na comissão do Senado, ele também explicou isso: “O Plano Clima é um plano de ação para fins domésticos, nacionais, que está organizado em termos de quais são as competências institucionais em cada um dos temas. Quais são as políticas públicas que incidem sobre aquelas emissões. Quais são os agentes privados ou públicos que tomam decisões para aumentar ou diminuir as emissões. Então, a lógica de organização é um plano de ação.”
Há um plano setorial voltado para combater o desmatamento em terras públicas, como unidades de conservação, terras indígenas e áreas não destinadas – que está sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente.
“E no plano da agricultura pecuária, todas as emissões e remoções que ocorrem relacionadas às atividades agropecuárias, seja nos estabelecimentos imóveis rurais, pequenos, médios, grandes, agricultura familiar. A gente incluiu também assentamentos e territórios quilombolas por entender que são áreas que têm essa finalidade produtiva.Em termos de emissão ou remoção das atividades nesses imóveis, propõe-se contabilizar aí”, disse Melo.
Já Marcelo Morandi, da Embrapa, alegou que se “atribuiu para o setor agropecuário o controle de algo que não está na gestão do setor agropecuário fazê-lo enquanto política pública”. Segundo ele, “quem tem a gestão sobre autorização ou não de desmatamento legal ou fiscalização e controle de desmatamento ilegal, não são os ministérios ligados ao setor agropecuário”.
Já estava previsto que ainda haveria ajustes no Plano Clima – é justamente para isso que ele foi à consulta pública. Aguardemos para ver o que pode mudar. Mas certamente vai ser mais uma queda de braço entre agro e governo.