Por Neirevane Nunes Ferreira de Souza – bióloga e doutoranda na Sotepp Unima
As Dunas do Cavalo Russo, um dos ecossistemas de restinga mais importantes de Alagoas, estão sofrendo um processo contínuo de degradação ambiental. Desde 2023, as denúncias feitas mostram que toneladas de areia vêm sendo retiradas dessa Área de Preservação Permanente (APP) para preenchimento das minas de sal-gema da Braskem, comprometendo ainda mais um ambiente que já estava fragilizado devido à ação humana.
A extração predatória de areia resultou na perda severa da biodiversidade local, com a supressão da vegetação nativa de restinga, que desempenha um papel fundamental na fixação das dunas e na manutenção do equilíbrio ambiental daquela área. Com isso, a fauna foi afetada diretamente comprometendo a sobrevivência de espécies nativas e migratórias, a exemplo de aves.
Além disso, as enormes cavas abertas para a retirada da areia formaram grande lagos que se tornaram focos de proliferação de mosquitos vetores de doenças, gerando também a um problema de saúde pública.
O agravamento desse cenário poderia ter sido evitado caso a decisão judicial proferida em 2014 pela 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Alagoas (JFAL) tivesse sido cumprida. Na ocasião, o juiz Raimundo Alves de Campos Jr., ao julgar as Ações Civis Públicas n° 3884-68.2010.4.05.8000 e n° 1301-42.2012.4.05.8000, determinou uma série de medidas compensatórias pelos danos ambientais causados pela duplicação da AL-101 Sul, entre elas, a criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral na região entre a Praia do Francês e a Barra de São Miguel.
Essa determinação foi baseada nas Resoluções Normativas n° 47/2008 e 91/2008 do Conselho Estadual de Proteção Ambiental (CEPRAM), que já previam a necessidade dessas Unidades de Conservação como medida compensatória para os impactos ambientais causados pela duplicação da rodovia.
No entanto, essa determinação nunca foi cumprida, e mesmo assim o processo foi arquivado definitivamente em 25 de março de 2024, após anos de disputas judiciais, com a omissão do Estado de Alagoas e pressão de empresários do setor imobiliário com interesse nessa área. O Estado alegou que não era obrigado a criar a Unidade de Conservação de Proteção Integral defendendo que os recursos referentes a compensação ambiental deveriam ser destinados à APA de Santa Rita, e não à criação de uma nova unidade de conservação. Já o Ministério Público Federal (MPF) argumentou que o Estado e o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) descumpriram suas próprias resoluções e permitiram novos licenciamentos ambientais na área onde as Unidades de Conservação deveriam ser criadas.
A empresa Barra de São Miguel Empreendimento Imobiliário SPE Ltda recorreu, tentando modificar a decisão, propondo a criação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) como alternativa à Unidade de Conservação de Proteção Integral, o que foi questionado pelo MPF.
Até mesmo o IBAMA chegou a ser consultado, mas, infelizmente, declarou não ter interesse em integrar a ação. Se a decisão judicial tivesse sido executada e as unidades de conservação implementadas, poderíamos ter evitado a tamanha devastação na qual se encontra hoje as Dunas do Cavalo Russo.
O arquivamento do processo representou, na prática, um aval para a continuidade da degradação ambiental e sem qualquer plano de recuperação de áreas degradadas, permitindo que interesses econômicos prevalecessem sobre a preservação de um dos últimos remanescentes de restinga do Estado.
O descaso das autoridades e o desrespeito às decisões judiciais demonstram não apenas a fragilidade da proteção ambiental em Alagoas, mas também a cumplicidade dos órgãos públicos diante da destruição de ecossistemas essenciais para o equilíbrio ambiental e para a qualidade de vida da população.