Pacientes de alta complexidade assistidos pelo serviço de home care da Secretaria de Saúde do Distrito Federal reclamam que passam períodos longos sem assistência e o tratamento é comprometido pela alta rotatividade dos profissionais, especialmente técnicos de enfermagem. Segundo as famílias, os “apagões” de atendimento colocam comprometem a qualidade de vida dos acamados.
As famílias reclamam dos serviços da empresa SOS Vida. Na quinta-feira (28/8), a paciente de home care Juliana Ferreira de Araújo passou mal e sofreu quatro paradas respiratórias e crise conclusiva. Deseperada, a mãe da jovem diagnosticada com paralisia cerebral, Geilsa Costa, pediu socorro para o Corpo de Bombeiros Militar (CBMDF). “O ventilador estava estragado e não estava conseguindo manter a paciente. O aspirador não estava aspirando. Porque estava estragada também. O concentrador também não estava funcionando” contou.
Segundo Geilsa, a filha sofre também com falta de medicamentos e o kit de itens para atendimento dos pacientes foi reduzido. “A paciente tem necessidades que precisam ser cumpridas. É uma paciente gravíssima de home care. Não é uma brincadeirinha. Pedi um exame de sangue. Demorou 12 dias. E depois levou mais 10 dias para ela receber o antibiótico. E a Juliana com um quadro infecioso”, denunciou. Juliana foi levada para uma UPA e o quadro foi estabilizado.
Veja:
Segundo Gleiciane Ferreira da Silva, de 43 anos, mãe de Mariah Eduarda, 14, jovem diagnosticada com atrofia muscular espinhal (AME), a crise teve início quando a secretaria trocou a empresa prestadora de serviço. As novas contratadas trabalham com o sistema de contratação de cooperativas. Em alguns casos, os funcionários não têm a experiência necessária para cuidar de pacientes de alta complexidade. E as condições de trabalho e valores oferecidos aos profissionais de saúde seriam precários sem a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“Sem os cuidados os pacientes correm risco de vida. São pacientes de alta complexidade. Já denunciamos para o Ministério Público (MPDFT), para o Tribunal de Contas (TCDF). E a Secretaria de Saúde diz que está tudo ok. Não está ok. Os pacientes estão desassistidos. Se não houver providências, eles vão ir a óbito por desassistência”, alertou. Para garantir a saúde de Mariah, Gleiciane assumiu a organização do atendimento da filha. “O valor do plantão que oferecem para as técnicas não compensa”, completou.
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Dionice de Matos da Penha, 49, fica aflita com os apagões de atendimento do filho, Lucas Matos da Penha, 29. O rapaz é diagnosticado com distrofia muscular de duchenne. “A escala está aberta. A cooperativa não tem técnico para mandar. Meu filho já ficou mais de duas horas sem assistência, diversas vezes”, contou. Lucas passa por intercorrências frequentes e fica com as vias respiratórias entupidas. Sem o atendimento adequado, como uma aspiração, o rapaz sufoca. “Eu não sou treinada. Tenho medo quando estou uma técnica”, lamentou.
Lucas a queda na qualidade no serviço está diretamente ligada à precarização dos contratos das técnicas de enfermagem. “A CLT é melhor regime para as técnicas de enfermagem. Mas não querem fazer isso para não pagar mais”, pontuou. Diante dos apagões no atendimento, o jovem passou a viver com insegurança e preocupação. “Me sinto inseguro. Quando tenho intercorrências não consigo respirar. Fico apavorado querendo respirar. A técnica faz o procedimento e vida que segue. Sem ela, é perigoso. Minha mãe não é técnica”, desabafou.
Medo
Diagnosticado com adrenoleucodistrofia (ALD), Victor Hugo Oliveira Mendes, 19, depende do home care para sobreviver. Segundo a mãe do rapaz, Daniella Maciel Oliveira, 41, o paciente depende ventilação mecânica, traqueostomia, sonda de alimentação. Para Daniella, as horas sem assistência são angustiantes.
“Estou com medo. Nunca aconteceu uma situação da gente ficar sozinha em casa, de falta de técnico. O padrão da qualidade do serviço caiu. A gente não está defendendo empresa. Queremos defender um serviço de qualidade, que não está sendo prestado agora. Se outra empresa oferecer um valor maior, as técnicas vão deixar para minha residência para ir para outra”, explicou.
Inconstância
Do ponto de vista de Marilene Zeferino, 45, mãe de Ludimila Ketlin, 16, o problema é troca constante da equipe de atendimento. A acamada tem fragilidade óssea, fratura no fêmur, Niemann-Pick tipo C e Doença de Von Willebrand. Por mais de cinco anos, a jovem era assistida pela mesma equipe de profissionais. Com a troca do contrato, passou a ser atendida grupos aleatórios de técnicos. A acamada sentiu e passou por diarreia, noites sem dormir, convulsões.
“É uma paciente bastante comprometida. E necessita que alguém conheça ela para dar um trabalho continuado. A cooperativa não está enxergando o tamanho do transtorno que está causando. Toda vez chega alguém que não conheça a Ludimila. Para cuidar da minha filha tem que ter conhecimento, treinamento. É preciso se adaptar, saber as necessidades e como tratá-la. Hoje estamos sofrendo muito. Está cansativo, desgastante. Estou me sentido lesada, prejudicada, vítima “, declarou.
Outro lado
A SOS Vida negou as denúncias apresentadas pelas famílias. “Esclarecemos que as denúncias de falhas, desassistência e condições precárias de trabalho não procedem”, destacou em nota enviada ao Metrópoles.
A empresa alegou possuir 38 de experiência em assistência domiciliar, com atuação na Bahia, Sergipe e DF, com profissionais capacitados, protocolos assistenciais atualizados e adoção de modelos de boas práticas internacionais.
“Reforçamos que promovemos condições de trabalho adequadas para que nossa equipe desempenhe suas atividades com qualidade e segurança. Nosso compromisso é oferecer um atendimento humanizado, seguro e de alto padrão, garantindo que cada paciente receba os cuidados adequados às suas necessidades”, afirmou.
Substituição
A Secretaria de Saúde afirmou que a substituição da prestadora de serviços ocorreu em virtude da finalização do contrato com a empresa Prime, prevista para novembro de 2024. Diante desse cenário, foi realizado novo chamamento público para credenciamento de empresas, processo no qual a empresa Prime optou por não participar.
Atualmente, 111 pacientes recebem atendimento domiciliar, sendo que 51 deles são assistidos pela empresa SOS Vida. O contrato vigente com a empresa possui o valor de R$ 25.585.439,41, com recursos provenientes do Orçamento do DF para o exercício corrente, conforme estabelecido na Lei Orçamentária Anual.
A pasta garantiu que acompanha a execução dos contratos por meio da Subcomissão de Fiscalização de Contratos de Atenção Domiciliar.
“Todas as denúncias recebidas são devidamente apuradas e, sempre que necessário, a empresa responsável é formalmente notificada para que sejam tomadas as providências cabíveis, incluindo a apuração dos fatos e a adoção de medidas corretivas”, prometeu a secretaria.