Nos últimos meses, conteúdos sobre o chamado “protocolo superbebê” começaram a circular nas redes sociais. A proposta sugere que a administração de um coquetel de vitaminas, minerais e aminoácidos na gravidez pode potencializar o desenvolvimento fetal, supostamente aumentando o QI do bebê, fortalecendo sua imunidade e até garantindo um melhor desempenho físico ao longo da vida.
Contudo, além de não haver respaldo em evidências científicas, a prática traz riscos para a saúde materna e fetal. “Não há comprovação científica de que a suplementação indiscriminada durante a gestação aumente o QI do bebê ou melhore seu desempenho imunológico ou físico”, afirma o ginecologista e obstetra Rômulo Negrini, coordenador médico materno-infantil do Einstein Hospital Israelita. “É uma proposta sem base em estudos sérios, com riscos que superam em muito qualquer benefício hipotético”.
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Segundo relatos nas redes sociais, o protocolo envolve a aplicação de complexos vitamínicos e aminoácidos (muitas vezes por via injetável) em gestantes saudáveis, sem indicação clínica. Acontece que a gravidez é um período delicado, em que cada decisão pode ter impacto direto na formação do bebê. Por isso, qualquer intervenção deve seguir critérios técnicos e embasados em consensos científicos.
“A administração de suplementos sem necessidade na gestante, especialmente por via injetável, pode causar náuseas, intoxicação, reações alérgicas severas [como anafilaxia], além de trombose, arritmias cardíacas e infecções locais”, explica Negrini. No feto podem ocorrer malformações, especialmente no sistema nervoso central, devido à interferência no desenvolvimento embrionário, que é altamente sensível durante o primeiro trimestre.
Entidades médicas como a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) emitiram notas afirmando que tais práticas não têm respaldo em evidências científicas e podem representar riscos sérios à saúde da mãe e do bebê.
Em maio, o Ministério da Saúde se manifestou nas redes sociais chamando a atenção para os riscos envolvidos no protocolo. A prática também fere princípios fundamentais da medicina. “Não é ciência, é desinformação”, afirma a pasta na postagem.
A disseminação dessa prática também levanta preocupações do ponto de vista ético. A prescrição de substâncias sem indicação clínica clara pode ser enquadrada como charlatanismo, segundo o Código de Ética Médica.
“O médico não pode divulgar procedimentos e/ou medicamentos de forma sensacionalista e induzir pacientes à garantia de resultados”, afirma o Cremesp em posicionamento publicado no último dia 13 de maio no Instagram.
Negrini concorda. “É preocupante que uma mulher grávida aceite receber medicamentos sem saber exatamente o que está tomando. Isso, por si só, já acende um alerta. A gestação exige responsabilidade redobrada. É perigoso”.
Grávida precisa de suplemento?
De fato, o pré-natal prevê o uso de vitaminas e minerais em determinadas fases da gravidez. Mas essa indicação deve ser individualizada. “A necessidade deve ser avaliada caso a caso. Há indicações bem estabelecidas, como o uso de ácido fólico para prevenir defeitos do tubo neural, especialmente nas primeiras semanas de gestação, e de ferro para combater a anemia gestacional”, explica o médico do Einstein.
Em alguns poucos casos, há necessidade de suplementação injetável, mas são exceções. “A suplementação, sempre que possível, deve ser feita por via oral e sob prescrição médica. O uso indiscriminado de substâncias parenterais, ou seja, aplicadas diretamente na corrente sanguínea, não é seguro nem recomendado”, enfatiza Romulo Negrini.
Para o especialista, num cenário em que a desinformação ganha força nas redes sociais, é fundamental reforçar o papel da medicina baseada em evidência. “A gestante deve ser acolhida, ouvida e orientada de forma responsável. Um pré-natal bem conduzido é aquele que respeita a individualidade da mulher, acompanha o desenvolvimento do bebê com critérios técnicos e oferece segurança em todas as decisões. Aventuras terapêuticas podem custar muito caro”, avisa o ginecologista e obstetra.
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