Após o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) conceder uma liminar proibindo que pessoas em situação de rua fossem retiradas do abrigo para frio às 6h, o governo recorreu da decisão alegando que a mudança no horário causaria “risco concreto de trauma psicológico” a crianças e adolescentes.
O imbróglio ocorre porque o local de acolhimento noturno é no ginásio do Centro Interescolar de Esportes do Distrito Federal (Cief), na 907 Sul, que atende estudantes dos 4 aos 12 anos a partir das 7h15. Esses alunos tiveram o calendário alterado por conta da greve dos professores, que durou 24 dias.
A retirada das pessoas nas primeiras horas da manhã é exatamente quando o termômetro marca a temperatura mais baixa do dia: 10º C, em média.
Cerca de 70% das pessoas retornam ao abrigo
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GDF questiona decisão que permite pessoas em situação de rua a ficarem até as 7h no abrigo
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Pessoas em situação de rua enfrentam fila para retirada de senha e garantir uma vaga no abrigo emergencial do GDF
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Abrigo acolhe 110 pessoas por dia
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Abrigo oferece alimentação, cobertas, colchão e banho quente
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Pela manhã, local é usado por crianças e adolescentes
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20% do público-alvo é formado por idosos
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Na defesa, a Procuradoria-Geral do DF (PGDF) entende que a “convivência forçada de alunos com adultos em situação de vulnerabilidade social, ainda que seja por pouco tempo, expõe os menores a possível trauma psicológico e perigo sanitário”, completou.
No processo, o governo sem apresentar dados, ainda afirma que os acolhidos estão “muitas vezes sob efeito de substâncias psicoativas” dentro do abrigo.
Para o governo, a decisão da Justiça compromete a segurança, a saúde e o direito à educação de crianças e adolescentes que frequentam o local “pois a convivência entre alunos e pessoas em situação de rua representa risco concreto de trauma psicológico e sanitário”.
Recurso contraria próprio governo
A medida contraria o próprio governo. Em entrevista feita em maio do ano passado ao Metrópoles, a secretária de Desenvolvimento Social do DF, Ana Paula Marra, pedia a compreensão de vizinhos de abrigos para não agir com preconceito com essas pessoas.
“A Secretaria de Desenvolvimento Social trabalha com vários serviços, oferta vários serviços para tentar atingir de alguma forma criar um vínculo com aquela pessoa e demonstrar um novo caminho de vida. Quando a gente implementa uma casa de passagem, há o preconceito da própria vizinhança, mas é preciso que a população, que a sociedade, entenda que é uma questão complexa. É uma questão que toda a sociedade precisa se envolver para inserir aquela pessoa novamente numa nova perspectiva de vida”, disse na época.
A entrevista na íntegra pode ser vista neste link.
Acolhimento
O projeto atende 110 pessoas por dia no local, que recebem cobertor, colchões, jantar, café da manhã e acesso a banho quente. Em média, 20% do público é formado por idosos, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social.
Cerca de 70% das pessoas retornam ao abrigo mais de uma vez para passar a noite. Sem se identificar, a reportagem visitou o local duas vezes para verificar a situação. Por volta das 20h, uma fila de pessoas em situação de rua pedem para entrar.
Lá, eles pegam os colchões e organizam em fileiras. A reportagem observou um acolhimento humanizado, em que os assistidos tinham uma cumplicidades com os assistentes sociais.
“Você traz para mim uma corda de violão da nota mi para mim”, pediu o acolhido a uma assistente que também pratica o instrumento. “Trago sim, só tenho de nylon”, respondeu a profissional.
A reportagem conversou com pessoas que afirmaram gostar do local. “O ruim é sair quando ainda está frio”, disse um homem que tem preferido dormir do lado de fora em uma barraca para não ser acordado às 5h30.
A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF) informou que o abrigo de frio provisório do Cief se encerra ainda neste mês, quando entra em funcionamento o Hotel Social, localizado no SAAN. O novo espaço é resultado da experiência bem sucedida deste GDF desde 2020 com os abrigos provisórios e da boa aceitação da população com o modelo.
“O Hotel Social será um pernoite permanente para a população de rua e vai contar com camas, banho quente, alimentação (jantar e café da manhã), além de canil para pets com ração, água e outros cuidados. O horário de pernoite será de 19h às 8h. Também haverá micro-ônibus diariamente do Centro Pop Brasília, na Asa Sul, equipamento especializado em atendimento socioassistencial para a população em situação de rua”, afirmou em nota.