O alívio imediato que muitos pacientes com enxaqueca crônica encontram nos analgésicos pode, com o tempo, acabar intensificando as próprias crises, segundo um estudo publicado no The Journal of Headache and Pain em março.
A pesquisa revela que o uso frequente desses medicamentos está associado a alterações em estruturas cerebrais relacionadas à memória, ao controle motor e ao processamento visual.
Sintomas da enxaqueca
- A dor é intensa e latejante, localizada em um ou mais pontos da cabeça. Pode vir acompanhada de náuseas e vômitos.
- Há também grande sensibilidade à luz, sons e cheiros.
- Em alguns casos, a pessoa sente visão embaçada.
- Também podem ocorrer episódios de aura, com pontos brilhantes ou manchas escuras na visão.
- Formigamento e dificuldade para falar são outros sintomas possíveis.
Análise do cérebro de pacientes com enxaqueca
Os pesquisadores chineses analisaram imagens cerebrais de 63 mulheres divididas em três grupos: com enxaqueca crônica; com enxaqueca associada à cefaleia por uso excessivo de medicamentos; e um grupo de controle saudável.
Utilizando ressonância magnética multimodal, que combina diferentes tipos de imagens cerebrais, o estudo encontrou diferenças marcantes entre os grupos.
Nas pacientes que faziam o uso excessivo de medicamentos, o volume da substância cinzenta foi significativamente menor no giro para-hipocampal esquerdo (ligado à memória e regulação emocional) e no giro occipital médio direito (envolvido na atenção visual).
Também foi observada menor integridade da substância branca e redução da atividade espontânea no putâmen, estrutura associada ao controle motor e à aprendizagem.
“Esses medicamentos não tratam a doença de forma efetiva e, quanto mais remédios você toma, menos eles funcionam e mais dor você sente. É um quadro conhecido como cefaleia por uso excessivo de medicamentos”, afirma o neurologista especialista em cefaleia Tiago de Paula, membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC).
Quando o remédio vira parte do problema
A análise mostrou que quanto mais frequente era o uso de analgésicos, maior era a atividade conjunta entre o putâmen e outras regiões cerebrais, como o lobo frontal e o giro cingulado. A comunicação exagerada entre as áreas pode contribuir para manter ou até intensificar as crises de enxaqueca ao longo do tempo.
“Essa associação faz sentido do ponto de vista clínico. O uso excessivo de analgésicos, principalmente os de ação rápida, pode levar à sensibilização central. O cérebro se torna mais ‘reativo’ à dor, o que contribui para a manutenção e até o agravamento da enxaqueca”, explica o médico intensivista e especialista em enxaqueca Felipe Brambilla, que atua em São Paulo.
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Segundo Brambilla, o ideal é limitar o uso de analgésicos a, no máximo, duas ou três vezes por semana. Quando o número de crises ultrapassa quatro ou cinco dias por mês, é importante iniciar um tratamento preventivo.
“Esse tratamento pode envolver medicamentos específicos, mudanças de estilo de vida e terapias complementares. A abordagem precisa ser individualizada”, orienta.
Tratamento eficaz exige plano e acompanhamento
Além de indicar os riscos do uso excessivo de analgésicos, o estudo também ajuda a entender os mecanismos cerebrais envolvidos na cronificação da enxaqueca, o que pode abrir caminho para diagnósticos mais precisos e terapias mais eficazes.
“O estudo reforça que disfunções no putâmen podem estar ligadas tanto à intensificação da dor quanto à dependência de analgésicos. Esse funcionamento alterado pode inclusive servir como biomarcador”, afirma de Paula.
O neurologista também destaca que o uso crônico desses medicamentos pode prejudicar a eficácia de tratamentos consagrados, como a toxina botulínica e os medicamentos monoclonais anti-CGRP. “Essas terapias de primeira linha atuam diretamente na sensibilidade do cérebro à dor e na inflamação associada à enxaqueca, mas têm menor efeito quando o paciente mantém o uso indiscriminado de analgésicos”, ensina.
Os especialistas ouvidos pelo Metrópoles concordam que a enxaqueca crônica deve ser tratada como uma condição multifatorial, o que significa considerar fatores como alimentação, sono, estresse, hidratação e atividade física na rotina do paciente.
“O acompanhamento médico individualizado é essencial. Não basta tomar o remédio no momento da dor e esperar que o problema se resolva”, conclui de Paula.
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