Mesmo após decisões judiciais que suspenderam as desocupações na fazenda Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto (GO), a população continuou sendo cercada por pessoas que parecem ser seguranças privados, na noite dessa terça-feira (5/8).
Em vídeo obtido pelo Metrópoles, um homem conversa com um morador que tenta explicar as decisões judiciais. O homem, então, avisa que irá analisar a medida, respondendo em tom de ameaça.
O suposto segurança alerta que vai derrubar a casa do morador caso a decisão judicial fosse falsa. “Se a gente perceber que vocês estão de sacanagem, nós vamos derrubar. Não vamos ter consideração, não.”
Assista ao vídeo:
Os moradores da Antinha de Baixo obtiveram três decisões judicias favoráveis nessa terça-feira. O Supremo Tribunal Federal (STF), a Justiça Federal de Anápolis (GO) e o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) ordenaram a suspensão da decisão que dava aval para a retirava das famílias de suas casas. As três publicações entendem que deve ser apurada e levada em consideração a autodeclaração feita pela população local de que a Antinha de Baixo é uma região quilombola.
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Em contato com a reportagem na manhã desta quarta-feira (6/8), representantes do empresário Murilo Caiado negam qualquer tipo de ameaça ou conflito com os moradores. Quanto às decisões que suspenderam as ordens de despejo, um assistente, que pediu para não ser identificado, afirmou que as medidas “chegaram tarde”.
“A liminar que concedeu as 32 moradias já foi cumprida, e nosso serviço foi concluído”, declarou.
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Região da fazenda Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto (GO), é alvo de disputa judicial
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TJGO remeteu a disputa à Justiça Federal
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Região pode ter sido habitada por quilombolas em séculos passados
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Agora, a Justiça Federal decidirá o futuro da região
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Murilo Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é um dos herdeiros, de acordo com o TJGO
VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto
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Moradores da Antinha de Baixo
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Comunidade quilombola
Em agravo regimental, o ministro Edson Fachin levou em conta que, em 26 de junho deste ano, moradores da Antinha de Baixo fizeram pedido de reconhecimento étnico e territorial na Fundação Cultural Palmares para que a região seja classificada como comunidade quilombola. A população aponta que cidadãos escravizados ocupavam aquelas terras cerca de 400 anos atrás.
O pedido de reconhecimento foi publicado pela Fundação Palmares no Diário Oficial da União (DOU), na segunda-feira (4/8), fator levado em conta por Fachin na decisão. “Entendo prudente a imediata suspensão da ordem de desocupação proferida”, escreveu. Na publicação, o ministro ressaltou que a autoidentificação é elemento suficiente para reconhecer a identidade como quilombola.
Mais cedo, a juíza Ailime Virgínia Martins, da 1ª Vara Cível de Santo Antônio do Descoberto (GO), já havia decidido remeter à Justiça Federal a competência sobre a Antinha de Baixo. Essa medida já impedia o TJGO de autorizar novas desocupações no povoado.
A decisão da juíza veio após o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pedir à Advocacia-Geral da União (AGU) para atuar no processo como assistente devido à autodeclaração dos moradores como comunidade quilombola.
“Em um primeiro momento, entendi que tal fato, por si só, não seria suficiente para atrair a competência da Justiça Federal. Ocorre, entretanto, que houve recente intervenção do Incra”, pondera a juíza Ailime Martins. “A manifestação formal da autarquia federal […] impõe, como medida de prudência e regularidade processual, a remessa dos autos à Justiça Federal”, prosseguiu a magistrada.
Caso fique comprovado que a região foi habitada por cidadãos escravizados em séculos passados, cabe somente à Justiça Federal definições jurídicas sobre a área, como estabeleceu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2014.
Desocupação e derrubada
Apesar da decisão favorável aos moradores nesta terça-feira (5/8), várias famílias já perderam suas casas, uma vez que a ordem para desocupar os imóveis na Antinha de Baixo começou a ser cumprida na segunda-feira. Nos últimos dois dias, 32 imóveis foram desocupados.
A mando de Murilo Caiado, tratores chegaram a derrubar algumas das casas após o cumprimento da ordem de despejo. A decisão do STF não faz menção a essas residências.
Respostas
O empresário Murilo Caiado, que seria um dos herdeiros das terras em questão, afirmou ao Metrópoles nessa segunda-feira (4/8) que os atuais moradores teriam sido enganados por antigos proprietários que venderam imóveis sem documentação. Murilo declarou ainda que a situação estaria sendo politizada.
Em nota enviada após a publicação da primeira reportagem do Metrópoles sobre o caso, a Secretaria de Comunicação (Secom) do Governo de Goiás alegou que “o governador Ronaldo Caiado não é parte do processo”. “Não cabe, portanto, comentário do governador sobre a decisão judicial”, afirmou.
“O eventual parentesco de 4º grau com uma das partes do processo não implica envolvimento do governador em qualquer ato, e por isso a citação do seu nome em reportagem sobre o assunto causa estranheza”, completou a Secom.