Se fossem um país, as 45 maiores empresas que produzem carne e laticínios seriam o nono maior emissor de gases do efeito estufa do mundo. Juntas, essas empresas, entre as quais estão gigantes brasileiras como a JBS, emitiram 1 bilhão de toneladas de gases do efeito estufa, que contribuem com o aquecimento global, em 2023 – mais do que a Arábia Saudita, segundo maior produtor global de petróleo.
Os dados – lançados a poucos dias do início da 30ª Conferência do Clima da ONU, a COP30, que vai reunir representantes de quase 200 países em Belém, no Pará, para discutir medidas de enfrentamento à crise climática – são de um levantamento feito pela Profundo, organização de pesquisa sem fins lucrativos, e integram um relatório de quatro ONGs internacionais (Greenpeace, Foodrise, Friends of the Earth, Institute for Agriculture and Trade Policy).
Só as cinco maiores emissoras combinadas (as brasileiras JBS e Marfrig, a americana Tyson, a também brasileira Minerva e a americana Cargill) produziram, em 2023, 480 milhões de toneladas de gases do efeito estufa. O número é superior às emissões de grandes petrolíferas, como Chevron (com 454 milhões de toneladas), Shell (429 milhões) e BP (366 milhões).
Considerando apenas o metano – gás do efeito estufa com mais capacidade de reter calor do que o gás carbônico (CO₂) -, o relatório estima que as 45 maiores empresas de proteína animal emitiram no total mais do que todos os países da União Europeia e o Reino Unido em 2023.
Segundo o relatório, as comparações com petrolíferas e países são apenas ilustrativas, já que não há uma padronização global dos dados de emissões entre diferentes indústrias e setores econômicos.
Ainda assim, elas dão dimensão do impacto climático das grandes produtoras globais de proteína animal, provocado principalmente pelo metano, que respondeu por mais de 51% das estimativas de emissões das empresas.
Aquecimento global e o “arroto” do boi
Diminuir as emissões de metano, produzidas majoritariamente pelo rebanho bovino, é considerada uma medida estratégica para desacelerar rapidamente o aquecimento global, porque, apesar de possuir uma vida curta, esse gás é quase trinta vezes mais potente que o dióxido de carbono.
Em 2021, mais de 150 países, entre eles o Brasil, firmaram um compromisso de cortar essas emissões em 30% até o final da década. Ainda assim, a concentração do gás na atmosfera bateu um novo recorde no ano passado, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
No Brasil, as emissões de metano aumentaram em 6% entre 2020 e 2023, ano em que o país lançou 21,1 milhões de toneladas de metano na atmosfera, de acordo com o Observatório do Clima. A agropecuária, pela fermentação entérica (o famoso “arroto” dos bovinos), responde por 70% das emissões de metano.
Segundo Gabriel Quintana, do Imaflora, o Brasil poderia adotar várias metas para reduzir de forma considerável essas emissões na pecuária, como melhorar a dieta animal por meio de pastagens bem manejadas, realizar melhoramento genético para maior produtividade animal de 45% do rebanho de gado e expandir o abate precoce dos bovinos para corte, totalizando 85% dos abates nacionais com até 30 meses.
“Por depender de um clima estável, a agricultura global está em uma situação perigosa. O sistema agrícola está ameaçado pelos impactos climáticos, sendo, ao mesmo tempo, o segundo maior impulsionador desses impactos por meio das emissões”, afirma o professor de Oxford Paul Behrens, que pesquisa as conexões entre clima, energia e alimentação, no relatório das organizações internacionais.
“Os lucros das empresas de carne e laticínios dependem da negação do papel delas como motor dessa crise, como mostra esse relatório”, diz Behrens.
Emissões colocam JBS no nível de petrolíferas
O relatório dá especial atenção à JBS, maior processadora de carne do mundo e, pelas estimativas, também a maior emissora entre as empresas do ramo por uma margem considerável. Sozinha, a companhia – que abateu 3,6 bilhões de frangos, 20,8 milhões de cabeças de gado e 38,8 milhões de porcos em 2023 – responde por 24% de todas as emissões das 45 empresas.
Conforme o levantamento, em 2023, a JBS emitiu estimadas 241 milhões de toneladas de gases do efeito estufa, mais do que as emissões individuais de 81% dos países do mundo. Apenas o rebanho bovino respondeu por 87% dessas emissões.
O relatório cita, ainda, outro levantamento, da Greenpeace Nordic, que, no ano passado, estimou que as emissões de metano da JBS ultrapassaram as reportadas pelas petrolíferas Shell e ExxonMobil combinadas. Esse mesmo levantamento anterior já havia mostrado que, somadas, JBS, Marfrig, Minerva, Cargill e Dairy Farmers of America emitiram a mesma quantidade de metano que ExxonMobil, Chevron, Shell, TotalEnergies e BP, também somadas.
De acordo com o documento, todas as empresas de carne e laticínios foram procuradas antes da publicação do relatório para comentar os dados e os resultados das estimativas de emissões.
Em um evento recente, ao mencionar as emissões do setor agropecuário, o CEO da JBS, Gilberto Tomazoni, disse que há um problema de métrica e que a conta atual é incompleta por considerar as emissões, mas não contabilizar também a captura de carbono durante o crescimento da pastagem.
“Nós não podemos ser avaliados pelas métricas da agricultura temperada”, afirmou, em setembro, no NeoSummit COP30. “Nós temos que ser avaliados pelas métricas da agricultura tropical. Então esse é o grande desafio que o Brasil tem que mostrar [na COP30 e outros eventos internacionais]”.
O pleito é ecoado por entidades representativas do agronegócio, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), que defendem a “tropicalização” das métricas usadas para calcular a quantidade de emissões do setor e têm levado essa demanda para a presidência da COP30.
“Há cerca de um mês atrás, o presidente [da CNA] João Martins recebeu a visita do presidente da COP30, embaixador Corrêa do Lago. O presidente João externou com muita ênfase ao embaixador a nossa expectativa de que a COP30 possa avançar nesse contexto da agricultura tropical para que nós possamos ter o agro brasileiro efetivamente medido com métricas e critérios adaptados à agricultura tropical – e não mais por métricas de agricultura temperada que não refletem efetivamente a realidade do agro brasileiro”, afirmou Muni Lourenço Silva, da CNA, em um evento recente da entidade.
Em 2021, a JBS foi uma da primeira entre as empresas do setor a se comprometer com neutralizar suas emissões até 2040 e acabar com o desmatamento ilegal em sua cadeia de fornecedores.
Entretanto, em janeiro deste ano, o diretor global de sustentabilidade da JBS afirmou, em entrevista à agência Reuters, que a meta de neutralidade de emissões nunca foi uma promessa de fato, mas apenas uma “aspiração”.
Ao longo dos últimos anos, surgiram denúncias de que a empresa teria comprado gado criado ilegalmente em áreas protegidas, como Terras Indígenas e Reservas Extrativistas, como mostrou a Agência Pública.
Mais recentemente, uma investigação da organização Human Rights Watch (HRW) aponta que a JBS pode ter exportado para a União Europeia carne bovina e couro produzidos com gado proveniente de fazendas ilegais no Pará. À HRW, a JBS afirmou que monitora as fazendas de seus fornecedores diretos para verificar se eles cumprem sua política de compras. Afirmou ainda que, a partir de 1º de janeiro de 2026, será obrigatório que os fornecedores diretos disponibilizem informações sobre seus fornecedores.
