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Enquanto a “química” funcionou – não sabemos como estará amanhã – Trump e Lula encontraram suas afinidades. Na videochamada da “virada” desse relacionamento, que até o momento em que escrevo promete resultar em um tête-à-tête em Kuala Lumpur, capital da Malásia, Lula lembrou que ambos em breve fariam 80 anos. “Me sinto um garoto de 40 anos e sei que você também está muito bem”, respondeu Trump.
Lula já comemorou antecipadamente seu aniversário em Jacarta, a caminho da Malásia, com um banquete oferecido na quarta-feira (23) pelo presidente da Indonésia Prabowo Subianto, ocasião em que disse ter “a mesma energia de quando eu tinha 30 anos de idade” e repetiu o que sabemos: vai disputar um quarto mandato no Brasil.
Talvez Trump possa dar os parabéns pessoalmente a seu colega de geração, já que Lula fará 80 anos na terça-feira e o possível encontro está previsto para o começo da próxima semana. Podem brincar de novo sobre a idade, uma maneira de transformar em vantagem uma desvantagem evidente em um mundo que precisa de novas ideias.
Antes de acusações de etarismo, apesar do lugar de fala que me conferem meus 66 anos, ou de estar comparando o nosso presidente, um democrata comprovado, com o autocrata Trump, entre outras diferenças relevantes, explico: a afirmação de virilidade juvenil, implícita nos comentários de ambos, está longe de ser um reconhecimento do valor dos mais velhos. Soa mais como declaração de “juventude por mérito”, que os habilita a continuar no poder.
Mas não disfarça o mal que acomete tantos idosos de poder longevo – o apego a antigas soluções e a carência de imaginação para encontrar saídas em sintonia com o estado atual do mundo. O exemplo concreto é a afinidade dos dois presidentes em relação a um projeto de desenvolvimento baseado em combustíveis fósseis que ameaça sobretudo os mais jovens, com ênfase para mulheres, negros, indígenas, via de regra excluídos do poder.
Se o conhecido mote de Trump é “drill, baby, drill”, referindo-se à perfuração de petróleo sem escrúpulos, Lula, mesmo se colocando como liderança climática e decerto muito mais responsável social e ambientalmente do que o negacionista dos Estados Unidos, atuou com entusiasmo para liberar a exploração da Petrobras na Foz do Amazonas, ironicamente anunciada às vésperas da COP de Belém.
A ideia de que a preocupação com o futuro pode ficar para depois, quando ambos já tiverem partido, me fez lembrar de Greta Thunberg, hoje uma das lideranças da Flotilha em defesa dos palestinos, quando ela conquistou as capas de jornais também no Brasil. Uma menina de 16 anos, militante desde os 13, que em 2019 enfrentava os líderes mundiais reunidos na ONU com lágrimas nos olhos e palavras fortes: “Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias”, disse, denunciando a inação dos governantes em relação à emergência climática que recai pesadamente sobre os mais jovens.
O Brasil, então presidido por Jair Bolsonaro, foi um dos cinco países diretamente criticados por Greta na ocasião, mas nem mandou representante para a Cúpula de Ação Climática em Nova York, naquele primeiro governo de Donald Trump, que por sua vez passou rapidamente pela conferência. O país só voltou a ter relevância no debate climático depois que Lula, recém-eleito (e com o mandato ameaçado por um golpe de estado como saberíamos depois), foi efusivamente saudado na COP de 2022, no Egito. O Brasil voltou, era essa a mensagem. Passamos todos a sonhar com uma linda COP na Amazônia.
Sim, o governo de Lula reconstruiu as estruturas de controle e fiscalização ambiental destruídas por Bolsonaro. Mais do que isso, criou um Ministério dos Povos Indígenas e voltou a ter uma política de clima e meio ambiente, liderada por Marina Silva, e apoiada em órgãos técnicos, como o Ibama, que até parecia capaz de deter o projeto predatório de explorar petróleo na Margem Equatorial. Não conseguiu.
Não adianta continuar apostando em combustíveis fósseis e combater apenas o desmatamento, como de fato o governo Lula fez com bastante sucesso. Pelo menos até que a seca e os incêndios na Amazônia no ano passado expusessem desafios trazidos pelas mudanças climáticas, com a temperatura batendo o limite de 1,5 grau de aquecimento.
Se o desmatamento associado ao agronegócio é o principal vetor de nossas emissões de carbono, um planeta mais quente torna ainda mais difícil manter a resiliência da floresta e a qualidade de vida e esperança de futuro de todos nós. Vamos lembrar que cerca de 80% dos gases de efeito estufa que aquecem a Terra vem da queima de combustíveis fósseis.
Dizer que a contribuição do Brasil nesse tipo de emissão é relativamente menor do que a de outros países é uma meia verdade. A exploração da Margem Equatorial faz parte dos planos do governo de tornar o país um grande produtor e exportador de petróleo – que no ano passado já superou a soja como principal produto de exportação. Se o Brasil vender mais petróleo, seja lá onde for consumido, o planeta ficará mais quente.
“O Brasil está entre os principais impulsionadores do crescimento futuro do fornecimento global de petróleo fora da Opep”, destacou o relatório mais recente da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, à qual o Brasil se juntou em fevereiro deste ano.
Um presidente que subiu a rampa ao lado de uma das maiores lideranças indígenas do mundo, o cacique Raoni, e recebeu a faixa presidencial das mãos de uma mulher negra de 33 anos, a catadora Aline Souza, tem o dever de abrir espaços de poder para os que podem e querem transformar o mundo.
Mas Lula ainda acredita em projetos de desenvolvimento do passado, desprezando o que dizem indígenas, quilombolas, ambientalistas, cientistas e mulheres, incluindo sua ministra de Clima e Meio Ambiente, Marina Silva. Não respeita nem mesmo a opinião do conjunto dos brasileiros – pesquisa do Datafolha, divulgada na semana passada, mostrou que 61% dos entrevistados querem a proibição da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, percentual que sobe para 73% entre os mais jovens.
O presidente também parece não valorizar a demanda por representatividade do segmento mais excluído da população – as mulheres negras – em espaços de poder, como o Supremo Tribunal Federal (STF). Ignorou o abaixo-assinado de 3 mil advogadas mulheres e a lista de candidatas negras de excelência técnica proposta pela sociedade civil para substituir o ministro Luís Carlos Barroso e vai novamente escolher um homem branco para o tribunal que, em 130 anos de história, teve apenas três mulheres em sua composição, incluindo a atual ministra Cármen Lúcia.
Um mundo eternamente conduzido por senhores brancos tem poucas chances de se reinventar, como precisamos fazer agora. Mesmo que eles sejam tão diferentes entre si como Lula e Trump. Que tem lá suas afinidades. Ou será a química?
