Jovem de Sobradinho supera desafios e se forma médica pela UnB

Filha de cozinheira, com deficiência física, ex-aluna do EJA e sobrevivente de depressão, jovem de 30 anos se tornará a primeira médica da família. Formatura será em agosto

foto: Arquivo Pessoal

foto: Arquivo Pessoal

Aos 30 anos, Rithiele Souza Silva está prestes a realizar um feito que por muito tempo parecia inatingível: formar-se em medicina pela Universidade de Brasília (UnB). Moradora de Sobradinho, filha de uma cozinheira e primeira da família a concluir o ensino superior, ela enfrentou uma série de obstáculos, da pobreza à exclusão escolar, da depressão ao capacitismo, sem jamais abrir mão do sonho de se tornar médica.

“Não tinha idealização, até porque isso era distante da minha realidade. Mas havia uma vontade de ficar bem na vida, e passei a me ver naquele lugar. A medicina me escolheu”, diz Rithiele, emocionada.

Diagnosticada com paralisia hemiplégica cerebral, condição que afetou parte dos seus movimentos, a convivência com médicos desde a infância despertou nela a admiração por esses profissionais. Mas o caminho até o diploma foi tortuoso. A estudante deixou a escola pela primeira vez aos 13 anos, para cuidar da mãe e da irmã recém-nascida, em um cenário de instabilidade financeira e emocional.

Ao longo da juventude, Rithiele se dividiu entre empregos como vendedora e atendente e o desejo adiado de voltar aos estudos. Retomou a educação básica pelo programa EJA aos 22 anos e, com o apoio do ex-marido e da mãe, mergulhou em uma rotina intensa de preparação para o Enem. Estudava sozinha mais de dez horas por dia, com a ajuda de plataformas on-line e do programa Bora Vencer.

O esforço deu frutos: após ser aprovada para odontologia, insistiu e conquistou, em 2019, uma vaga no curso de medicina da UnB, por meio do Sisu e das cotas para pessoas com deficiência (PcDs). A notícia foi recebida com lágrimas e orgulho por toda a família. “A primeira vez que fiz a prova, nem sabia como funcionava. Quando passei, nem acreditei”, lembra.

Durante os seis anos de graduação, teve como base prática o Hospital Universitário de Brasília (HUB). Ali, viveu momentos desafiadores e inspiradores. A coordenadora do curso, Dra. Selma, tornou-se figura fundamental: “Foi como uma mãe. Me acolheu sem nem conhecer minha história, me ajudou psicologicamente e até financeiramente.”

Mesmo diante do ritmo acelerado da universidade e do conhecimento técnico que muitos colegas já dominavam, ela respeitou seus próprios limites. “Meu foco nunca foi só a faculdade. Absorvi o que pude sempre respeitando meu tempo.”

Rithiele enfrentou, também, situações de capacitismo. Em uma avaliação prática, recebeu nota inferior aos colegas por não ter força física suficiente, mesmo a atividade não exigindo tal esforço. Em outra ocasião, foi impedida de treinar uma simulação de intubação: o professor se recusou a ajudá-la, sugerindo que assistisse a vídeos on-line. “Fui questionada se conseguiria levar minha carreira adiante. Isso machuca”, desabafa.

Atualmente, além de estudante, ela atua como terapeuta holística, o que ajudou a custear o aluguel durante o período em que morou no Plano Piloto para facilitar a rotina acadêmica. Este ano, decidiu voltar a viver em Sobradinho.

Para o futuro, ainda não decidiu qual especialidade seguir, mas nutre interesse por medicina de família, do trabalho e psiquiatria. Sua maior ambição é proporcionar uma vida tranquila à mãe. “Tudo o que faço é por ela. Não quero ser exceção. Quero que minha história se repita na vida de outras pessoas que também sonham.”

A formatura está marcada para agosto. Até lá, Rithiele segue com a mesma convicção que a trouxe até aqui: “Se você está insatisfeito com o que faz, vá atrás do que te traz alegria. A medicina é isso para mim.”

Sair da versão mobile