Por Ricardo Rodrigues – colaborador / Tribuna Independente
O juiz André Granja, da 3ª Vara da Justiça Federal de Alagoas, determinou que fosse realizada uma nova perícia sobre a situação dos moradores dos Flexais, na região dos bairros atingidos pela mineração predatória praticada da Braskem, em Maceió.
Com base o laudo a ser produzido pela antropóloga Michele Bezerra Couto de Lima, selecionada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o magistrado vai decidir se acata ou não o pedido de realocação dos moradores dos Flexais, Quebradas e Rua Marquês de Abrantes, como defende, na Ação Civil Pública, a Defensoria Pública do Estado (DPU).
A proposta de ressocialização, que é contestada pelo defensor público estadual Ricardo Melro, é defendida pela Braskem, pelo Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Estadual (MP/AL), pela Defensoria Pública da União (DPU) e pela Prefeitura de Maceió, por meio da Defesa Civil Municipal.
De acordo com o defensor Ricardo Melro – apesar de na ação constar oito laudos favoráveis à realocação e apenas um, produzido pela Diagonal a serviço da Braskem, favorável à revitalização – a decisão do magistrado é importante porque põe fim ao impasse e deixa a contenda mais perto de ser concluída.
“A Braskem e a União tinham pedido a suspensão do processo, até que as obras de revitalização fossem concluídas. Nós discordamos desse pedido de suspensão, até porque o prazo de dois anos para a conclusão das obras terminou [no último dia 6 de outubro]. E se as obras não foram concluídas não foi culpa nossa, foi por culpa da Braskem, da mina 18 e da prefeitura de Maceió que não forneceu os alvarás, as licenças necessárias para construir os equipamentos. Portanto, foi positiva a decisão do juiz de não suspender a ação”, comentou Ricardo Melro.
Segundo ele, a nomeação de uma perita, credenciada pelo CNJ, não seria necessária, já que na ação há uma série de provas em defesa da realocação com indenizações justas, mas como o magistrado optou pela produção de um novo laudo, que pelo menos ele seja realizado da melhor forma possível, levando em consideração a vontade da maioria dos moradores dos Flexais e adjacências.
“O juiz [André Granja] entendeu que devia fazer um novo laudo e nomeou essa perita, essa antropóloga indicada pelo CNJ. Ele já formulou os quesitos para essa perita levar em consideração e levar as perguntas para a pesquisa de campo. Além disso, abriu prazo para nós formularmos os nossos quesitos. Então, o magistrado vai querer aprofundar um pouco mais a questão para poder dar a decisão final”, explicou o defensor.
Ele disse também que a decisão é importante, principalmente porque o magistrado não suspendeu a ação até que a Prefeitura de Maceió, em parceria com a Braskem, conclua as obras de revitalização dos Flexais.
Portanto, para o defensor público estadual, essa decisão do juiz André Granja é muito mais favorável a realocação do que a revitalização. “Vamos indicar um responsável técnico para acompanhar a perícia e formular os quesitos. Acho que, com isso, o juiz tira as dúvidas que ainda restam e decide a questão com mais isenção”, concluiu Ricardo Melro.
Movimento das Vítimas da Braskem diz já existir um laudo antropológico
Para o coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), Cássio Araújo, a decisão do magistrado por uma nova prova seria um excesso de zelo, já que na ação civil pública há uma série de documentos em defesa da tese da realocação, incluindo um laudo produzido pelo antropólogo Edson Bezerra, professor da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal).
“Outra coisa, a perita não foi nomeada pelo CNJ. Ela foi indicada numa lista com os nomes de vários profissionais, fornecida pelo Conselho Nacional de Justiça. Com base nessa relação, o juiz optou pela antropóloga pernambucana para produzir esse laudo”, relatou Araújo. “O importante agora é a Defensoria Pública do Estado formular os quesitos e indicar um técnico para acompanhar a perícia de local”, acrescentou.
Segundo o funcionário público Maurício Sarmento, integrante do MUVB, a antropóloga Michele Bezerra Couto de Lima foi escolhida pelo juiz, “embora não tenha experiência com desastres e crimes socioambientais, mas vamos aguardar o trabalho dela”.
Na opinião do vendedor ambulante Valdemir Alves, morador do Flexal de Baixo, o importante é que a ação esteja chegando a seu fim. “A gente não aguenta mais tanta demora, tanto sofrimento, tanto massacre”, disse ele.
“A comunidade encontra-se isolada, sem a vizinhança e o comércio que a gente tinha, antes da tragédia da Braskem. Então, se o juiz quer uma nova perícia para decidir, que seja feita, mas que resolva logo, de uma vez por todas essa situação de abandono dos Flexais”, completou Valdemir Alves, que defende a realocação com indenizações justas, pagas pela Braskem.
MAM
Para a bióloga Neirevane Nunes, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), “nesse documento [decisão do juiz André Granja] eu vejo que se destaca a insistência da Braskem, MPF e Prefeitura de Maceió em não reconhecer a totalidade do passivo ambiental que a mineradora tem com a população dos Flexais”.
“Além disso, continuam subdimensionando os impactos socioambientais sofridos por esses moradores como também não respeitando o direito a reparação integral a qual os atingidos têm direito. Continuam sustentando a ilusão que as ações de revitalização irão reverter o ilhamento socioeconômico, quando todos sabem que são danos no caso dos Flexais são irreversíveis. Não há nenhuma condição de habitabilidade e de vida saudável ali”, acrescentou Neirevane.
Ex-moradora: “imposição em revitalizar mostra urgência do contrário”
Segundo Neirevane Nunes, “a posição adotada pela Braskem, pelo MPF e pela Prefeitura de Maceió evidencia uma postura que, sob o pretexto da ‘análise técnica e da legitimidade dos projetos’, acaba por mascarar a resistência a demandas que poderiam ampliar as responsabilidades ou comprometer os interesses financeiros e políticos envolvidos. A recusa ao pedido de aditamento da Defensoria Pública de Alagoas ignora os impactos reais e urgentes”.
A imposição da revitalização, como “solução”, para a bióloga, “passa por cima da soberania popular, atropela a dignidade e os direitos dos moradores e de todos os trabalhos técnicos já produzidos que apontam a necessidade urgente de realocação dos Flexais”.
Ao insistirem em manter o controle do processo com base em “análises técnicas” e ações de “revitalização” totalmente fora da realidade, essas entidades, segundo Neirevane, “mostram-se alinhadas com uma lógica que não prioriza a dignidade, a segurança e direitos fundamentais dos moradores dos Flexais”.
“Esperamos que esse novo laudo técnico antropológico não venha ser desqualificado por essas instituições que desde o início não reconhecem os trabalhos técnicos realizados em defesa da realocação dos Flexais e o do direito a reparação integral justa”, concluiu.
Antropóloga A antropóloga pernambucana Michele Bezerra Couto de Lima é Bolsista de Extensão no País pelo CNPq – Nível C. Ela possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (2007), mestrado em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2010) e especialização em Gênero, Desenvolvimento e Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco (2015).
Atualmente é tutora EAD da Fundação Joaquim Nabuco e pesquisadora da Universidade Federal Rural de Pernambuco. É pesquisadora do DADÁ: Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações de Gênero, Sexualidade e Saúde da Universidade Federal Rural de Pernambuco – Unidade Acadêmica de Serra Talhada. Tem experiência na área de Antropologia e Políticas Públicas, atuando principalmente nos seguintes temas: relações de gênero, divisão sexual do trabalho, direitos sexuais e reprodutivos, sexualidades e identidades de gênero, maternidade, infância, classe, raça, etnia, violência contra a mulher, justiça e segurança pública.
Tem aptidão em pesquisas qualitativas e quantitativas; na elaboração de estudos e laudos antropológicos; em atuar no processo de elaboração, planejamento, monitoramento e avaliação de programas e ações de forma a
assegurar a transversalidade e intersetorialidade de gênero, etnicidade, raça, sexualidade, geração, territorialidade, etc. nas políticas públicas.
Ela teve participação na 24ª Reunião Brasileira de Antropologia como monitora (Período: 12 a 15 de junho de 2004).